Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Praia Mansa
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segunda-feira, 8 de julho de 2019

Do molhe do Titan à formação da Praia Mansa

Ponta do Mucuripe ainda sem o porto
A ideia de implantação de um porto na região do Mucuripe vem desde o século XVII. Isto se torna evidente quando Mathias Beck, sobre uma disputa de um local em que se instalaria um porto, coloca: “abrir-se-ia bem cedo, interminável duelo de opiniões sobre se o cais da Capital seria em frente ao Forte de Schoonenborch ou no promontório* mucuripano”. Ele mesmo teria escolhido a enseada do Mucuripe como local ideal de ancoradouro de seus navios ao invés da Barra do Ceará, preferida por Soares Moreno.


Mucuripe nos anos 30, antes da construção do Porto.
 Imagem do início do século XX. Ancoradouro da Prainha.
Como se vê, a possibilidade da enseada do Mucuripe receber um porto é bastante antiga.
Entretanto, não foi esse o primeiro local a receber o equipamento. O primeiro porto de Fortaleza instalou-se em 1805 na região central da cidade, próximo ao Monumento do Cristo Redentor e à Catedral de Fortaleza. Um porto em forma de trapiche que não oferecia segurança aos navios. O Trapiche do Ellery, na Prainha – atualmente Praia de Iracema – foi o primeiro ancoradouro de que se tem notícia em Fortaleza e foi desativado na década de 1860 em função de sua precariedade operacional e do grande número de acidentes ocorridos.

Muitos foram os projetos de construção do porto até a sugestão do engenheiro Zózimo Bráulio Barroso, em 1869, de que o porto fosse transferido para o Mucuripe, com ligação com a capital por meio de via férrea. Seguindo as ideias de Barroso, outro engenheiro: Sir John Hawkshaw, em 1875, propôs a construção de um quebra-mar de 670 metros de comprimento ligado ao litoral por uma ponte de acesso.


Antigo porto na Praia de Iracema, nos anos 30.
Acervo Marcos Siebra
A construção do quebra-mar foi iniciada somente em 1887, devido às grandes dificuldades para obtenção da pedra necessária às obras e pelo acúmulo de areia causado pela ação das ondas que aterraram a bacia abrigada pelo quebra-mar e as estruturas que já havia. Em 1897, essas obras foram suspensas quando o quebra-mar já alcançava 432 metros. Devido ao fracasso do plano, as condições de serviço de embarque e desembarque no antigo porto tornaram-se intoleráveis para os viajantes e para o comércio, culminando na construção da chamada Ponte Metálica, inaugurada em 1906 na região da Praia de Iracema (atualmente próximo ao Poço da Draga). 


Construção do Porto do Mucuripe no início dos anos 40. Acervo Marcos Siebra
Construção do Porto
Finalmente, em 1933, seguindo o Decreto-Lei nº 23.606, de 20 de dezembro de 1933, abriu-se a primeira concorrência para a construção do Porto do Mucuripe sob muitos protestos. As discussões seguiram até 1937 quando o Presidente da República, Getúlio Vargas, modificando o decreto anterior, lança o Decreto-Lei nº 544, de 7 de julho de 1938, proclamando em seu Artigo 1º:   

Fica transferida a localização do Porto de Fortaleza para a enseada de Mucuripe a que se refere a concessão outorgada ao Estado do Ceará, pelo decreto nº 23.606, de 20 de dezembro de 1933, para construção, aparelhamento e exploração do referido porto. 


Obras de construção do Porto
Construção do Porto do Mucuripe
Em 1939, foi instalado o canteiro de obras para implantação da infraestrutura do primeiro trecho de cais. As primeiras funções foram executadas pela Companhia Nacional de Construções Civis e HidráulicasCIVILHIDRO, resultando dessa empreitada a incorporação de 426 metros de cais acostável ao Porto de Fortaleza. A conclusão da obra previa a realização de dragagem para alcançar oito metros de calado, aterro do espaço entre os enrocamentos utilizando o material dragado, um calçamento de paralelepípedos sobre o aterro e a construção de armazéns de carga e setores administrativos, além da instalação de geradores. A previsão de conclusão foi de 32 meses, prazo que não foi cumprido.


Início da construção do Porto do Mucuripe. Foto Aba Film 1940
Obras do Porto
As obras do porto se arrastaram até 1945, sendo construídos pequenos trechos, embora o porto já estivesse em funcionamento para pequenas embarcações. Apesar de já estar operando, a primeira atracação só aconteceria em outubro de 1951, mas a conclusão das obras só seria bem mais tarde. O atraso e a posterior paralisação das obras do Porto do Mucuripe, em 1959, ocorreram devido a inadimplência, ao assoreamento e aos fatores  externos, como a crise financeira do Estado. No final de 1960, o assoreamento voltou a  dificultar o movimento do porto, fato este que exigiu nova dragagem. 


Porto do Mucuripe nos anos 50. Acervo Marcos Siebra
A retomada mais veemente dos trabalhos se deu por ordem do então Governador Coronel Virgílio Távora, o qual finalizou as obras do Porto do Mucuripe e as entregou no dia 9 de abril de 1965, ano em que foi criada a Companhia Docas do Ceará. O Porto do Mucuripe passava assim a integrar a área de atribuições do Governo Federal, por seu Ministério dos Transportes.


Autoridades visitam as obras do Porto do Mucuripe em 1959.
Acervo Marcos Siebra
Praia de Iracema (Primeiros efeitos do Porto sobre o litoral).
Livro Caravelas, Jangadas e Navios - Uma Historia Portuária
de Rodolfo Espínola (2007).
No ano de 1980, foi inaugurado o cais pesqueiro; em 28 de janeiro de 1982 foi inaugurado o píer petroleiro do porto, e, em 1984, mais armazéns. Ao longo do tempo, o Porto do Mucuripe foi evoluindo em área e novas estruturas, como grandes moinhos, foram sendo incorporadas.
Vale ressaltar, porém, que as problemáticas referentes ao Porto do Mucuripe não se restringiram apenas à ordem político-administrativa. Os problemas ambientais oriundos da implantação do porto foram iguais ou maiores que os entraves burocráticos.


Praia de Iracema - Casas destruídas pelo avanço do mar (Primeiros efeitos do Porto do Mucuripe sobre o litoral de Fortaleza). Arquivo Nirez

Desastre ambiental na Praia de Iracema
Praia Formosa e os primeiros efeitos do porto sobre o litoral.
Livro Caravelas, Jangadas e Navios - Uma Historia Portuária
de Rodolfo Espínola (2007).
Logo após o início das operações, sobretudo com a instalação do molhe do Titan na ponta do Mucuripe, os primeiros impactos oriundos da sua construção já eram sentidos nas praias a jusante e no próprio porto. À medida que as obras avançavam, estouravam os problemas nas praias de Iracema e Formosacausando, inclusive, o desmoronamento de residências em virtude das erosões instaladas na primeira praia e retirada da vegetação por ação das ondas na segunda.  
Mais tarde, outros trechos entre a Praia do Meireles e Iracema também começavam a ser afetados.


Titan - O gigante de aço
Titan em atividade, transportando as pedras.
Para tentar amenizar o problema, foi adotada a opção de um molhe (conhecido como molhe da Praia do Futuro - ou molhe do Titanzinho) como alternativa mais viável economicamente e de efeito imediato. 
O molhe passou a impedir que os sedimentos fossem transportados pelas correntes de deriva litorâneas para a bacia portuária, vez que estavam causando assoreamento naquele local. Mas ainda se estava longe de uma solução. Parcialmente resolvido o problema do porto, a cidade passou a ter, progressivamente, um novo desenho para sua linha de costa, com praias em forte processo erosivo a jusante do porto e com forte engorda a leste do molhe do Titanzinho. 


Guindaste Titan na ponta do Mucuripe e o surgimento ainda tímido da Praia Mansa.
Arquivo IBGE
Várias obras foram realizadas para conter a erosão costeira a oeste do Porto do Mucuripe. A primeira delas foi o espigão da Praia de Iracema construído em 1969. Após essa obra, mais 11 espigões e enrocamentos foram construídos na faixa da praia com extensão superior a 1800 m e se estendem da Praia de Iracema até a foz do rio Ceará. Um último espigão foi finalizado em 2014 nas imediações da Praia do Meireles com o intuito de proteger uma futura engorda de praia. 
Essas obras tinham como objetivo proteger o litoral do processo erosivo, entretanto, o problema de erosão continuou, sendo, dessa vez, transferido para as praias subsequentes a jusante do sistema, lado oeste do rio Ceará, como Iparana, Pacheco e Icaraí, no município de Caucaia, a partir da década de 1980.


(A) Espigão da Praia de Iracema 
(B) Estruturas rochosas para contenção do mar na Praia de Iracema 
(C) Rochas dispostas na Av. Beira-Mar e molhe ao fundo 
(D) Aterro da Praia de Iracema 
(E) Dissipador rochoso de energia de ondas na Praia do Pacheco 
(F) Erosão na Praia do Icaraí

No ano 2000, foi iniciado pela Prefeitura Municipal um aterro hidráulico na Praia de Iracema, integrando um plano de regeneração e recuperação. Este aterramento, contudo, apresentou instabilidade e perda sedimentar durante tempestades e ressacas, no início de 2001, precisando ser refeito no final do mesmo ano para recompor o volume de sedimentos perdidos.


Foto: Nelson Bezerra
Anos 50 vendo-se a Praia Mansa. Arquivo IBGE

A fotografia mostra a Praia Mansa, o Bairro Serviluz, a Praia
do Futuro na extrema esquerda e fluxo de sedimentos
em direção a bacia portuária do Mucuripe em 1960.
Arquivo Nirez
Voltando ao molhe do Titanzinhocriado para abrigar a bacia portuária... 

Em decorrência dessa estrutura, houve um barramento do transporte lateral de sedimentos da Praia do Futuro em direção ao setor oeste do litoral de Fortaleza os quais passaram a acumular-se na bacia portuária, assoreando o canal do porto. Consequentemente, houve a formação de uma praia interna ao dique, que foi denominada de Praia Mansa.


Molhe do Titanzinho com areia acumulada. Foto de 2005.
Crédito Fechine
Como vimos, a praia é fruto do caminhamento das areias e o remanejamento dos sedimentos (pedaços de solo ou de rochas deteriorados em pequenas partes, ou até em pó), que acabaram passando pelo molhe, devido ao efeito das ondas e a mudança do comportamento das correntes. Sua evolução geológica foi se dando a partir da década de 1950. 

A Praia tem cerca de 108.000m² de área, e acha-se sob a responsabilidade da Companhia Docas do Ceará


Caminhamento e contorno litorâneo de areias na parte
interna do molhe do Porto do Mucuripe em 1960.
Arquivo Nirez
O setor está situado em uma área cujas atividades básicas (industriais, portuárias e residenciais), acarretam poluição da zona litorânea. Existe enorme pressão imobiliária no sentido de ocupar a área com atividades voltadas para o turismo e o lazer. Neste trecho, ocorrem pequenas barracas de taipas utilizadas como apoio na atividade de pesca artesanal e local. Existe também a presença de três aerogeradores para produção de energia eólica.  A paisagem é formada por vegetação antrópica de pequeno e médio porte, destacando as gramíneas e as castanholas. O acesso é restrito pelo interior do porto ou por via marítima, com vigilância dos guardas da Companhia Docas. Praia frequentemente utilizada para atividades turísticas, através dos passeios de barco. 


Molhe do Titan ao fundo
Praia Mansa em 1973. Assoreamento resultante do enrocamento para o aterro do porto, construído com a utilização do famoso guindaste TITAN. Foto de Nelson Bezerra

Foto do final dos anos 70. Acervo Alysson Correia Lima
Ações de uso e ocupação da praia Mansa, sem levar em conta a fragilidade da área, poderão acarretar a instalação de processos erosivos e aumento da degradação ambiental, em virtude da ocupação irregular com equipamentos turísticos (hotéis, bares, restaurantes, etc.), tanto em função dos resíduos deixados no local, como também pelo uso indiscriminado pelos visitantes. 

Foto aérea da praia Mansa em 18 de janeiro de 1984.

Praia Mansa em 2018. Foto de Denise João Paulo
Praia Mansa em 2018. Foto de Denise João Paulo
Praia Mansa em 2018. Foto de Denise João Paulo
Foto de André Ramone

*Parte mais alta, elevação.

Fonte: Portos e Gestão Ambiental: Análise dos Impactos Ambientais e Correntes da Implantação do Terminal Marítimo de Passageiros na Praia Mansa - Otávio Augusto de Oliveira Lima Barra/Alterações no Perfil Natural da Zona Costeira da Cidade
de Fortaleza, Ceará, ao Longo do Século XX - José Alegnobeto Leite Fechine/Plano de Gestão Integrada da Orla Marítima da Prefeitura Municipal de Fortaleza de 2006

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