Amélia Pedroso Bembem¹ é nome pouco conhecido no Ceará, inclusive em sua cidade natal, Crato². Poucos ali sabem tratar-se da primeira mulher cearense e a segunda no Brasil a formar-se em Medicina, em 1889, pela veneranda Escola de Medicina da Bahia, a mais antiga do País. A primeira foi a gaúcha Rita Lobato, diplomada pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, dois anos antes.
Como boa parte dos vizinhos, seus pais deixaram Exu-PE e foram morar no Crato/Ce, na época a mais progressista cidade de todo o Cariri, extremo sul cearense. Ali nasceu, no Sítio Bebida Nova³, ao pé da Serra do Araripe (de propriedade de seu pai, agricultor e grande produtor de rapadura na região), em 6 de janeiro de 1860, Amélia Benebien (depois Perouse, sobrenome do esposo, Dr. Julio Perouse da Ponte, médico francês), filha de Umbelina Moreira de Carvalho e do coronel Joaquim Pedroso Bembem, parente de Pe. Cícero, afeita aos estudos.
Dez anos antes da Proclamação da República, um decreto (Lei Leôncio de Carvalho) permitiu às mulheres brasileiras estudarem nas Escolas de Medicina. Quando soube, suplicou aos pais para iniciar o curso na Escola de Cirurgia do Hospital Real da Cidade da Bahia, cuja Faculdade de Medicina fora criada em 1808.
Ao término do curso, a cearense defendeu a tese que intitulou “Disposições anormais do cordão umbilical”.
“De Crato, escondida à sombra da Chapada do Araripe, quando no Brasil não se falava em reivindicações femininas, ainda na monarquia seguiu, para estudar medicina, a moça Amélia Pedroso. Parte do percurso até alcançar os trilhos da estrada de ferro Salvador – Juazeiro da Bahia fazia-se em lombo de cavalo”. E, reportando-se ao pai de Amélia, para ele uma espécie de Diógenes matuto:
"Certa vez, quando conduzia a filha do Crato ao São Francisco, acompanhada de dois escravos de confiança, parou o cavalo de súbito em cima da chapada do Araripe. Virou-se para a filha e disse: “Menina, você vive na escola com rapazes brancos e bonitos, mas nunca se perdeu. Pode viajar sozinha com esses negros, sem nenhum perigo. Vou voltar." Retrocedeu. Foi cuidar do engenho de rapadura no seu sítio pé-de-serra, Bebida Nova”.
¹ O escritor J. de Figueiredo Filho, autor do livro “Engenhos de Rapadura do Cariri”, cratense como Amélia, esteve com ela, em Salvador, em 1936. Visitou-a em casa. Ela já de idade avançada e viúva do cirurgião Julio Perouse Pontes, de ascendência francesa. Explica Figueiredo Filho como, com o casamento, ela passou a assinar Amélia Benebien Perouse. Alterou o sobrenome Bembem para Benebien, resultado da junção da palavra latina Bene, e do francês Bien. Na verdade, Bembem era apelido do seu pai que foi incorporado ao sobrenome de família. Com o nome de casamento, passou a ser conhecida na Bahia e com o qual a municipalidade de Fortaleza a homenageou no início dos anos 80, batizando uma rua com o seu nome, fato que até hoje, lamentavelmente, não ocorreu em sua cidade natal.
² O jurista e escritor Raimundo de Oliveira Borges, em seu livro “Crato Intelectual”, focaliza a figura da Dra. Amélia e afirma fora a homenagem prestada pela edilidade fortalezense à primeira médica cearense, a ilustre cratense “teria desaparecido na voragem do esquecimento, lembrada quando muito pelos familiares...”.
³ Também conhecido como Lopes, o sítio ficava a pouca distância do centro da cidade do Crato e em volta dele dezenas de outras propriedades rurais eram dedicadas à produção de rapadura, que era vendida, em grande parte, para os estados de Pernambuco, Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte. Houve época em que só no município do Crato havia mais de 200 engenhos de cana de açúcar, produzindo a melhor rapadura do País.
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