Ícone da “boemia”
da Praia de Iracema, a antiga Vila
Morena, ou residência dos Porto, foi construída pelo comerciante pernambucano José Magalhães Porto, entre 1920 e 1925, sendo a primeira construção de
destaque da então Praia do Peixe.
José Porto desafiou os conselhos de amigos, que o alertava que a praia
era perigosa e suas ondas eram muito fortes, instalando ali a sua moradia e
dedicando o nome dela, como era usual à época, à sua amada esposa Francisca Frota Porto, de apelido ‘Morena’. A residência conservava ao redor lindo jardim onde também eram
criadas algumas aves. Dizem que foi a primeira moradia com piscina de
Fortaleza.
Localiza-se na rua dos Tabajaras, 397 - Praia de Iracema.
Cartão postal colorizado à mão, no qual vemos a antiga Praia do Peixe nos anos 20, época da construção do Estoril.
Sobre seu
proprietário, é interessante salientar que ele ajudou o antigo Porto das
Jangadas, que depois recebeu o nome de Praia do Peixe, a se chamar Praia de Iracema, bem como influenciou para que as ruas próximas à
Vila tivessem seus nomes inspirados em tribos indígenas do Ceará, a rua da sua residência recebeu o nome de Rua
dos Tabajaras.
Para a edificação da sua ‘Vila Morena’, ele utilizou a taipa (técnica construtiva vernacular
à base de argila (barro) e o cascalho. Provavelmente, a taipa de mão, também
conhecida como "à galega" em Portugal) e a ergueu sem ajuda de
engenheiros. As paredes eram armadas de madeira (varas) com barro e pedaços de
tijolos e pedras - tinha portas e janelas com
vidros importados, duas escadas "caracol", "frades de
pedra" na frente, calçadas em pedra cristal em preto e branco tendo no
centro as iniciais JMP que também eram usadas nos portais, vitrais
coloridos com a inscrição "Vila Morena" no alto da torre. Foram
empregados materiais nobres, importados da Europa, como as vidraças das
portas que vieram da França, as duas
escadas de ferro em caracol, fabricadas na Inglaterra e os vasos
sanitários e louças oriundas da Alemanha.
Foto de 1943 - Detalhe para o clube de veraneio da época.
Foto do tempo do United States Office - USO
Serviu de residência para a família Porto até
1942, mas com a chegada da Segunda
Guerra Mundial, a família desloca-se
para outra casa ao lado e arrendam a Vila Morena para às
tropas americanas, que em 1943, o transformaram em cassino, sob a denominação
de U.S.O. - United State Office.
Era o clube de veraneio dos soldados. Nessa época, a Praia do Peixe já era Praia de Iracema, nome dado pela cronista Adília de Albuquerque, esposa do jornalista Tancredo Moraes.
Nesta época, o bairro ganhou visibilidade social
como uma fase de glamour para a Praia de Iracema. O clube, de acesso quase
exclusivo dos estrangeiros, teve na cidade grande repercussão e isso devido às
suas noitadas patrocinadas pelo governo americano, com danças, jogos e shows de
célebres artistas do cinema. São vários os relatos de que esse clube tornou-se
um atrativo para as moças, que se dirigiam ao local para namorar os oficiais
americanos, ficando conhecidas na cidade como Coca-colas.
A Vila Morena ainda com a placa da USO
Segundo Marciano
Lopes, as "Coca-colas" surgiram, simultaneamente, com a chegada
dos soldados americanos, no alvorecer dos anos 40. Melhor dizendo, elas foram
consequência da permanência daqueles militares ianques em nossa capital. O
epíteto Coca-Cola surgiu do fato de elas terem o privilégio de tomar o famoso
refrigerante americano que, àquela época, a gente só conseguia
"saborear" através dos filmes made in Hollywood. Também, por ser a Coca-Cola um dos mais conhecidos
símbolos americanos. Em suma, foi alguma mulher feia e despeitada ou algum
machão desiludido quem apelidou as atrevidas moças de "coca-colas."
As Coca-Colas eram moças da
sociedade, bem nascidas, de famílias tradicionais, lindas, elegantes, vistosas,
inteligentes, educadas e imponentes, que tiveram coragem de enfrentar as
críticas e condenações da época.
As Coca-Colas dançando com os soldados americanos
na década de 40.
Militares norte-americanos no Estoril com algumas Coca-Colas na década de 40.
A partir de 1948, dois
portugueses (João Freire de Almeida
e Antônio Português) alugam a casa e
abrem um restaurante, que daria nova identidade a Vila Morena, o
Restaurante Estoril (referência a
uma freguesia portuguesa do concelho de Cascais), com especialidade em pratos portugueses.
Em 1952, José
Alves Arruda, conhecido por Zé
Pequeno, assumiu a direção da casa, que passou a receber a boêmia de Fortaleza
composta principalmente por intelectuais.
A Vila Morena após a Segunda Guerra a abrigar o Estoril bar e
restaurante que abrigava a intelectualidade fortalezense. Arquivo Nirez
Já na década de 60, o Estoril vira palco de
veladas discussões políticas, fato que o tornou alvo de especial atenção para o
governo durante o período da Ditadura
Militar. Os discursos dos meios de comunicação também reafirmam esta
representação descrevendo o Estoril, nos anos 60, como o lugar de “setores intelectualizados da cidade”.
Estoril de perfil em 1978 - Arquivo Nirez
Com a
intensificação da especulação imobiliária, no final dos anos 80, o bar e
Restaurante Estoril, mesmo funcionando em precárias condições físicas e de
higiene, continuava a ser referenciado nos meios de comunicação como ícone da
boemia da Praia de Iracema.
Foto do Livro de Luciano Maia- acervo Renato Pires
Foto do Livro de Luciano Maia- acervo Renato Pires
Em
1986 ele recebe normas de proteção, preservação e conservação em documento
assinado pela prefeita Maria Luíza Fontenele,
após reivindicações da Associação dos
Moradores e através do Projeto de
Lei de autoria do vereador Samuel
Braga.
O valor simbólico do edifício chegou a
encobrir os riscos causados pela falta de segurança e limpeza, tanto que, mesmo
após ser interditado pela Vigilância
Sanitária em 1989, foi reaberto no dia seguinte, por intervenção do
prefeito da época.
Apesar dos vários alertas feitos à municipalidade, do
perigo que corria a casa que aos poucos se deteriorava nada foi feito, até que
o prédio ruiu em 1992, sendo então desapropriado pela Prefeitura Municipal que o comprou da
família Porto pelo valor de US$ 250 mil e o tombou como patrimônio cultural em
1993 com objetivo de ser transformado em um Centro Cultural. Porém, em virtude
do seu estado, em 1994 a torre e parte da fachada desmoronam em decorrência de
uma chuva. Após esse fato, que foi intensamente noticiado pela mídia, a
prefeitura assumiu a sua imediata reconstrução, isso ocorre na administração do prefeito Antônio Cambraia. A casa foi reconstruída, no
entanto, usando concreto armado e
alvenaria, quando a casa original era de taipa. O antigo edifício foi
substituído por uma réplica, com algumas modificações na planta original. O
prédio, coberto por telha marselha, possui dois pavimentos e uma torre. Passou
a ser administrado pela municipalidade, sendo inaugurado em 31 de maio de 1995, como Centro Cultural da Praia de Iracema,
com restaurante, bar, sala para exposições e espaço para cursos de arte e
cultura.