O. Justa 1919 |
O processo de assentamento das populações que mais tarde dariam origem a Messejana teve início quando o território cearense recebeu as primeiras incursões organizadas, tanto a mando da Coroa Portuguesa, quanto pela Igreja Católica. Cada incursão tinha objetivos diferentes e, ao longo do caminho, deparava-se com diversas etnias, nativas ou recém-chegadas, de outros pontos do território brasileiro, principalmente do Nordeste.
Em meio a essa diversidade, destacava-se a população de nome Potiguara, estabelecida no litoral cearense depois de enfrentar inúmeros conflitos na região onde hoje está situado o estado do Rio Grande do Norte. Dessa presença é atribuída a expressão “Ceará”, nome dado mais tarde ao rio que fica na divisa entre Fortaleza e o município de Caucaia, expressão trazida por eles, replicando nome de rio existente em sua terra natal.
No entanto, uma das principais concentrações de nativos entre o final do século XVI e início do século XVII dava-se na Serra da Ibiapaba, interstício entre o Ceará e o Maranhão. Este último contando com significativa presença francesa, fato motivador do envio da expedição de Pero Coelho às veredas cearenses, cujo intuito era o de garantir o julgo português sobre aquela estratégica região.
Essa tentativa, ocorrida a partir de 1603, logrou certo êxito, principalmente ao derrotar os inimigos de seu intento em algumas batalhas. Contudo, a condição não lhe era favorável devido à escassez de recursos para sobrevivência, falta de estrutura e clima hostil, fatores que somados à tentativa de dar sequência à sua campanha, visando a expulsão dos franceses do Maranhão, tenha resultado na
mitigação de suas forças, obrigando-o a retornar com seu séquito para a região próxima ao Rio Ceará.
No esteio desse insucesso, seguiu outra malograda expedição quatro anos depois, agora comandada por padres jesuítas sob o pretexto de “ganhar almas” para a
Igreja Católica. Tendo à frente os Padres Luís Figueira e Francisco Pinto, essa tentativa de instituir um processo de “civilização” desembarcou na foz do Rio Jaguaribe, em fevereiro de 1607, iniciando ali uma longa jornada de um mês, culminando com sua chegada à enseada do Pará, região próxima ao atual município de Parucuru. Ali, eles passaram cinco dias juntos a alguns índios, preparando-se para a subida da Serra da Ibiapaba, com objetivos específicos,
e sempre focados nos interesses da Coroa Portuguesa.
Depois de outra extenuante caminhada, o grupo liderado pelos religiosos alcançou a região da Serra da Ibiapaba, onde adensavam-se várias etnias. Lá, os padres
passaram a aprofundar os seus trabalhos de catequese.
Infelizmente, no início de 1608, um ataque desferido por índios Tocarijus resulta na morte do Padre Francisco Pinto e, consequentemente, na fuga antecipada do Padre Luís Figueira para a mesma região onde a combalida expedição de Pero Coelho estivera anos atrás.
Estabelecido após o infortúnio e martírio do colega, o Padre Luís Figueira organiza um pequeno ajuntamento que ele denomina em seus relatos de “Aldeia de São Lourenço”, por ter sido fundada no dia em que o dito santo é homenageado pela Igreja Católica. Esse refúgio serviu de abrigo ao padre até o seu embarque,
deixando para trás as lembranças daquela infeliz viagem, tudo exposto no documento intitulado “A Relação do Maranhão”.
Apenas entre 1611 e 1612, com o retorno de Martim Soares Moreno ao Ceará como seu Capitão-Mor, observa-se o florescimento da ocupação do litoral a partir da construção, por obra do próprio Martim, de uma ermida em homenagem a Nossa Senhora do Amparo e de um fortim na embocadura do rio Ceará, passando essa edificação a servir como um dos pontos de ancoragem daquele litoral.
Esse estabelecimento português acontece de forma mais tranquila devido à relação amistosa entre o fidalgo português e o chefe Jacaúna, liderança dos potiguaras em
território cearense, conhecida por Martim Soares Moreno desde a sua passagem junto à comitiva de Pero Coelho, amizade cultivada devido à forma como o Capitão-Mor respeitava seu povo, o que era facilitado pelo conhecimento que tinha da língua dos índios.
Jacaúna e seu povo foram trazidos da região do rio Jaguaribe até o Forte, a convite de Martim, para habitarem próximos ao rio Ceará, onde ficava a base de operação da ocupação portuguesa. O objetivo era ajudar na construção das estruturas necessárias para a manutenção da população e resguardar a região contra o ataque de tribos arredias à presença estrangeira. A aldeia de Jacaúna distava do referido
Forte cerca de meia légua, aproximadamente três quilômetros, onde hoje temos a fronteira entre o bairro da Floresta e Álvaro Weyne, em Fortaleza.
Seguido a esse momento, em 1613, Martim Soares Moreno deixa o Ceará para se dedicar a outras missões em nome da Coroa Portuguesa, só retornando em 1621,
passando então mais uma década junto ao amigo Jacaúna, repelindo ataques às tentativas de afirmação portuguesa na região. Em 1631, Martim deixa em definitivo o Ceará para combater a ameaça holandesa que avançava sobre os interesses lusitanos.
É notável a participação potiguara nos acontecimentos que movimentaram o início do século XVII no litoral cearense, contribuindo em muito nos primeiros passos dados a caminho da consolidação do adensamento da região. De forma menos agressiva, essa etnia mantinha relações de negócios com os portugueses desde as tensões no Rio Grande do Norte, fato que ajuda a estabelecer o julgo colonial no Ceará. Contudo, dentro desse grupo social e cultural brotou o interesse em afastar os portugueses, tendo como causa o histórico de massacres e humilhações,
inclusive por meio da escravidão contra os índios.
Nesse cenário, fortalece-se a figura de Amanay, ou Algodão, filho de Jacaúna, que opera junto aos holandeses e outras lideranças nativas, formando uma aliança cujo resultado é a expulsão dos portugueses do Ceará no ano de 1637 e, por conseguinte, a tomada do Forte de São Sebastião, na Barra do rio Ceará. Nesse momento, inaugura-se um período que duraria até 1644, quando ocorre um grande massacre de holandeses por conta da insatisfação dos índios e em represália as mesmas práticas utilizadas pelos portugueses contra suas populações.
Depois de vários conflitos, o lugar do Forte é transferido pelo holandês Mathias Beck para a atual localização da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, situada às margens do majestoso Rio Pajeú, que naquela época corria de beira à beira, fato esse acontecido em 1649.
Nessa altura, Portugal atua para restaurar sua primazia. Para tanto, aproveita as falhas cometidas pelos invasores do momento para incitar as tribos, promovendo,
assim, a desestabilização do domínio holandês, fato esse dado por encerrado no ano de 1654, devolvendo o controle daquelas terras à Coroa Portuguesa. Por conta disso, algumas populações que apoiaram os holandeses no primeiro momento, inclusive os potiguaras de Amanay, mantêm-se afastadas da região do forte, possivelmente com receio de novas represálias por parte dos portugueses.
Nesse meio tempo, visando evitar os problemas que envolviam um cenário de conflito e tensão, a Coroa Portuguesa se previne contra novas rebeldias, impedindo
qualquer atividade que pudesse configurar revanche contra os apoiadores dos holandeses, sem deixar de manter as estratégias de controle destinadas aos povos nativos. Esse novo contexto favorece a organização do território cearense,
Messejana / Edmar Freitas - Fortaleza: Secultfor, 2014. Coleção Pajeú