Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : rua das Flores
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.
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sábado, 24 de setembro de 2016

Primavera, ruas e questionamentos - Por Assis Lima

Início da rua das Flores (Castro e Silva), ao lado da Praça Caio Prado (Da Sé) em 1911. 
Arquivo Assis Lima

O equinócio de primavera, também conhecido como Ponto Vernal, consiste no momento em que o Sol atravessa o Equador de sul para norte. No hemisfério sul, onde se encontra o Brasil, o equinócio de primavera ocorre nos dias 22 ou 23 de Setembro. Por outro lado, no hemisfério norte (Portugal, por exemplo), o equinócio de primavera acontece nos dias 20 ou 21 de Março. Eu só conheço in-loco três primaveras: A Estação das Flores, um distrito de Caucaia (RMF) e Primavera do Leste em Mato Grosso, terra Natal do Marechal Rondon, quando por lá passei em 1996. Primavera lembra o que há de mais bonito num jardim: a Flor. Isso romantiza as coisas, pois, quem planta uma flor embeleza o mundo e faz alguém feliz.

Rua Castro e Silva vista da Praça da Estação - Arquivo Assis Lima

Historicamente, Fortaleza, nossa cidade, já foi mais romântica. Como exemplo, a Belle Époque. Refletia em nomes de ruas, na confraternização do Passeio Público e nas andanças pelas praias Formosa e Iracema, terminado o percurso na inacabada ponte dos ingleses, hoje ponto turístico. Tomemos por exemplo nomes primitivos de ruas: antes, nada contra a memória dos patronos, porém, rua das Flores não é mais bonito do que Manuel do Nascimento de Castro e Silva ou Castro e Silva? Essa rua foi aberta em meio a um matagal da Sesmaria de Jacarecanga, no segundo quartel do século XIX. A Confraria de São José construiu essa carroçável estrada no mesmo ano em que inaugurou o Hospital da Misericórdia, desativando os Lazaretos de Jacarecanga e Lagoa Funda. O Cemitério São João Batista tem um frontispício de 1866. Os familiares levavam flores nos cortejos e, para postumamente homenagear os seus, e esse movimento criou um florilégio que deu nome a estreita e carroçável estrada RUA DAS FLORES. O assentamento de pedras toscas veio em 1872 e a consequente urbanização.

A rua Senador Alencar, nada também contra o Padre Rebelde pai do romancista, mas ela era a TRAVESSA DAS HORTAS, e não era melhor esse nome? Em cada residência tinha os quintais recheados de hortaliças e, diga-se de passagem, foi onde se instalou ao lado da Residência do Barão de Ibiapaba (Hoje Bradesco), o primeiro Mercado de Verduras e carnes verde, na gestão do Luís Barba Alardo de Menezes em 1809.

 
Cruzando a rua Trilho de Ferro (rua Tristão Gonçalves) em 1911.
Arquivo Assis Lima
O Palacete Guarani na rua das Hortas (Senador Alencar). O detalhe é que o fotógrafo colheu essa imagem no local onde havia funcionado o mercado. Arquivo Assis Lima

Agora fechando o giro, a José Avelino era rua do Chafariz. Não era mais charmoso esse nome, afinal, sem água não tinha nada do que se falou. A nossa Fortaleza, hoje é despertada para as maldades, na sociedade e nas transformações paisagística, onde se comente no cotidiano crime contra a memória. Isso matou e mata o romantismo e a inocência. Quem é que se lembra de mais isso? Sou muitas vezes criticado, como um homem que só olha para trás, não. Olho para o que é belo que passou. Expliquem os especialistas: como podemos sentir falta de uma coisa, se ainda não éramos nascido? A resposta está no espírito bucólico e apreciador do que é bom e bonito. A Estação de Primavera que chegou às 11:21 segundo os astrônomos, não é pra quem quer, e sim pra quem sente. Vocês nunca ouviram numa musica interpretada por Tim Maia, inspirado nessa época? ISSO É PRIMAVERA.

Assis Lima


Leia também:

A Fortaleza em suas ruas, avenidas, travessas...


Colaborador: Assis Lima

Ex-Ferroviário, Assis Lima é radialista e jornalista.
Idealizou e mantêm o Blog Tempos do rádio


quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

Enterros na Fortaleza antiga - Os Gatos Pingados



Na Fortaleza antiga, os enterros eram verdadeiras procissões, que se estendiam, algumas vezes, por mais de um dos nossos quarteirões.

Abria o préstito uma cruz negra de cuja peanha pendia uma saia, que era um pano de veludo preto com franjas douradas, afetando a forma desta peça de vestuário.
As irmandades marchavam em longas filas, solene e silenciosamente. Precedido pelo cura da , vinha o féretro, levado por quatro empregados da misericórdia, vestidos de preto, com cartolas de oleado reluzente, casacas e calças debruadas.
O caixão repousava sobre duas travessas cujas pontas descansavam sobre largas correias, que os condutores traziam a tiracolo.
Eram estes os Gatos Pingados, pobres homens ridicularizados, que aliás, prestavam um grande e penível serviço a mortos e vivos, pois não lhe custava pequeno esforço percorrer dois ou mais quilômetros em marcha lenta, carregando peso, vestidos como iam e sob um sol de fogo.

Pelos anos de 1880, cobria-se o féretro com largo pano preto com franja e cruz douradas ao centro, pendendo de cada canto um cordão com borlas, nos quais seguravam as pessoas mais chegadas ao morto, assim a modo de quem, realmente, o conduzisse ao Dormitório.

Vestidos de rigoroso luto, parentes e amigos acompanhavam, descobertos; e se as posses ou a posição social do morto o permitiam, uma banda de música acompanhava o funeral, o qual, ao aproximar-se da , era recebido com sinais dobrados ou singelos, conforme as circunstâncias. 
Até a Catedral, todos iam descobertos; mas daí para o Cemitério, todos se cobriam, porque já estava encomendado o corpo.
Era, em verdade, um sacrifício ir um homem, da matriz ao Cemitério, vestido de preto, sol das quatro horas pela frente, sobre um péssimo calçamento.
Após o percurso de 1300 metros, que portanto se estende a rua das Flores, ali se chegava esbaforido, mas de tal caminhada ninguém se queixava, dados os sentimentos que a todos animavam.



Cemitério São João Batista na década de 30 - Arquivo do Blog

Antônio Bezerra dizia que a rua das Flores deveria ter um nome que lembrasse o batismo e a sepultura ou o Alfa e o Ômega da vida. 

A sociedade fria e cruel, exigia das família enlutadas as mais ruidosas mostras de dor à saída dos enterros, e, mais de uma vez, nesses momentos angustiosos, espíritos fracos desgovernaram, fizeram exclamações inconvenientes ou deixaram vir a lume segredos de família.
Já se vai compreendendo que tais gritarias são mais uma convenção do que a expressão dum verdadeiro sentir; e é por isto que se tem visto aqui mais de uma família despedir-se do seu morto, guardando o silêncio que fala, que exprime melhor que toda palavra a grandeza e a nobreza da verdadeira dor.


As visitas de pêsames eram uma tortura, especialmente para as viúvas que, em exposição nas suas salas, tinham que repetir, miudamente, aos visitantes, as peripécias da doença e sofrimentos últimos do seu morto. 
Felizmente, este torturante costume, este sacrifício das viúvas, vai caindo em desuso. 

Naquele tempo, os enterros eram solenes e a pé. A frente do cortejo, a cruz alçada e o padre paramentado. O caixão do falecido era carregado por amigos, parentes ou pelos “gatos pingados”( homens contratados para levar o defunto ao cemitério). Vestiam-se com casacas compridas e negras, uma fita amarela a tiracolo, calças com listas vermelhas, cartolas altas de oleado, de abas enroladas.
O esquife era equilibrado sobre duas tábuas, em cujas pontas haviam aldravas seguras pelas mãos enluvadas dos Gatos-Pingados, e transportado num ritmo cadenciado, subindo e descendo, num caminhar lento e silencioso.

Somente homens, todos de preto, acompanhavam o féretro. Como já dito, se o defunto era pessoa importante, o cortejo terminava com uma banda de música tocando peças fúnebres.

Durante um mês, a família só saía de casa para assistir as missas, de sétimo e trigésimo dia. Só escrevia cartas tarjadas de preto e usava luto fechado: os homens, camisa e terno pretos, as mulheres vestido comprido totalmente negro, a cabeça coberta por um véu. Os viúvos usavam luto fechado pelo resto da vida.


Na Fortaleza antiga, quando o morto não tinha muito prestígio ou não era bem quisto, poucas pessoas seguiam o cortejo, e algumas vezes, apenas os quatro "gatos pingados", assim quem morava nos arredores do Cemitério de São João Batista, corria para assistir o enterro e comentar depois.

Até hoje ouvimos a expressão "gatos pingados".
-"Não deu quase ninguém, só alguns gatos pingados!"


Fontes: Fortaleza Velha de João Nogueira, Otacílio de Azevedo (Fortaleza Descalça) e História Abreviada de Fortaleza e Crônicas sobre a cidade amada de Mozart Soriano Aderaldo.


NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: