Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga : Resultados da pesquisa mercado central
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.
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sexta-feira, 13 de agosto de 2021

As atividades de lazer em Fortaleza na época da Belle Époque ´Parte I

 

Lagoa do Garrote no Parque da Liberdade. Arquivo Nirez

Em 1865 e 1870, entra em cena um novo código de posturas de Fortaleza, estes tinham por objetivo prever normas disciplinares a população e impor medidas saneadoras, principalmente aos mais pobres, que era vistos como os agentes insalubres da cidade.

O código de 1870, era um instrumento de disciplina e permitia vislumbrar os efeitos limitados da remodelação espacial no controle das condutas.

Algumas medidas que o código impôs foram mencionadas por Campos, no código de 1865, além de mencionar “alinhamento, limpeza, desempachamento das ruas, praças”, traz também disciplinarização de “os curtumes, salgadeiras, estabelecimento de fabricas, depósitos, manufacturas, e tudo quanto possa alterar a salubridade pública”. (CAMPOS COSTA, 2002 p.67).


Lagoa do Garrote nos anos 30

Além disso, o código de 1870 trazia um artigo com o título: “Medidas Preventivas”, que mencionava sobre “bulhas, vozerias obscenidades e ofensas a moral” e proibia as pessoas de se banharem a luz do dia na lagoa do Garrote ou no Pajeú, por exemplo, ou outros lugares expostos sob pena de punição.

De fato, afastar os pobres era o principal objetivo das elites, pois estas os viam como:

Ignorantes, sujos doentes e perigosos e por isso os discriminavam. Os ricos achavam que a população pobre enfeava o embelezamento e a modernização que estavam realizando em Fortaleza para o próprio bem estar, lazer e cultura. Aos pobres era dificultado o acesso aos melhoramentos implementados nas cidades naquele período. (SOUZA; PONTE; LOPES, 2007, p.80).


Riacho Pajeú - Acervo O Povo

É exatamente neste cenário que o afrancesamento invade totalmente a cidade e muda completamente o cotidiano de seus habitantes...

Como outras cidades que se desejavam civilizadas, Fortaleza tinha Paris como referencia de modernidade. Assim, a capital foi arrebatada por uma febre de afrancesamento. Ser moderno era acompanhar as modas vindas de Paris, usar expressões em francês, abrir lojas com nomes franceses [...]. (PONTE, 2009, p.76)

Era comum que as pessoas usassem expressões em francês para se cumprimentarem, as lojas tinham nomes franceses, as roupas eram totalmente inspiradas na moda francesa. Um fato curioso chama a atenção para esta onda de afrancesamento na cidade. Havia no centro da cidade um quiosque de vender garapa de cana-de-açúcar. Seu dono era conhecido como Bembém Garapeira, famoso por sua irreverência e humor. Com o afrancesamento da cidade por todos os lados, de tanto ouvir falar na França, Bembém resolveu ir até lá e conferir de pertinho o porque de todo aquele alvoroço em Fortaleza. Juntou dinheiro e viajou até Paris. O relato mais famoso da viagem de Bembém foi feitor por Otacílio de Azevedo e diz o seguinte:

Bembém foi e voltou radiante. Lamentava apenas ter ido tarde, não podendo assistir à decapitação de Maria Antonieta... “Aquilo é que é cidade! Dizia entusiasmado – No hotel onde me hospedei todo mundo falando fui obrigado a escrever meu nome. Como a língua era outra, escrevi:’ BienBien’ e, mais embaixo: ‘Garapiére’. E completava: ‘Olhe, lá eu só andava com um homem chamado Cicerone, que sabia português como eu. Terra adiantada aquela: todo mundo falando francês, até mesmo os carregadores Chapeados, as mulheres do povo e as crianças! ‘Bembém não se cansava de falar da França e completava declarando que lá, a única palavra que ouvira em português fora ‘mercibocu’... A conselho de um intelectual ‘perverso’, mandou imprimir um cartão para distribuir com amigos e fregueses: BIEN – BIEN – GARAPIÉRE – Fortaleza – Ceará. (AZEVEDO apud PONTE, 2010, p.156).


Registro de 1907, da antiga Praça José de Alencar, com a Garapeira do Bembém e o Mercado de Ferro. Hoje é a conhecida Praça dos correios (Praça Waldemar Falcão).

No Rio de Janeiro o aformoseamento e embelezamento dos logradouros fez com que o governo tomasse como medida o Bota- Abaixo, expulsando os pobres dos cortiços, que em seguida foram demolidos. Esta medida foi vista como símbolo de civilização, e em todos os cantos circulava a manchete “o Rio civiliza-se”, este fato em Fortaleza é semelhante com as construções dos Asilos da Mendicidade e da Parangaba, para abrigar mendigos, refugiados, loucos e outras figuras que representassem insalubridade a cidade e pudessem afastá-los do perímetro central, que agora estava reservado ao desfrute das elites que começavam a criar o hábito de sair de casa. Com isso pretendia-se manter os pobres sob o olhar vigilante da repressão, e em 1925, era publicado um artigo na revista Jandaia com o título “Fortaleza civiliza-se”.

As duas cidades por terem climas quentes, também foram cenários para o desfile de trajes que foram criados para serem usados na Europa, mas mesmo tendo que encarar o calor, a elite o fazia com classe não importando o desconforto que sentiam.

Tanto Rio como Fortaleza possuíam Passeio Público, embora na fala de José Pereira, um dos personagens de A Normalista, o dos cariocas não se comparava ao da capital cearense em beleza, e afirmava: “O Passeio Público? dizia ele; o Passeio Público é um dos mais belos do Brasil e a coisa mais bem feita que o Ceará possui. Que vista, [..] Nem o Passeio Público do Rio de Janeiro!”.(CAMINHA, 1997, p.89).

Outro fato bem semelhante foi os surtos da epidemia de varíola que contaminaram as cidades, no Rio de Janeiro chegou-se ao impressionante índice de 52/1000 mortes enquanto que Fortaleza o surto gigantesco da doença chegou a enterrar mais de 1000 pessoas em um dia, ocorrência que ficou conhecida como o dia dos mil mortos.

O Dia dos Mil Mortos - Em 1877, em um intervalo de apenas dois meses, morreram, em Fortaleza, 23.378 pessoas e, no ano seguinte, 24.849, vítimas da varíola que atingia os habitantes da cidade e os retirantes da seca que ocorreu na época. A cidade estava lotada de retirantes. Em um só dia, chegaram a ser enterradas 1004 pessoas, vítimas da assombrosa doença; era o dia 10 de dezembro de 1878, que ficou conhecido como “o Dia dos Mil Mortos”. Foto: 1877 - Flagelados na Estação de Iguatu.


A semelhança entre as duas capitais é tanta que fica até difícil encontrar algo a que as diferencie, a não ser pelo fato de o Rio de Janeiro ser a capital do Brasil.

Mas, embora fosse capital, Fortaleza destacou-se por decretar a vacina obrigatória contra a varíola em 1892, fato que só ocorreria 12 anos depois no Rio de Janeiro e que provocou a Revolta da Vacina.

A conclusão que se chega é que tanto Rio de Janeiro quanto Fortaleza tiveram suas semelhanças e diferenças em relação ao período, mas fica claro que as semelhanças entre as duas cidades são bem maiores quando compara-se as capitais.


Parte II

Parte III


Crédito: Artigo 'As atividades de lazer na Fortaleza Belle Époque' de Kamylla Barboza Evaristo



segunda-feira, 7 de junho de 2021

As atividades de lazer em Fortaleza na época da Belle Époque


Av. Visconde de Cauipe nos anos 20. Acervo Fco Olivar

Na segunda metade do século XIX, Fortaleza finalmente se consolida como uma das cidades mais desenvolvidas do Ceará e principal centro urbano econômico do Ceará e neste cenário de transformações, a capital também é inserida na Belle Époque
Segundo Sebastião Ponte, “No que concerne a Fortaleza essa pretensão remodeladora desenvolve-se a partir de 1860, impulsionada pelo aumento da exportação algodoeira verificada à época” (PONTE, 2007, p.163). 

Rua Conde D'Eu nos anos 20.
Isso porque os Estados Unidos estavam em plena Guerra da Secessão e a “demanda de algodão norte americano foi suspensa temporariamente para Europa, aumentando a procura pelo algodão cearense” (PONTE, 2007, p.163). 
Fortaleza era no final do século 19, o principal centro urbano do Ceará e um dos oito primeiros do Brasil. A partir de então Fortaleza entra num processo de reforma urbanística e de “civilização”, e civilização naquele momento representava modernidade e progresso como afirma o historiador Paulino Nogueira, Fortaleza mais parecia uma “fênix renascida, cheia de mocidade e encantos” (NOGUEIRA, apud PONTE, 2007, p.45), pois agora tinha: 

Passeio Público, praças arborizadas, templos majestosos, edifícios elegantes, tantas e tantas ruas alinhadas, calçamento, iluminação a gás, linhas de bondes, carros de aluguel, hotéis, quiosques, clubes prado, corrida de touros, a cavalo e à bicicleta, quermesses bazar e demais novidades. (NOGUEIRA, apud, PONTE, 2010, p.45).

Passeio Público

Depois das reformas urbanas, a cidade agora estava irreconhecível, diferente do que se conhecia há pelo menos 50 anos atrás. Fortaleza antes era uma “cidade muito pequena,... de ruas tortuosas e casa ordinárias, apresentava um aspecto desagradável ao passageiro que a via...” (KIDDER, apud CORDEIRO, 2007, p.136).

Segundo Kidder, agora a cidade tinha um "progresso espantoso, já [era] uma grande e bela cidade, tinha magníficos edifícios, quartel militar, casa de caridade uma grande cadeia e uma catedral magnifica” (KIDDER apud CORDEIRO, 2007, p.136).

Sebastião Ponte afirmou em se livro Fortaleza Belle Époque que “tais reformas visavam alinhar os centros urbanos locais aos padrões de civilização e progresso disseminados pelas metrópoles europeias” (PONTE, 2010, p.17).

Fortaleza nos anos 20. Detalhe para o belo bangalô ao fundo. 

Seguindo ainda esta afirmativa Ponte revela ainda que:

Em Fortaleza, o movimento de remodelação urbana impulsionou-se com o Mercado de Ferro (1897), o “arfomoseamento” das principais praças (1902-3) e a construção do requintado Theatro José de Alencar (1910). A onda remodeladora acabou por conferir à zona central da cidade um harmonioso conjunto urbano, complementado com a edificação de mansões, prédios públicos e dois grandes cinemas – em sua maioria, construções marcadas pelo ecletismo arquitetônico, estilo então em voga no País (PONTE, 2010, p. 20).

Teatro José de Alencar

Para dá inicio a essas novas reformas urbanas em 1875, o arquiteto Adolfo Hebster é contratado para desenhar a nova planta da cidade de Fortaleza seguindo o modelo em traçado xadrez elaborado por Silva Paulet em 1818 e inspirado no modelo do Barão de Haussman feito anteriormente em Paris e conforme o autor Ponte (2010):

Praça da Lagoinhas. Ao fundo vemos a Av. Imperador

Apesar de não ser um projeto inteiramente original, [...], tratava-se de um estudo decisivo para a capital dali para frente, pois ampliava-lhe o traçado para além de seus limites de então e conferia-lhe 3 boulevards (as atuais avenidas do Imperador, Duque de Caxias e D. Manoel) margeando o perímetro central. A finalidade de tais avenidas era, num futuro breve, facilitar o escoamento do movimento urbano, [...]. Por seu lado, o principal objetivo da nova Planta era disciplinar a expansão de Fortaleza, o que, de fato, consegue, pelo menos até 1930. 

Avenida Dom Manuel - Arquivo Nirez

Seguindo este pensamento o governo propôs medidas saneadoras e higienistas, além de adotar um código de posturas que determinava normas e hábitos que deveriam ser adotados pelos fortalezenses, tudo isso inspirado no modelo europeu.

Aliás, o enxadrezamento da cidade era uma das medidas higienistas que expressavam a necessidade de amplos logradouros que facilitassem a circulação das correntes de ventos, pois o ar contaminado era considerado como o principal disseminador das mais terríveis doenças epidêmicas.

Quimoeiro na rua Floriano Peixoto, antiga rua Pitombeira 
na década de 20.

Quimoeiro na Floriano Peixoto
Como principais medidas saneadoras houve a construção dos espaços destinados ao lazer, assim como houve a construção de asilos, cemitérios afastados da cidade, para se evitar a contaminação do ar e o afastamento dos mais pobres do perímetro central.
Mas mesmo com tantas medidas “preventivas” a população não podia prever que o surto de varíola e outras doenças dizimariam boa parte dos habitantes da cidade, por conta das contaminações pelo precário sistema de esgoto, aliás, na verdade nem existia sistema de esgotos, o que existiam eram as fossas domésticas nos quintais das casas, e quando enchiam essas fossas eram esvaziadas pelos “quimoeiros” conhecidos assim por transportarem os dejetos em depósitos chamados quimoas, estas figuras eram responsáveis também pela disseminação de doenças, pois quase sempre estavam bêbados e deixavam cair parte dos dejetos pela cidade, espalhando o mal cheiro e contaminado o ar, além disso, tudo era despejado no mar. (PONTE, 2007).

Em 1865 e 1870 entra em cena um novo código de posturas de Fortaleza, estes tinham por objetivo prever normas disciplinares a população e impor medidas saneadoras, principalmente aos mais pobres, que era vistos como os agentes insalubres da cidade.




Crédito: Artigo 'As atividades de lazer na Fortaleza Belle Époque' de Kamylla Barboza Evaristo



terça-feira, 2 de abril de 2019

A expansão urbana de Fortaleza: O desinteresse da cidade pelo mar

Do ponto de vista histórico, Fortaleza teve seu crescimento urbano voltado em direção ao sertão. A faixa litorânea fortalezense passa dessa forma alguns séculos sendo ignorada pelos seus citadinos. O mar, ponto de início da colonização cearense, vem configurar-­se nos primórdios do crescimento da cidade, como um local fora de Fortaleza. Este curioso fato de rejeição do fortalezense ao mar deu-­se principalmente pela origem daqueles que chegaram. Fortaleza, até 1799 (ano do desmembramento do Ceará da Província de Pernambuco), era uma vila sem importância econômica. Destacavam-­se naquela época as vilas de Aracati, Icó, Sobral, Crato, Camocim, Acaraú e Quixeramobim. Isso se dava pelo motivo da principal atividade econômica da província ser a pecuária, com a exportação de carne, couro e animais de tração para a zona ­da ­mata nordestina. 



A Zona ­da ­mata começava a se dedicar ao cultivo da cana ­de açúcar, cabendo ao Ceará a venda dos produtos pecuários para a região. Dessa forma, é dado início a movimentação econômica interna no território cearense. Fortaleza vem crescer justamente a partir da elite oriunda do interior da província. Dessa forma, o mar passa a se configurar por muitos anos como um local esquecido, ausente de qualquer tipo de interesse do homem. Se utilizando das plantas históricas de Fortaleza, esta pesquisa vem analisar a expansão urbana da cidade, verificando as mudanças de olhares do fortalezense em relação ao mar e observando a tomada da ocupação do litoral. 



Analisando a consolidação de Fortaleza enquanto capital, Dantas (2002) afirma que a cidade nascera voltada para o sertão, contradizendo sua natureza litorânea, dado as relações no campo cultural e econômico da sociedade com o interior do Estado, configurando-­se dessa forma como uma cidade litorâneo ­interiorana. O litoral passa a ser vislumbrado pela sociedade fortalezense quando em busca de uma vida político ­econômica mais independente, a cidade apresenta-­se como ponto de exportação dos produtos produzidos no Ceará, notadamente o charque e o algodão, através do Porto, implantado em fins do século XVIII, nas intermediações da Praia do Peixe, atual Praia deIracema
A oferta de mercadorias para o exterior já era presente desde meados do século XVII nas principais cidades brasileiras, uma vez que vendiam seus produtos para a Europa e outras capitanias. 

A vila encontrava-se ainda sem infraestrutura básica para o surgimento da economia de exportação vigente em outras capitais. A ausência de um porto em Fortaleza, capaz de exportar os produtos produzidos no Ceará, levava o crescimento de outras localidades, portuárias, como Aracati e Acaraú, passando a colocar o Ceará na rota de exportação do algodão. Essa precariedade infraestrutural de Fortaleza é percebida a partir da análise da Primeira Planta da Cidade de Fortaleza, rascunhada em 1726 por Manuel Francês que apresenta a Fortaleza do início do século XVIII. Desenhada pelo capitão-­mor daquele período, a planta surge com o objetivo de apresentar à Coroa Portuguesa o domínio lusitano sobre a região. O brasão português sobre o forte e as dez cruzes espalhadas pelo desenho, com o objetivo de reforçar a dominação católica no local, vem como uma tentativa de mostrar características que favorecessem a elevação da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção à categoria de cidade. Percebem-­se nessa planta as poucas edificações presentes em Fortaleza, que contava com algumas dezenas de casas ainda não arruadas, o forte (ainda de madeira), uma igreja e um mercado. Nota-­se a provável inexistência do sobrado localizado a leste do riacho Pajeú, dado pelo fato de não haver nenhum relato que afirme a existência do mesmo e por ser um local apático à ocupação fortalezense da época. Essa construção serviria apenas como uma alusão ao crescimento de Fortaleza, proposto pelo capitão-­mor ao reinado português. 


O desinteresse pelo litoral já era percebido, dado pelas poucas edificações na área. Com a construção das linhas de vapores, que percorriam várias cidades do interior com destino à capital, surge as relações econômicas e sociais do sertão com Fortaleza. Outro fator favorecedor dessa ligação foi a construção do porto nas proximidades da Prainha (atual Praia de Iracema). Nesse sentido, Fortaleza toma um novo rumo. 


Na segunda metade do século XIX, Fortaleza toma de Aracati, responsável até então pela exportação dos produtos cearenses, o comando das relações comerciais de boa parte do Vale do Jaguaribe e Sertão Central, devido o estabelecimento das linhas de vapores diretamente para a capital. A planta da cidade de Fortaleza de 1850, organizada por Antônio Simões Ferreira de Farias, e há muito perdida, reencontrada nos dias atuais por José Liberal de Castro, vem reforçar a expansão da cidade para longe do litoral. A área litorânea mostrava uma ocupação irregular, quase espontânea, indicado no desenho de modo um tanto confuso, fato que teria motivado a contratação de Farias para organizar uma outra planta, unicamente referida aquela parte da cidade (CASTRO, 2005). 
Nota-­se também que o riacho Pajeú continuava a constituir uma barreira física à expansão para o leste, embora já estivesse aberta a rua do Norte (atual GovernadorSampaio), delineada por Paulet no começo do século. A rua Governador Sampaio passava a servir naquela época como eixo direto de um futuro crescimento de Fortaleza para o leste. 

Observando a planta de Simões percebe-se também um caminho cruzando o riacho próximo a foz. Essa estrada que vem ligar o litoral oeste do riacho Pajeú ao litoral a leste do mesmo vem a ser a estrada do Meireles (Mucuripe). Essa estrada, um simples caminho arenoso, atuais Rufino de Alencar e Monsenhor Tabosa, encontrava-­se com uma capela (Conceição da Prainha), cujas obras, iniciadas uma década antes, ainda estavam por completar. Desse ponto, a estrada continuava para o leste, atingindo o Meireles, de onde prosseguiu até o Mucuripe, desviando-­se das dunas (CASTRO, 2005). 


No detalhamento da planta de 1850, onde se destaca a Prainha, nota-­se a predominância da paisagem natural, composta por dunas e lagoas interdunares, tendo como sinal de ocupação a Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, o quartel da Fortaleza, a Tesouraria provincial e a Alfândega (capitania dos portos). 

O fato de a cidade instalar-­se no litoral permanecia sem contar muito na formação do imaginário social dos seus habitantes. Segundo Gustavo Barroso, o imaginário interiorano continuava a se legitimar por toda Fortaleza, até mesmo aqueles imóveis localizados à beira-mar, faziam referência a presença do homem do sertão e de seus utensílios.

As zonas de praia em Fortaleza caracterizam-­se nesse período como área de escoamento dos esgotos da cidade, vindo a ser ocupada somente em fins do século XIX, com o surgimento das favelas, devido ao aumento do contingente de imigrante pobres do sertão. 



Com Fortaleza apontando como centro político-econômico do Estado, ela passa a despertar o interesse da elite cearense para a fixação de moradia. A urbanização de Fortaleza é também favorecida pela vinda dessa elite, pois com ela surge a necessidade de melhorias infraestruturais e de serviços na capital. 

Percebe-­se o incremento de equipamentos urbanos em Fortaleza, como a construção de um novo cemitério, a criação da Academia Francesa, a iluminação a gás carbono, entre outros. Surge também a Planta Topográfica de Fortaleza e Subúrbios, de autoria do engenheiro Adolfo Herbster. Integrante da diretoria de obras de Pernambuco, Herbster é cedido ao Governo Provincial do Ceará em 1855, sendo contratado pela municipalidade fortalezense. Dois anos depois, sendo solicitado para a elaboração de plantas da cidade. O urbanista traça um plano urbanístico de desenvolvimento para a cidade, dado pela necessidade de expansão àquela época, devida o aumento de sua população, que passa de uma população estimada em 1500 habitantes em 1800, para 16000 habitantes em 1863 e a 21872 em 1872. 


A referida planta possui um traçado xadrez com grandes boulervards, imitando o modelo parisiense implantado pelo Barão de Haussman, e já idealizado para as ruas da capital cearense cinquenta anos antes de Herbster, por Silva Paulet
Além de retratar a cidade, Herbster propôs sua expansão, elaborando cintas de avenidas, circulando o espaço urbano habitado, configurados através dos boulervards do Imperador, Duque de Caxias (logo prolongada para leste), e da Conceição (atual Avenida Dom Manuel), que comporia as vias de acesso à cidade, estabelecendo um modelo secção de vias urbanas em voga até os dias atuais. Dessa forma, percebe-­se que Herbster desprezou o arruamento proposto por Simões de Farias em 1850, evitando cortar o Pajeú em trechos centrais, já ocupados por residências. 


A proposta de expansão de Fortaleza por Herbster fez-se, portanto, pela continuação da Avenida Duque de Caxias, atual Avenida Heráclito Graça. Essa solução visava contornar o riacho cruzando pela Avenida Dom Manuel e suas paralelas, em trechos já distantes da foz. 

Essa nova proposta de expansão da cidade para o sul e para o leste, reforçava o desinteresse de fixação de moradia na faixa de praia pela classe abastada. Nesse período, algumas das mais importantes edificações da cidade foram se instalando próximo ao Forte de Nossa Senhora da Assunção. O Passeio Público, a Santa Casa de Misericórdia, a Penitenciária e a Estação da Estrada de Ferro terminaram por formar uma barreira entre a cidade e o mar, afirmando o desinteresse de uma possível urbanização do litoral. O acesso à praia tornava-­se mais difícil, já que somente o Passeio Público tinha suas vistas voltadas para o mar. É importante ressaltar que mesmo com o Passeio Público estando voltado em direção ao mar, isso não leva a crer numa possível tomada de consciência da sociedade para o mar, já que o andar em que se encontrava mais próximo da praia era reservado aos pobres e miseráveis (o Passeio Público possuía três andares representados pelas classes sociais da época). 




O desinteresse dado pela faixa praiana fortalezense resultava na distribuição de serviços insalubres instalados próximos à zona costeira, como o velho Paiol da Pólvora, o Gasômetro, dos tempos da iluminação a gás (1867), a Santa Casa de Misericórdia, bem como o depósito de lixo da cidade. O espaço entre o mar e essas edificações, passou a ser ocupado pelo comércio de exportação, próximo ao desembarcadouro e o Arraial Moura Brasil, formado pela população sertaneja foragida da seca. 



Nesse contexto, é criado o Código de Posturas, vindo em confluência com as preocupações de ordem higienistas e urbanísticas que tinham por objetivo salvaguardar o decoro, a moral e os bons costumes dados à explosão demográfica decorrente do êxodo rural naquele período. Essa legislação reforçava o desinteresse pela zona de praia, ao afirmar, por exemplo, a regulamentação de que os dejetos fecais não poderiam ser despejados nas ruas, mas sim na Praia do Porto das Jangadas, denominação antiga da Praia de Iracema

Tornava-se evidente o desinteresse do litoral por parte da elite da cidade, de natureza interiorana. Mesmo com os discursos médicos afirmando dispor o litoral fortalezense de excelentes condições climáticas para o tratamento de doenças respiratórias, os abastados ainda não se voltavam para o mar.



Fontes: A cidade e o mar: considerações sobre a memória das relações entre Fortaleza e o ambiente litorâneo - Fábio de Oliveira Matos. 
DANTAS, Eustógio Wanderley. Mar à vista: estudo da maritimidade em Fortaleza. Fortaleza: Museu do Ceará/Secretaria de Cultura e Desporto do Ceará, 2002. 
BARROSO, Gustavo. Terra do sol: natureza e costumes do Norte. Rio de Janeiro: Benjamim Aguila, 1912.  
LINHARES, Paulo. Cidade de água e sal: por uma antropologia do litoral do Nordeste sem cana e sem açúcar. Fortaleza: Fundação Demócrito Rocha, 1992.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2019

O Pajeú vai despejar no...Poço da Draga

"O Riacho Pajeú, já nomeado Marajaik (devido a existência das palmeiras que ali cresciam), ou riacho das palmeiras, durante a invasão Holandesa, foi posteriormente chamado de Ipojuca e Riacho da Telha, antes de ser batizado com seu nome atual. Mesmo a grafia do nome atual mudou, de Pajehú, no início do século XIX para a moderna forma adotada nos primórdios do século XX.

Hoje o nome do riacho não aparece nas representações cartográficas de maior circulação, como guias turísticos ou mesmo o Google Maps. No Plano Diretor de Fortaleza apenas alguns trechos curtos do riacho são marcados e nomeados, ficando a maior parcela do curso d’água desassistida das leis. Também o curto trecho do Parque Pajeú vem assistindo à mudança de seu nome próprio. Há alguns anos, com a adoção do espaço pela Câmara dos Dirigentes Logistas, passou a ser mais popularmente conhecida como Praça da CDL."   (Cecília Andrade - Arquiteta e urbanista)


Sempre que chove, alguns pontos da cidade vira um rio, mas o que muitas pessoas não imaginam, é que um riacho encontra-se sufocado, desmatado, impermeabilizado e em boa parte, enterrado em um jazigo de concreto. Aterraram o riacho Pajeú e hoje, a natureza só está cobrando o que é seu de direito!

“Cobertos e esquecidos, antigos cursos d’água ainda correm através da cidade, enterrados em grandes tubulações, canais primários de um sistema de drenagem subterrâneo. Seu ruído abafado pode ser ouvido sob as ruas após uma chuva pesada; eles são invisíveis, mas sua contribuição potencial às enchentes à jusante não é, todavia, diminuída, e sim, aumentada.”(Spirn, 1995)

"Em um dia de forte chuva, as memórias da cidade são ativadas. Memórias de rios, de várzeas, de mato, dos terrenos baldios e dos alagados… Aquilo que parecia uma simples lembrança distante de um córrego inofensivo, rebaixado, contido e invisibilizado, ganha com a pressão da chuva a fúria titânica de uma enxurrada.


 

O rio subterrâneo do inconsciente vence as forças que o aprisionaram num porão de concreto e irrompe na superfície. O rio recalcado retorna na forma de doença – a água podre do Pajeú é regurgitada dos bueiros, as bocas de lobo vomitam o rio e as ruas são tomadas pela enchente, lixo, ratos, baratas e toda a fauna que lhe restou.

E como acontece a cada forte chuva, reaparecem junto com o riacho as mesmas imagens de carros boiando, de ônibus-anfíbios, pessoas ilhadas em altas calçadas…"  (Cecília Andrade - Arquiteta e urbanista)





Em 1918, começaram a canalizar o rio para "ajudar" no crescimento da cidade. Esse crescimento sem limites e sem um bom planejamento, atingiu o espaço do manancial. Na administração de Lúcio Alcântara, 3.360,00 metros do Pajeú foi canalizado e seu leito modificado, seu curso desviado e sua fauna e flora perdidos. O que vemos hoje, em nada lembra o rio que observamos no mapa (primeira imagem), que abastecia a pequena vila que crescia próxima a sua margem. Como legado de sua gestão, Lúcio Alcântara entrega a 1ª etapa do Parque Pajeú, entre a rua Pinto Madeira e a Avenida DomManuel. As obras realizadas compreendiam a canalização do tipo canal aberto em pedra arrumada e canal fechado em concreto armado, o que equivale à cerca de 70% da extensão das margens do corpo hídrico.




O texto, encontrado em: FORTALEZA: Administração Lúcio Alcântara (março 1979/maio 1982), avalia ainda o resultado das obras e o "benefício" atingido, especialmente na Zona Central:

 […] notadamente nas áreas próximas ao Parque Cidade da criança, e da zona de comércio atacadista da avenida Conde D’Eu. Repercussão expressiva é o efeito obtido para a humanização da Zona Central, através da realização da obra de drenagem, integrada à implantação do Parque Pajeú e às reformas do Bosque do Paço Municipal. Altamente beneficiadas foram, também, as áreas marginais à Avenida Heráclito Graça, no trecho entre a Avenida Barão de Studart e a Rua João Cordeiro, e as áreas marginais à Rua João Carvalho, entre a Avenida Barão de Studart e Barão de Aracati. (FORTALEZA, 1982)

E comemora que infere-se ser da ordem de 31.775 habitantes a população diretamente beneficiada por esta realização, sendo a superfície drenada através destas obras de 456,70 hectares.




Os desvios do leito original que estranhamente parecem ser tão difíceis de precisar ficam esclarecidos nesse trecho:

 No trecho compreendido entre a avenida Dom Manuel e o Paço Municipal, as obras de canalização do Riacho foram feitas parte em canal aberto, de menor vazão, sobre o leito original e parte numa variante desse percurso original, em canal fechado que se desenvolveu sob trechos das Ruas 25 de Março e Costa Barros. […] (FORTALEZA, 1982)

O texto indica também que o Riacho foi desviado de seu leito original para a Avenida Alberto Nepomuceno, desenvolvendo-se em canal fechado a partir do ponto em que atinge essa Avenida até o mar, no Poço da Draga



Diante de tudo que já foi dito, não podemos deixar de mencionar o caso do Edifício Pajeú (notem a homenagem😟), da Firma Carneiro e Gentil, atual prédio do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, inaugurado em 1949 com pompas e bênçãos. Pois bem, os proprietários  já haviam canalizado o riacho em seu lote (enterrando o rio sob bela lápide do edifício), fato lamentado pelo Engenheiro civil e sanitário Alcy Leitão em matéria no Jornal O Nordeste (LEITÃO, 1955), não pelo rio em si, mas porque tais intervenções impossibilitariam, como ficou muito claro nos dias correntes, a limpeza do fundo de vale, incorrendo em obstruções ainda mais problemáticas por não terem sido os canais calculados para a “medida justa” e resultando em alagamentos.

Com o crescimento da cidade para a Aldeota, o riacho foi sendo, como previa Leitão, sepultado em cada lote individual.

E o riacho vai sumindo gradativamente ...


No  Poço da Draga fica a desembocadura do riacho no mar: uma área alagadiça drenada por vários anéis de concreto, donde uma réstia de mangue permanece.
"Dezenas de documentos cartográficos desde o século XVII até o início do século XX apresentam claramente o traçado do riacho Pajeú. São mapas de engenheiros holandeses, franceses, portugueses, ingleses…são cartas de navegação, levantamentos para fins de exploração de minérios, localizações exatas para fins de defesas, plantas para planejamento, planos para execução de portos, projetos para expansão urbana."  (Cecília Andrade - Arquiteta e urbanista)



"Até os primeiros anos do século passado, os documentos mostram claramente o ponto em que o corpo d’água, hoje canalizado e escondido, faz uma inflexão à esquerda, após a quadra onde hoje se encontra edificado o Mercado Central, passando em frente ao Fortede Nossa Senhora da Assunção e depois correndo em direção norte até a foz. É de se notar que nos mapas mais antigos o Forte era banhado pelo oceano e que a área onde se encontram hoje tanto a INACE quanto a comunidade do Poço da Draga foram conquistadas do mar durante algumas décadas.


Por outro lado, os mapas da segunda metade do século passado tratam de não representar o percurso completo do riacho, que já estava canalizado, e, em alguns pontos, subterrâneo. Eles silenciam o riacho em prol do desenvolvimento urbano. Assim, gradativamente o Pajeú desaparece nos mapas recentes. Desaparece das imagens dos mapas. Desaparece do imaginário. O riacho que até além de 1850 era essencial a manutenção da vida na cidade, durante o século passado vai sendo convertido em uma cloaca máxima."  (Cecília Andrade - Arquiteta e urbanista)





"Já há algum tempo, alguns peritos, principalmente dos órgãos públicos e escritórios de planejamento, relatam uma certa controvérsia a respeito do trajeto e da localização da foz do riacho Pajeú. Essa controvérsia se deveria a falta de documentação para fundamentar qualquer alegação precisa em posse do Estado ou Município. Outros peritos ou intelectuais específicos vêm defender, com base num “rastro de vegetação”, a existência de um braço do Pajeú à direita da Av.Alberto Nepomuceno, de forma contrária a toda a documentação cartográfica ainda existente.





Se aceitarmos que o riacho mudou seu curso, podemos indagar que força geológica silenciosa e extraordinária poderia alterar a inflexão do riacho drasticamente em algumas décadas: segundo a teoria do Antropoceno, a era geológica atual seria caracterizada pelas modificações talvez irreversíveis que o homem provoca ao meio. (Cecília Andrade - Arquiteta e urbanista)

A INACE possui mapas antigos que apontam do estuário do Pajeú. É possível observar  a canalização que mudou o curso dessa foz para a continuação da Av. Alberto Nepomuceno, mais de cem metros à direita do trajeto natural do leito do riacho, bem no centro da planta da indústria e condizente com o mapa de drenagem da cidade de 1992. O "outro braço" do rio passa dentro da comunidade do Poço da Draga,  a 500 metros do leito original e escoa para o mar, por baixo de um dos galpões da empresa.
O riacho mudou-se completamente para o território da comunidade, baseado nesse novo discurso de verdade, ignorando quase quatro séculos de documentos.


Créditos: Cecília Andrade (Arquiteta e urbanista, mestranda em Artes pelo PPGArtes – UFC), Anne Whistorn Spirn - O Jardim de Granito. A natureza no desenho da cidade.
Tradução de Paulo Renato Mesquita Pellegrino. São Paulo: Edusp, 1995, Livro O Siara na rota dos Neerlandeses, de J. Terto de Amorim. Disponível
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