Igreja Nossa Senhora da Dores - Foto Júnior
Bairro localizado ao oeste do centro histórico de Fortaleza, oficialmente chama-se Farias Brito.
Este bairro surgiu de uma povoação ao lado da antiga Estrada para o Soure(atual Caucaia). Na época do Ciclo do Charque aqui existiu a Capela de São Sebastião, que mais tarde deu o nome ao mercado erguido neste bairro, o Mercado São Sebastião. No local da capela, a antiga Estrada do Gado(atual Rua Dr. Justiano de Serpa), os frades Franciscanos oriundos da Alemanha, construíram a Igreja de Nossa Senhoras das Dores.
Com a construção da Estrada de Ferro de Baturité em 1873, aqui foi construído uma estação de trem que funciona até os dias de hoje.
A Igreja de Nossa Senhora das Dores, inaugurada em 1932, foi uma parte do investimento dos frades Franciscanos, que além desta construíram ainda o Convento de São Francisco e o Cine Familiar. O Convento de São Francisco chegou a ser invadido por um dia durante a Segunda Guerra Mundial, pois os frade eram alemães. Neste período propriedades de famílias alemãs(família Lundgren), famílias italianas(família de Francesco) e famílias japonêsas(família Fugita) ligadas a este local sofreram represálias da população de Fortaleza.
Foto de data desconhecida da Fábrica Gurgel
O Cine Familiar funcionou até a década de 60 como opção de lazer para os moradores das adjacências.
Local com atração econômica, chegou a sediar a Siqueira Gurgel. Fábrica que fabricava produtos que marcaram história no Ceará: Sabonete Sigel, o óleo Pajeú, a gordura de coco Cariri e o famoso sabão Pavão. Um dos personagens fictícios deste produtos foi a Neguinha do Pajeú. Nos dias de hoje aqui fica um supermercado.
A famosa neguinha do Pajeú - Maninho Batera
Devido a suas tradições agrícolas aqui funcionou até a década de 70 jardins que produziam flores. Onde nos dias de atuais situa-se um supermercado.
No mesmo bairro existe a comunidade do Morro do Ouro. Uma comunidade de pessoas menos abastadas.
Na década de sessenta, por exemplo, o bairro Otávio Bonfim, tinha um charme bem particular. Não era de classe alta. Também não estava na linha da pobreza.
O que mais o diferenciava de outros, existentes em Fortaleza, naqueles idos, era o clima de família que reinava ali, campeando entre as árvores centenárias que se erguiam na Praça com o nome oficial de Libertadores.
Em cada canto, era comum ver-se mulheres com uma banquinha de café, fazendo fogo ali mesmo e lavando os utensílios em alguidar de barro, deixando a água escorrer pelas coxias.
De vez em quando tinha uma espiga de milho cozida, uma tapioca de goma fresca, sem respeito às normas de higiene, é claro, mas tão gostosas que até se esquecia de alguns prováveis transtornos gastrointestinais.
A Estação Ferroviária de Otávio Bonfim
Os moradores de bairro tinham uma intimidade bem grande com aquela pracinha. Aposentados ficavam ali papeando, casais de namorados aproveitavam o bucolismo do local, para as costumeiras juras de amor, donas de casa levavam os filhos pequenos para andar de velocípede ou mesmo bicicleta, transeuntes iam e vinham despreocupados, ou com alguma preocupação, que isso já era freqüente antes mesmo da virada da economia.
Não havia lugar mais apropriado que a pracinha, para ler os jornais do dia, inclusive a Tribuna do Ceará, de saudosa memória. Muita gente circulava por ali, justo porque lá era ponto de desembarque dos ônibus que vinham do interior, com entrada pelo Antônio Bezerra.
A praça e a Igreja de Nossa Senhora das Dores pareciam geminadas, sequer dando oportunidade de se pensar em uma, sem estar pensando na outra. Até se tinha a impressão de que a primeira era uma extensão da segunda, e vice-versa.
Arquivo Nirez
Era só atravessar o passeio de pedra tosca, entre as ruas Justiniano de Serpa e Dom Jerônimo, e lá se estava em frente ao Santuário de Santo Antonio, parede e meia com a igreja.
Nos dias de terça-feira, acontecia a distribuição do pão dos pobres. Nem se falava do Lula, mas o bairro, ou melhor, os frades franciscanos do Otávio Bonfim, já engatavam movimentos sociais de combate à fome, com a ajuda dos paroquianos.
Uma grata recordação que vem daqueles tempos está ligada ao Cine Familiar, que ficava na lateral esquerda da igreja, fazendo quina com a Rua Dom Jerônimo. O Vavá era o grande artífice da 7 ª arte.
O Cine Familiar - Arquivo Nirez
Era ele que cuidava da exibição das películas, já que sabia só tudo sobre como manejar os rolos na velha geringonça, fazendo hoje com que nos lembremos do Cinema Paradiso.
Tudo isso se foi na enxurrada do tempo, mas o que até agora não sai das retinas cansadas, nem dos ouvidos adormecidos, é a imagem do trem, meio sujo, vindo dos lados do Acarape, rodando e rangendo sobre os trilhos presos aos dormentes, que iam dar na Estação João Felipe. Poderia ser o inverso, se o destino mudasse para Maracanaú.
Arquivo Nirez
Nas manhãs de sábado, não tinha passeio melhor do que pegar os filhos menores, subir no trem, e, de joelhos, nas poltronas rasgadas, acompanhar, das janelinhas abertas, o desfile de casas, árvores, pessoas que, indiferentemente à observação, postavam-se à beira do caminho.
Não se sabia, àquelas alturas, o que era uma bala perdida. No entanto, vez por outra, um garoto mais afoito pegava sua baladeira e conseguia estraçalhar a vidraça ou alcançar a cabeça de um passageiro menos avisado. Quem morava nas imediações da linha férrea, junto à parada do trem, no Otávio Bonfim, costumava despertar com o som estrépito da máquina, anunciando sua chegada à estação.
Muitos dos moradores da área residiam em casas construídas pela RVC, no último quarteirão da Rua Domingo Olimpio e já na Av. José Bastos, indo para a Av. Bezerra de Menezes.
Arquivo Nirez
Na verdade, o ícone de maior destaque, naquele quadrilátero urbano, era a Igreja de Nossa Senhora das Dores, apinhada de fiéis, nas missas dominicais, e que, em tempo de festa, ´mandava ver´ com grandes atrações, incluindo, barracas, quermesses, lembrando antigos costumes das cidadezinhas do Interior.
Aquele pedaço de Fortaleza foi sempre um reduto da família Gurgel. Se não era parente, era amigo ou conhecido. Na Rua Justiniano de Serpa, morava D. Dulce Gurgel Valente, mãe do Fernando, dono da Mecesa, do Flávio, funcionário do Dnocs, da Adélia e da Fernanda.
Do outro lado da Bezerra de Menezes, já depois da linha do trem, ficava a Siqueira Gurgel. Era lá onde se fabricava o Sabonete Sigel, o óleo Pajeú, a gordura de coco Cariri e o famoso sabão Pavão.
Havia, na época, um jingle muito popular: ´uma mão lava a outra com perfeição, e as duas lavam roupa com sabão pavão´. O óleo de algodão Pajeú, produzido na Siqueira Gurgel, ficou na história, isso porque a lata trazia estampada a figura de uma negrinha de tranças, bem sapeca em seus modos. Os tempos mudaram, a Siqueira Gurgel foi vendida e a área pertence hoje a uma rede de Hipermercado.
Ninguém lembra mais que na confluência da José Bastos com Bezerra de Menezes havia a Farmácia da D. Rosélia, mãe dos Professores Benito e Lúcio Melo, servindo a toda a população do bairro, necessitada de remédios, curativos e injeções.
A pracinha, mesmo depois de passar por sucessivas reformas, que lhe presentearam com canteiros, mudas de plantas, calçamento novo, perdeu um bocado do seu encanto. Ficou menos bucólica e mais suja.
A Sumov, então, deu lugar à Regional I, tornando-se um ninho de políticos ligados à gestão municipal. O que não mudou, foi a questão física do perímetro. Por um lado, caminha-se para o Beco dos Pintos, por outro, vai-se para o Cercado do Zé Padre.
Essa é uma versão de Fortaleza, em tempo real. Há marginalidade, há religiosidade, há urbanidade, tudo convivendo democraticamente, em que pese a violência instituída que está impondo aos moradores do bairro fechar suas portas, tão logo o sol descamba na linha do horizonte. Sinais dos tempos!
O Morro do Ouro, tão percorrido pelos frades, quando iam levar donativos às crianças e aos velhos, já não é igual àquele que Eduardo Campos imortalizou em peça teatral, de sua autoria.
A linha divisória entre os bairros de Otavio Bonfim e de Monte Castelo, onde os moradores do Morro fizeram ali o seu ´establishment´, está pontuada de balas, saídas das armas dos traficantes e também de desordeiros.
A despeito de tudo, ainda rescende no ar o cheiro bom das flores do jardim japonês, uma bem sucedida iniciativa do Sr. Jusako, nipônico fugido da guerra e que aqui construiu uma família de nobres exemplares.
Essa é uma página da vida, e para caracterizar bem o tempo, é o ´retrato´ de uma época perdida na lembrança.
Parafraseando o fado português ´Mouraria´, não há como deixar de cantar o bairro, em louvação semelhante à que foi feita à Rua da Palma, da antiga Lisboa: ´Ah, meu Otávio Bonfim, contigo deixei minha alma, sem ti que será de mim?´
Fonte: Wikipédia, Diário do Nordeste, Paulo Elba e pesquisas diversas na internet