É um cemitério quase centenário, foi fundado em 1916 por idéia e iniciativa dos moradores da época. É o segundo cemitério público da capital.
O São Vicente de Paula é o menor cemitério da Capital, não tem ossário e encontra-se superlotado desde os anos de 1970.
O coveiro José Carlos Cunha dos Santos, de 47 anos, por exemplo, conta que o silêncio no Cemitério São Vicente de Paula, no Mucuripe, poucas vezes é quebrado, já que os enterros só costumam ocorrer em média três vezes por semana.
Nos horários livres, sua rotina é cuidar da limpeza do cemitério e zelar alguns túmulos de falecidos cujos parentes lhe dão um dinheiro extra. Como muitas pessoas preferem plantas no lugar de construções, vários túmulos mais parecem um jardim. Desta forma, as flores estão sempre vivas e bonitas.
O resultado de seu trabalho é visível. Ao redor das velas e cruzes com aparência triste, o colorido das flores dá leveza ao local. Há os túmulos mais elaborados, com materiais caros, e os simples, somente com uma cruz de madeira, com a tinta já desbotada pelo sol. E mesmo desalinhados e tortos, eles se harmonizam por conta da natureza que os cerca.
O coveiro afirma ficar feliz ao ver a satisfação das famílias que vão visitar os túmulos bem arrumados. “Vem muita gente no dia dos finados, mas tem pessoas que fazem questão de vir com mais freqüência”, comenta José. Ele lembra que começou a trabalhar no cemitério há mais de treze anos, por intermédio de um amigo.
E garante, desde o início foi destemido. “Em tantos anos freqüentando o local, nunca vi nada de assustador”, brinca. Seguindo o exemplo do pai, um de seus filhos ajuda com o serviço desde os 10 anos de idade. “Foi o cemitério que sempre me deu condições de sustentar minha família e sou grato por ter encontrado um trabalho que goste desse jeito”, diz José.
Funcionamento dos cemitérios colados a áreas residenciais é um dos fatores de risco, como acontece no Mucuripe, onde população estende roupas no muro da necrópole.
Capela do cemitério
CONVIVÊNCIA INCÔMODA
Mau cheiro provoca reclamações
Do lado direito, um amontoado de covas. Do lado esquerdo, crianças de Ensino Infantil e Fundamental tentam estudar. Mas aquelas que estudam no segundo e no terceiro pavimentos têm, em alguns momentos, dificuldade de se concentrar.
A escola pública em questão é a José Ramos Torres de Melo, vizinha ao Cemitério do Mucuripe. Os alunos que estudam nos andares superiores sofrem com o mau cheiro que sobe pelas entradas de ventilação. Segundo a professora Eliane Gomes, 40, a situação gera reclamações. “Eles reclamam, mas a gente vai levando, né?”, resigna-se.
Segundo o médico sanitarista Alberto Novaes Ramos Junior, o extravasamento para a atmosfera, de uma forma mais intensa, de gases liberados durante a decomposição dos corpos é resultado da má confecção e manutenção das sepulturas (covas mais simples ou rasas, com cobertura imprópria de terra) e dos jazigos (construções de alvenaria ou de concreto enterradas ou semi-enterradas).
A chefe do Distrito de Meio Ambiente da Regional I, Mércia Albuquerque, atribui o mau cheiro ao lixo jogado pela população e à presença de gatos no cemitério, atraídos por alimentos deixado por moradores.
IMPROVISO
Exumação é feita em sacos plásticos
Um dos mais intrigantes problemas do Cemitério do Mucuripe é a exumação de restos mortais em sacos plásticos. A necrópole é a menor da Capital e está superlotada desde a década de 70, pelo menos. Sem espaço disponível, não há ossários. Depois de exumados os restos mortais, os ossos são acondicionados em sacos plásticos e postos no canto da cova. A confissão do método é feita pela coveiro José Carlos Cunha dos Santos, 47.
Segundo a Resolução Nº 335, de 2003, do Conselho Nacional do Meio Ambiente, o plástico é contraindicado. “Os corpos sepultados poderão estar envoltos por mantas ou urnas constituídas de materiais biodegradáveis, não sendo recomendado o emprego de plásticos”, cita.
Segundo o médico sanitarista Alberto Novaes, a disposição dos ossos em sacos plásticos amplia os riscos relativos à contaminação do lençol freático.
A chefe do Distrito de Meio Ambiente da Regional I, Mércia Albuquerque, disse que a administração desconhece a prática e que só há exumações com ordem judicial .
Irregularidades
No Cemitério do Mucuripe, a reportagem do Diário do Nordeste presenciou dois coveiros abrindo um túmulo com as mãos nuas e calçando chinelos, entre eles José Carlos Cunha dos Santos. Ele assume receber luvas, mas diz que só utiliza o material na hora de exumar algum corpo, porque há o risco de ser picado por escorpiões ao abrir as gavetas. "Na areia, a luva faz é atrapalhar", acredita.
No Cemitério do Mucuripe, vizinhos estendem roupas que descem pelo muro fúnebre. A necrópole fica ao lado de uma escola municipal de ensino infantil e fundamental e há covas até ao lado do portão; quem passa na calçada, vê.
No cemitério do Mucuripe, o amontoado de jazigos é tão grande que as covas ficam coladas até ao portão de entrada. De acordo com a Secretaria Executiva Regional II, o menor campo santo do município tem menos de 600 jazigos e a falta de recuo em relação aos imóveis do entorno vem desde a construção do espaço.
Vizinhos estendem roupas que descem pelo muro fúnebre
O QUE DIZ A LEI
Pelo menos, três leis regulamentam a localização dos cemitérios em Fortaleza . O Decreto-Lei Nº 59, de 1970, determina: "Será reservada em torno dos cemitérios uma área externa de proteção de 100 metros de largura mínima, medida a partir do muro ou alambrado de fechamento, sendo vedada qualquer edificação ou perfuração de poço".
O Código de Obras e Posturas do Município resolve: "Os cemitérios deverão ser construídos em pontos elevados na contravertente das águas que tenham de alimentar cisternas e deverão ficar isolados por logradouros públicos, com largura mínima de 14m em zonas abastecidas pela rede de água, ou de 30m em zonas não providas da mesma".
A Lei Municipal Nº 3.830, de 1970, diz que, para terem a construção aprovada , os cemitérios-parques devem ser instalados "fora das zonas residencial e comercial" e "prever uma faixa verde de isolamento, com largura mínima de dez metros".
"Dá para arrumar um cantinho"
No cemitério do Mucuripe, predomina o amontoado de cruzes e covas e a falta de espaço para caminhar entre os túmulos. As administrações dos espaços públicos garantem que só aceitam enterro de famílias que já têm concessões de jazigos junto à Prefeitura.
Uma moradora do Mucuripe diz que pessoas carentes que não tem túmulos conseguem, "chorando" com a administração ou os coveiros, enterrar no cemitério do bairro.
A Assessoria de Comunicação da Secretaria Executiva Regional (SER) VI admite que "nos últimos anos" eram abertos espaços para sepultar crianças de até cinco anos, mas garante que a ação parou por falta de espaço.
Já a chefe do Distrito de Meio Ambiente da SER I, Mércia Albuquerque, desconhece que haja enterro de não permissionários no Mucuripe e garantiu que, se a população comprovar a denúncia, a Regional abre sindicância para apurar o caso.
A superlotação nos cemitérios de Fortaleza lembra a crise vivida durante a década de 1980 e o início da década de 90. No início dos anos 1980, a Prefeitura admitia interditar o cemitério do Mucuripe.
"Cemitério do Mucuripe
é o menor da Capital,
não tem ossário e encontra-se
superlotado desde os anos 1970"
ALEX COSTA
"Funcionamento dos cemitérios
colados a áreas residenciais é
um dos fatores de risco, como
acontece no Mucuripe, onde população
estende roupas no muro da necrópole."
ALEX COSTA
Fontes: Diário do Nordeste e pesquisas na internet