Foto: Alexandre Vale
José Cassiano da Silva, figura lendária e popular do Theatro José de Alencar, por muito tempo o mais antigo funcionário do teatro. Contra-regra, depois porteiro, cativava todo mundo com seu jeito simples, espontâneo e despojado.
Em plena forma e muita alegria de viver, José Cassiano da Silva - mais conhecido como Muriçoca - é o porteiro oficial do Theatro José de Alencar há mais de 37 anos. De origem humilde, já exerceu diversas atividades: lidou com a terra no sertão e foi até sapateiro. Hoje, além de trabalhar no TJA, continua fazendo também a cobrança para a Associação dos Merceeiros, cargo que já exercia na época em que conheceu a trupe do teatro dos gráficos, da qual pertenciam o diretor Domingos Gusmão e sua esposa, a atriz Estelita que lhe deu o apelido de Muriçoca. Quanto à terceira idade, Muriçoca não costuma sequer pensar no assunto. Ele se considera uma pessoa muito feliz. ''A gente é que procura ser feliz. Tem muita gente por aí que fica com raiva facilmente, parece que não gosta da vida. Só espero coisa boa na terceira idade porque coisa ruim ficou para trás''
OPovo
Pouca gente sabe, mas a primeira vez que Muriçoca adentrou pelo portão principal do Theatro José de Alencar não foi para trabalhar na portaria. O episódio aconteceu 30 anos antes. Na época, Muriçoca era apenas José Cassiano, um jovem soldado voluntário disposto a lutar na revoluçao de 1932, em São Paulo: "0 teatro se transformou num quartel improvisado, muita gente compareceu e a viagem acabou não acontecendo". Em pouco tempo a frustração deu lugar ao encantamento. Natural do Crato, ele considera o Centro o bairro mais simpático de Fortaleza. O momento mais emocionante de sua vida foi no TJA. Durante a Semana Santa de 1937, ele assistiu a apresentação da peça sacra "0 Gólgota". Durante a cena de luta, a lança perfurou o peito de Jesus. E enquanto o sangue jorrava em cima do palco, Muriçoca chorava na platéia, mesmo sabendo que tudo não passava de encenação. "Vixe Maria, furaram o nosso Senhor!", recordou o porteiro. O apelido Muriçoca surgiu quando ele ainda era contra-regra do TJA e aparecia a todo instante em um lugar diferente: "Esse rapaz é que nem Muriçoca aparece em todo canto...", gritou uma diretora durante os ensaios. Pegou!
Colocarei agora trechos da entrevista dada por Muriçoca - Concedida a Francisco Salvino Lôbo. Essa entrevista está dividida em 9 fitas e pertece ao Museu da Imagem e do Som:
Casa do entrevistado - Rua Adanías de Lima, 348 - Morro do Ouro (Fort. Ce)
Salvino – A gente vai começar pela infância do senhor lá no Crato. Onde o senhor nasceu? O nome dos pais?
Muriçoca – Eu sou filho de pessoas pobres, meus pais, tá ai nesse comércio e eles ficaram órfãos de pai e mãe e foram criados nas casas dos outros, então meu pai é filho de Porteira de Fora e a minha mãe é filha do município de Crato, do Riacho Seco, no sítio do pessoal, aqueles Teles, Fidelmon Teles, Pinheiro, aquele general Raimundo Pinheiro Teles. Você ouviu falar dele? Pois eu nasci naquele canavial. Foi passando-se o tempo e tal, a gente trabalhando na roça. Comecei a trabalhar com cinco ano de idade, em 1919. Em 1919, meu pai plantou um arroz, em um cerco e mandou que eu fosse botar sentido os passarinho e ao mesmo tempo ele disse: José você vai tirar o feixe de capim pro animal. Que lá tem um bananeiral, tinha muito capim de planta, a gente chama de pinga. Ai fui tirar o capim, negócio de 3:00 hora da tarde, 4:00 hora, fui tirar o capim. Quando desci o riacho, quando eu cheguei com o capim em cima, subi, tem aquela subida, batente, ai coloquei o capim em cima, tinha na cabeça, tinha ali assim uma distancia de uns dez metros, a nuvem de passarinho levantou. Vixe Maria! Agora sim. Mas sabe o que foi que eu fiz? Peguei o arroz, ele tava virado as avessa, eu fui cobrindo a casca do arroz. Cobri todinha. Tudo bem. Cinco, seis horas, os passarinho foram dormir, eu fui pra casa. O velho tinha ido pra rua, vender uma carga de venda, na cidade, em Crato. Quando vem a chuva, o arroz nasceu, mas onde o passarinho comeu num nasceu um pé. O velho foi olhar, chegou em casa, o véi era daqueles ignorante, era novo, eu chamo véi, mas era rapaz novo, era homem novo, em 1919, eu tava com cinco ano de idade. Quando me pegou pelo braço, meteu a peia, ai eu pulando, parecia um macaco, o mijo correndo. Ai minha mãe saiu de dentro, disse: o que é isso, Cassiano? Quer matar o menino, o que o menino fez? Esse cabrito sem vergonha deixou o passarinho comer o arroz todo. Ai se agarraram. Até que ele deixou, me soltou. Ela foi cuidar das minhas costa com água de sal. Chicote era de relho cru. Fiquei todo encalombado.
Num precisa se afobar desse jeito, dá no menino, tá todo arrebentado. Passou. Ele continuou pastorar o arroz, ai foi trabalhando e veio o inverno. Ai fumo trabalhando na roça, plantando cana, chegou a época do mês de abril, ai fumo pra plantação de cana. Eu tenho uma irmã, então tavam trabalhando plantando cana e tinha a minha irmã, que a gente saia de lá ia compra uma cachaça na Baixa, um sítio que tinha lá detrás da Baixa, comprava aquele tonel de cachaça, duas, três, pra vender naquelas festazinha, na beira de estrada, minha mãe fazia sempre um bolo de mandioca, de milho.
MURIÇOCA E O ALISTAMENTO MILITAR
Muriçoca- Aí eu me alistei quando cheguei, ele...
Salvino- Aí o rapaz do alistamento perguntou né, a idade.
Muriçoca- Três de setembro de 1913, ai me alistou, na hora que terminou, me deu três mil reis naquela época, eu fiquei todo cheio de vida, já sabia que os outros tavam recebendo, e eu naquele dia num recebi, porque se eu tivesse me alistado no outro dia, tinha sido mais três mil reis a mais, naquele dia eu perdi os três mil reis, aí fui pra casa, quando cheguei em casa a mãe ficou alegre, e chorando porque eu tinha me alistado pra ir pra guerra. Eu digo: não mãe, ninguém vai morrer não, se morrer ninguém nasce pra semente. Aí dei o dinheiro logo a ela, pra ela compra alguma coisa, um feijão, todo dia a gente tinha dinheiro, recebia os três mil reis, aí saía, comprava cigarro, quando, passou uns seis a sete dias, pra gente embarcar, aí eles deram a gente, eu tenho falado tanto, mas as vezes me esqueço do total x, parece que uns nove mil réis, é um negócio assim viu, eu sei que eu deixei uma parte de dinheiro em casa, e fui com outra, agora eu vim com o mesmo dinheiro, aí quando eu sai ela disse, meu pai, minha mãe: num precisa levar mais? Não, precisa não, nós temo. Aí viemo, ai vai chegar coisa boa, quando o trem desembarcou foi aquele choro, aquele pessoal chorando, que a gente ia tudo pra guerra, a família da gente e os conhecido, cidade pequena né, que naquele a chegada do trem e saída era assim, ninguém perdia uma saída do trem, e a chegada, era muito difícil, perder, só se não pudesse deixar aquilo ali, mas você ia assistir a chegada e a saída, e aí fui embora, apitando aquela maria fumaça, quando chega num certo ponto, o trem saía as duas e vinte da tarde, nessa hora mais ou menos mais tarde o pessoal: a galinha, coisa e tal, a galinha muito boa e tal. Então uns comprava, pagava, outros num queria, um camarada, colega meu Xavier e Zé Ferreira, aí Zé Ferreira mais danado: deixa ver. A primeira partida, a segunda, quando foi a da terceira ele disse assim: deixa ver ai menino. Ai: deixa eu ver o dinheiro logo. Tá aqui o dinheiro rapaz. Ficou puxando assim o (?), aí entregou o prato, quando entregou o prato: Ei, me dê o meu dinheiro. Ele botou a comida no chapéu, jogou o prato de ágata: Nós vamo pra São Paulo defender vocês. Não, mas meu dinheirinho o que vou fazer, o que é que vou dizer a mulher? As vezes tinha aquelas pessoa de melhor situação, fazia aquelas comida, pra botar aquelas menino, aquelas mocinhas, pra ir vender, ganhar um tostãosinho, dois, aquele negócio, e o desgraçado vem desse jeito ainda faz isso né, aí eu vi o outro fazer: vou fazer também, aí meti o pau, comecei a fazer, ai foi o resto da tarde, o outro dia quando amanheceu o dia, de nove horas pra dez horas, começavam a vender aquelas galinha, (?) até aqui pelo, no Otávio Bonfim, a gente fazia assim, fiz muito isso, acho que tou pagando certas coisa... ai quando chegamos aqui, descemo aí na estação e tocamo ali, eu num sei, eu tou achando, eu sei que tinha umas planta ali, eu tou achando eles tão fraco assim, de 1932, já tá plantado, 32 pra 98 é uma porção de ano né.
O CAMPO DE CONCENTRAÇÃO
Salvino – Os campos de concentração. Aí depois disso o inverno melhorou, como foi a família, a partir daí? (...) Sabe o que eu queria perguntar o senhor? Por mais que a gente é menino, a gente brinca de muita coisinha, a gente brinca até com sabugo que a gente acha. Qual era os seus brinquedos, quando era menino?
Muriçoca- Eu vejo esses menino, tudinho diz: ai que todo mundo, dia de pai, é dia da mãe, e dia de tudo e natal (...) Bom, você agora me tocou num assunto, que fez eu me lembrar das muitas coisas, que eu vejo todo menino hoje quando é natal, dia de festa, dia de ano, todo mundo quer carrinho, quer uma coisa e quer outra. Naquela época, os menino, a gente brincava muito era com aqueles ossos, os corredor de boi, naquele tempo o pessoal matava aquele boi, batia aqui no corredor e num cortava nem nada, soltava ai, batia aquela graxa, aquela gordura como chama o caboco mesmo, e acabar salgava lá e o cachorro iam roer, então a gente fazia, brincava daqueles touros, aqueles grande, era os touro, as mais magra, era as vaca, tinha os bezerrinhos, era a brincadeira daquele tempo, então tinha também aqueles (?), tinha aqueles mucunã, tinha aquelas (?), a gente tirava, fazia era o boi a vaca, jatobá, só dessas coisa né, era os brinquedo daquele tempo e as meninas era sabugo de milho, fazia aqueles negócio, era aquelas bonequinha, aquelas coisas, os pobres que num podia comprar nada né, os rico ainda comprava, tinha aquelas bonequinhas de louça, que os ricos comprava, hoje é tudo, rapaz, é bicicleta, é revolver, é metralhadora, é tudo, aquele negócio, essa rua aqui hoje, rapaz, é cheio de bicicleta, de motocicleta e o pessoal diz que o tempo tá ruim, por isso que eu fico com raiva, eu fico revoltado com isso. Tempo ruim, eu mesmo cheguei nessa rua aqui, dia 8 de março de 1938, eu entrei nessa rua, quem era que via, tinha um camarada que fazia uns tamborete ali na rua da Saudade, uma oficina que fazia aqueles tamboretes redondo, aquelas tábuas comprada no mercado, pra vender no mercado, aquelas mesinhas quadradas, ou então redonda, com aqueles tamborete pra vender, os tamborete era as mobília, hoje o sujeito é sofá de todo jeito, coisa e tal, quando o bicho tá furado nem manda mais consertar, joga é no mato, toca fogo e eu fico olhando isso, ainda diz que o tempo é ruim, nessa época agora é a época que o povo mais como galinha, que é era difícil sujeito comer galinha, apesar de num ser galinha de granja, mas nessa temporada que eu entrei aqui, tinha o pessoal que viajava de trem, comprava aquelas galinha no interior, galinha caipira mesmo, a caipira que passou pra capital, chama galinha pé duro, então, tinha um senhor ali por nome Fernando, que era um bagageiro e o Cangulo também, que era guarda-freio, (?) maquinista, aqui morava muita gente (?) tinha pressa, tinha só que pular o muro, tava dentro do serviço, então, eles trazia as coisa, as coisa de casa, chegava, num passava nem ali no portão, era só jogando no portão e o pessoal pegando, (?) maquinista, (?), só aquele pessoal, eu trabalhando de sapateiro aqui, na trezentos e vinte e oito ali, isso na época de quarenta, 4 de outubro de 1940, mudei pra essa terra em 28.
Salvino – O que eram os magarefes?
Muriçoca – É o pessoal que corta carne, os açougueiros; pessoal que trabalha em carne, açougue, são os magarefe.
Salvino – O senhor falou da legião, que legião era essa?
Muriçoca – A Legião Cearense de Trabalho, foi uma organização que houve naquela época que o comandante diretor era o Tenente Severino Sombra, e tinha aqueles dois movimento, era a Ação Integralista Brasileira e a Legião Cearense do Trabalho.
Salvino – Elas eram ligadas uma a outra?
Muriçoca – Não. Eram inimiga, eram contra. O integralismo, era parte do Hitler da Alemanha e eu como solteiro, esse padre Antônio Gomes, que eu falei, eu ia trabalhar de manhã todo bonito, e ele me convidava pra eu deixar de ser legionário pra ingressar na Ação Integralista Brasileira, que um rapaz novo, forte, ia estudar no ginásio e mais tarde eu me tornaria um oficial do exercito brasileiro e era outro homem, ai eu respondia: “padre Antônio, não, eu quero ficar mesmo como Legião Cearense do Trabalho, sou operário pobre.”
Salvino- Você tava se mudando pra casa do cunhado.
Muriçoca- Mudamo pra lá quando surgiu na época os entegralistas.
Salvino- O senhor da padaria e o ministro era entegralista também ou não?
Muriçoca- Se era eu num sabia não, num tinha conhecimento não, nunca ouvi nem falar esse negócio de política. Tinha um amigo meu, era rapazote, trabalhando em olaria, carregando tijolo, essas coisa de jumento e tal, o Edmundo, ele foi também aprender arte de sapateiro etc. depois veio pra cá pra Fortaleza, sentou praça na polícia, e quando surgiu o movimento dos entegralista, aquela revolução, Plínio Salgado, aquele movimento todinho e os comunistas...
Muriçoca- Aí ela se atuou, pegou lá um mestre e fizeram aquela prece em mim e rezaram. Nessa noite eu já fui dormir. Ela mandou fazer um caldo pra mim, passei o dia melhor, fui melhorando e fiquei continuando. No outro dia ela veio em casa, depois eu já fiquei indo na casa dela. Ela morava pertinho, tem a saída ali, quando chegar onde tem aquela subida que você entra pra lá, tem uma rua, que hoje tá tudo modificado mas era uma casinha beira-e-bica, calçada alta, ela morava ali: “o senhor vai lá pra casa, pode ir?” Eu digo: “vou.” Aí eu sai me arrastando. Nesse tempo eu trabalhava de sapateiro, tinha uma calça de mescla cortada, suja de tinta, cola, grude e tudo, de limpar as mão. Ela disse: “você vai onze hora, que é o tempo que o João vem da estação.” O marido dela era carreteiro e trabalhava na estação, pegava aqueles volume, que tinha um trem chegando de Baturité, disse: “João tá aqui pra prestar atenção na casa.” Era uma parada, ninguém podia fazer esse negócio não, que a polícia batia em cima. Eu fui pra lá, e coincidiu que nesse dia, era um dia 7 de setembro, (...) ela tinha vindo da parada, eu tava sentado na calçada alta, casa dela é calçada alta, com as perna dependurada, ela com um pano amarrado na cabeça, quando foi me avistando: “vixe Maria, que é isso!” Logo na minha porta. Ela era uma preta velha, num era dessas dos cabelo muito enrolado, mas também num era muito solto não, era dos cabelo meio duro. Aí eu disse: “é dona Amélia, eu tou aqui, mas se a senhora acha que num tá dando certo, eu vou-me embora.” Ela disse: “não, pode ficar, eu num tou dizendo isso com o senhor não, seu Zé Cassiano, ave Maria, num se incomode com isso não.”
Muriçoca - Ator
Salvino- Nessa peça qual foi seu papel? Quando você entrou em cena?
Muriçoca- Eu num tô lembrado qual foi a peça, eu sei que eu fiz um detetive, parece que foi essa que ele botou “Muriçoca em Cena” fazendo detetive, mas num tô lembrado qual foi a peça, essa eu num decorei. Aí lá vem o convite pra gente..., quer dizer, já fizemo Maranhão, aí esse convite já foi em Recife, aí num fumo mais em Recife porque pouco tempo foi debandado, todo mundo preso. Aí ficamo no Theatro José de Alencar fazendo umas peçazinha e tal. Aí foi o tempo que o Gusmão adoeceu, ele era diabético, num se tratava e bebia, comia a toa, morreu magrinho, Domingos Gusmão de Mendes, um grande escritor, escrevia bem no Jornal Diário do Povo. Eu tinha uns jornais desse aí mas eu perdi muita coisa. Quando eu entrei no Theatro eu comecei a juntar aquelas papeletas, aqueles reclame, aquelas propaganda, e quando seu Afonso se aposentou ele disse: “Tá aqui Muriçoca, você gosta dessas coisas e eu vou me aposentar, num vou precisar mais disso, tu guarda, fica pra ti essa lembrança, tu gosta disso.” Aí guardei o que eu vinha juntado e o que o seu Afonso me deu, coisa antiga, aquelas peças antigas que veio do Procópio Ferreira, vários artistas, cantores, Vicente Celestino, eu guardei lá.
Os pais
Muriçoca- (…) Eles foram criados órfãos de pai e mãe, que eu já contei, mas numa fazenda da família Teles, o sítio por nome de Riacho Seco no município do Crato. Lá eles cresceram e foram indo, se namoraram. Tinha uma velha por nome Genoveva, na casa, assim eles me contaram depois, era a governanta da casa, era toda a confiança da família, a casa era numa fazenda, num sítio e ela tomava de conta de todo mundo. Então ela notou que eles estavam se namorando, aí perguntou a meu pai e a minha mãe, aí ele disse: “é, eu estou, quero me casar com ela.” “Pois é, então, vou dizer seu Odorico e a dona Mandú.” Que era os donos da casa. “Tá certo.” Aí ela contou a história a eles, eles disseram: “tá tudo bem.” Ai, tava na época da moagem, quando terminou a moagem, que acabou aquele serviço, aí ele foi, pediu pra vir ganhar um dinheirozim, porque lá, naqueles tempos, naqueles anos passados, quando terminava aquele serviço, eles saíam no interior, ali por Ingazeira, Aurora, Missão Velha, Cedro, trabalhando naquele roçado, quebrando milho, apanhando algodão. Então foi e saiu, trabalhando aqui, acolá, até que veio chegando, chegando... Agora, num me recordo bem se nessa época o trem... parece que só vinha até Baturité ou era Senador Pompeu, mas parece que era até Baturité, é tanto que o nome da estrada de ferro antiga é estrada de ferro Baturité, hoje passaram pra Reviação Cearense, depois passou pra Refesa e CBPU (SIC).
Encontro com Daniel Filho (Ator e diretor)
Muriçoca - Daniel Filho, era o diretor do filme, que eu me orgulho muito de ter tido lá um personagem num filme dirigido por Daniel Filho, ele gostava muito do Theatro, quando chegou lá tava a Iramiza Serra, aí ele perguntou: “quem é aquele rapaz acolá?” Ela disse: “é o Muriçoca.” Ele disse: “eu queria falar com ele.” Ela disse: “Muriçoca, o Daniel tá lhe chamando!” Naquela época ela era diretora do Theatro. Ai ele disse: “rapaz, é possível você trabalhar com a gente num filme?”
Memórias do campo de concentração
"Alguns desses guardas eram, inclusive, ex-concentrados, que devido ao “bom comportamento” ou outro motivo que desconheço, conseguia esta promoção. Meu tio, o seu Muriçoca, o qual acho que você conheceu, pois era muito popular em Fortaleza, por ser o porteiro do Teatro José de Alencar; foi guarda do Campo de Concentração do Crato. Esperto como era, além de ter um carisma inconfundível, titio com sua magreza aguda conseguiu driblar as autoridades. Fugindo da seca, ele se alistou para lutar na Revolução Constitucionalista de 1932, em São Paulo. Ao retornar para o Ceará, mais especificamente para o Crato, ele tratou logo de vestir sua elegante farda. Impressionado a todos, pois um homem fardado naquela época passava a idéia de respeito e autoridade. E, assim, conseguiu ser guarda em vez de concentrado. Que saudades dele! Que Nosso Senhor Jesus Cristo cuide bem de titio Muriçoca!"
(Personagem fictício criado para narrar à história real dos Campos de Concentração, tendo como base o livro “Campos de Concentração no Ceará – Isolamento e Poder na Seca de 1932”, da professora do Departamento de História da UFC, Kênia Sousa Rios.)
Jornal OPovo - 22 de Dezembro de 2003
Morre funcionário mais antigo do TJA
O tradicional porteiro do Theatro José de Alencar, José Cassiano da Silva, mais conhecido como Muriçoca, faleceu na madrugada de ontem vítima de uma infecção
Uma despedida simples, calorosa, emocionante. Assim como foi o homenageado, José Cassiano da Silva, 90, o seu Muriçoca, figura tradicional do Theatro José de Alencar (TJA) e o mais antigo funcionário. Ele faleceu na madrugada de domingo, às 3h10min, na Casa de Saúde São Raimundo, vítima de uma infecção. O corpo foi velado na sede da Secretaria da Cultura do Estado (Secult), no Meireles, no início da tarde de ontem, com a presença de parentes, amigos, funcionários do TJA, artistas e políticos. Mas o acolhimento não podia deixar de ser no próprio Theatro, onde ele foi funcionário por quase quatro décadas.
Ao som do saxofonista Elismário, que interpretava composições de Vila-Lobos, gente amiga pôde prestar a homenagem, com a presença da diretora do TJA, Eliza Gunther. Gente que não era tão próxima de Muriçoca também compareceu. Com a instalação de uma feira de ambulantes na porta do Theatro, além da reforma da Praça José de Alencar, o movimento foi intenso.
Para o diretor de Theatro, Haroldo Serra, Muriçoca vai chegar ao céu com a intensão de fazer um acordo com São Pedro, que fica na portaria e recebe quem está chegando. O posto deve ser dividido agora com o novato, educado e vestido com um paletó. ''Meu pai era uma pessoa muito boa, muito querida. Fez muitas amizades na vida'', constata o único filho, Valdizar da Silva, 67.
O corpo de Muriçoca foi enterrado no fim da tarde de ontem em um túmulo da família. O cemitério São João Batista, localizado no Centro, fica em frente a casa onde ele sempre viveu ao lado da esposa, Dona Lindu, 88 anos. ''Não deixei minha mãe ir até o Theatro, era emoção demais'', conta Valdizar. Ele acrescenta que o pai vinha sentindo problemas no estômago há algum tempo, além de complicações em uma cirurgia que fez na próstata. O quadro de saúde foi se agravando e levou a uma infecção. Ele tinha duas netas.
''Não tenho palavras para homenagear meu irmão, o melhor irmão do mundo. Se pudesse sair gritando, diria bem alto: muito obrigada'', disse a irmã caçula de Muriçoca, Francisquinha Cassiano. Além dela, são mais quatro irmão vivos. Para o deputado estadual Chico Lopes, presente ao enterro, a cultura cearense perdeu um ativista popular. ''Muriçoca estava lá, nos carnavais da Praça do Ferreira, Guilherme Rocha... O Theatro José de Alencar perde uma figura. Mas a vida tem dessas coisas'', considerou o deputado.
''Era uma figura ímpar. A frase que ele mais gostava era 'seja bem vindo e sinta-se em casa'. Tinha amizades boas no meio artístico, junto a comunidade, entre os políticos. Tinha um quê de alma boa, apesar de ser humano e também ter defeitos. Não reclamava da vida mesmo doente e continuava trabalhando. Continua uma lenda, uma história, a partir do nome dele'', declarou o diretor teatral e ex-administrador do TJA, Fernando Piancó. Na despedida do Theatro, muitos aplausos para o eterno porteiro Muriçoca.
Portal da História do Ceará:
2003 - dezembro - 21 - Morre na madrugada, às 3h10min, na Casa de Saúde São Raimundo, vítima de uma infecção, aos 90 anos de idade, José Cassiano da Silva (Muriçoca), figura popular, elegante, usando gravata borboleta, um dos mais conhecidos e queridos personagens que passaram pelo Teatro José de Alencar - TJA.
Recebeu o apelido após comentário sobre o inseto em 1961.
Em 1932, quando se alistou para servir nas Forças Provisórias, durante a Revolução de 30, veio do Crato para Fortaleza e teve o teatro como primeira casa na Capital, que funcionava como quartel na época.
Foi cobrador da Sociedade dos Merceeiros; em 1965 ele passou a atuar no TJA, como contra-regra, por influência do diretor de teatro Domingo Gusmão de Lima.
Em 1973 foi nomeado funcionário do teatro.
Depois deixou de ser contra-regra e passou a recepcionista de espectadores e visitantes.
Seu corpo foi velado no Palácio da Abolição.
Seu cortejo passou pelo Teatro José de Alencar, onde houve uma homenagem e de lá seu corpo seguiu para o Cemitério São João Batista, localizado no Centro, em frente a casa onde ele sempre viveu ao lado da esposa, onde foi sepultado no final da tarde.
Créditos: OPovo, Ceará Cultural, Portal da História do Ceará, MIS e pesquisas na internet