Montese: 64 anos de história
Após a II Guerra Mundial, que impactou fortemente o país, alguns bairros da cidade mudaram de nome, entre eles a Pirocaia e o Açude do João Lopes...
Colégio Filgueiras Lima
Imagine-se trafegando pela congestionada Avenida Prof. Gomes de Matos e num passe de mágica fosse possível viajar no tempo e retornar a 64 anos atrás. O viajante, desavisado, talvez imaginasse a cena de um bairro com algumas casas, poucos estabelecimentos comerciais e quase nenhuma movimentação. Engana-se quem pensou assim. Na verdade, o que ele iria encontrar mais se parecia com a realidade interiorana, com inúmeras manadas de gado, tráfego de carros de boi e jumentos carregados com mantimentos de água seguindo em várias direções. Ao redor, havia ainda poucas habitações, mas, desde o início, o bairro já era um corredor de acesso ao comércio: a Estrada do Gado, como era conhecida a atual Av. Prof. Gomes de Matos, era rota constante dos criadores destes animais que passavam por ela até chegar ao famoso matadouro do Otavio Bonfim. E foi exatamente neste cenário que se constituía a antiga Pirocaia, ou o atual Montese.
Instituto Montese
Naquela época, o local era conhecido devido à qualidade e quantidade de reservas de água potável, bastantes disputadas, já que os recursos de manejo deste mineral eram escassos. O produto era vendido em toda a cidade através de tonéis de madeira, sobre carroças puxadas por burros. “Essa água era consumida por toda a população de Fortaleza e isso acontecia muito antes da vinda dos serviços da Cagece. Eu mesmo consumia água retirada de cacimbas abertas localizadas no meu próprio quintal.”, afirma Raimundo Nonato Ximenes, de 87 anos – o mais antigo morador e fundador do Montese.
Caldeirão em ebulição: estrada de gado, em 1950, hoje o Montese ferve durante o dia, com agências bancárias e diversos serviços, atraindo gente de todas as áreas da cidade
É um dos mais povoados de Fortaleza, com uma população estimada em 70 mil habitantes, embora o Censo 2000 do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) só registre 26 mil pessoas. "Não há mais espaço", afirma Raimundo Nonato Ximenes, considerado o fundador do bairro. Em seu livro "De Pirocaia a Montese", ele alerta que a especulação imobiliária toma conta de tudo e acaba com o lazer da comunidade. Ximenes afirma que o local começa a se verticalizar e as "pessoas a se trancarem em condomínios. Vivemos entre o aeroporto e os espigões. Resultado de nossa época", lamenta.
Quando o bairro mudou de nome
Após a II Guerra Mundial, que impactou fortemente o país, alguns bairros da cidade mudaram de nome, entre eles a Pirocaia e o Açude do João Lopes, que atualmente se chamam Montese e Monte Castelo, respectivamente.
Oriundo do tupi, Pirocaia significa a Aldeia dos Pele Queimada (Pira = pele; Oka = moradia; Caia = queimada), sendo a primeira nomenclatura do bairro. E foi do dr. Ximenes a iniciativa para a mudança do nome. Ele, na época cabo do 23º Batalhão de Caçadores da Força Expedicionária Brasileira - FEB, não embarcou para a Itália, e nem retornou para Groaíras, sua cidade natal, permanecendo em Fortaleza e aguardando o final do confronto. “Foi quando fiquei sabendo da batalha ganha pela FEB, cuja conquista foi à cidade italiana de Montese que permanecia sob o domínio Alemão. Essa conquista, realizada em 14 de Abril de 1945, ficou conhecida como Batalha de Montese”, lembra Ximenes. E complementa emocionado: “A inspiração para o nome desse bairro veio juntamente com o sentimento de gratidão à bravura dos 25 mil brasileiros que combateram naquela Guerra”.
Nestes 64 anos, afirma Ximenes, ocorreram muitas mudanças no bairro, uma delas foi à pavimentação com pedra tosca da atual Av. Gomes de Matos, na década de 60. “Outro grande feito foi a chegada do asfalto, em 1968, na mesma época em que houve a mudança no nome da avenida, que já tinha deixado de ser Estrada do Gado e Av. 14 de Julho e passou a possuir o atual nome”, explica o historiador. Seu significado é em homenagem ao professor e jurista cearense, Raimundo Gomes de Matos.
“Ah! Mais aqui também teve coisa ruim”, lembra o Ximenes. Um acidente envolvendo um jato da Força Aérea Brasileira, ocorrido no dia 22 de junho de 1967, resultou na morte de 12 pessoas e deixou 35 feridos, abalando toda a comunidade. “Acho que ninguém se esqueceu daquele momento, mas depois disso, creio que aqui não tenha tido outras tragédias não”, complementa.
Em relação ao desenvolvimento industrial e comercial do bairro, uma empresa de redes foi uma das primeiras instaladas no Montese. Hoje, a Santana Textiles, como é conhecida internacionalmente, chegou ao local na década de 70, como uma pequena empresa de fabricação de redes e fios. Atualmente, a empresa possui duas fábricas na cidade de Natal (RN). A cidade de Horizonte (CE), Rondonópolis (MT) e a Argentina contam com uma filial cada uma. Com mais de 2.200 funcionários, a empresa pretende, agora, abrir outra filial no Texas, nos Estados Unidos. “Somos a maior fábrica de jeans do Brasil”, comemora Raimundo Delfino, fundador da empresa.
Devido à especulação imobiliária e comercial presente na localidade, afirma Ximenes, grande parte dos moradores vendeu suas casas. “É por isso que a gente ver poucas residências, a maioria são lojas”, acrescenta. Assim, o bairro cresceu e descobriu sua vocação para os negócios, acabando por englobar as regiões vizinhas que hoje fazem parte do Grande Montese, como já foi citado.
Um pouco mais do Fundador
Dr. Raimundo Nonato Ximenes, escritor e poeta
(Fonte: Foto extraída do livro "De Pirocaia a Montese - Fragmentos Históricos")
Raimundo Nonato Ximenes, o dr, Ximenes, nasceu em Groaíras no dia 15 de janeiro de 1923.
Filho de José Alves Ximenes e Jandira Rocilda Cavalcante. Foi agricultor até os 21 anos em sua terra natal. Em setembro de 1944, foi convocado para o Serviço Militar, tendo sido incorporado no 23º Batalhão de Caçadores, em Fortaleza, a partir de 1º de novembro. No dia 7 de abril de 1945, foi julgado apto para integrar-se à Força Expedicionária Brasileira (FEB). Mesmo com o fim da guerra permaneceu no Exército, licenciado, depois, por conclusão de tempo, na graduação de cabo. Em dezembro de 1948, casou-se com a parenta Libênia Feijão Ximenes, com quem gerou uma prole de sete filhos, 23 netos e cinco bisnetos.
“Naquela época meu desejo era ir embora para o sertão e encontrar minha noiva, mas aí preferi ficar e me casei com ela em 48. Estamos juntos até hoje”, comenta aos risos.
(Fonte: Foto extraída do livro "De Pirocaia a Montese - Fragmentos Históricos"
Flagrante da entrega do Título de Cidadania Honorária de Montese/Itália, no dia 14 de abril de 2003, na sede da Associação Nacional dos Veteranos da FEB, em Fortaleza, vendo-se da esquerda para a direita: o vereador (conselheiro) Ancelmo Uguccioni; Raimundo Nonato Ximenes (de óculos escuros), filho natural de Groaíras; Paulo Monari (assessor) e o dr. Luciano Mazza, prefeito municipal da cidade de Montese/Itália.
Após estudar na Faculdade de Farmácia e Odontologia, da Universidade Federal do Ceará (UFC), dr. Ximenes graduou-se em Odontologia em 1963. Morador do Montese há 64 anos, ele preserva a história de sua comunidade através de pesquisas, estudos e livros, como “Montese, Crônicas e Memórias“ e “De Pirocaia a Montese – Fragmentos Históricos”. Em suas obras são encontrados fatos cronológicos da região, além de fotos e reportagens dos jornais da época.
Faz parte da Associação Cearense de Imprensa (ACI) e da Associação Cearense dos Jornalistas do Interior (ACEJI),tendo sido seu presidente no período de 1971 a 1973.
Tem inúmeros trabalhos publicados, sendo integrante da Antologia de Autores Cearenses, Edição de 1997. Em 1998, publicou a primeira edição de "Montese -Crônicas e Memórias".
De Groaíras, desembarcando na Pirocaia
Deus me deu por moradia
Neste bairro um bom lugar
Pra ficar com a família
E ver tudo prosperar.
Da Pirocaia eu teria
O seu nome que mudar
Assim Montese nascia
Ocupando o seu lugar.
Raimundo Ximenes e a esposa, Libênia, residem em uma casa com quintal na Av. Gomes de Matos.
Ximenes resiste às ofertas de empresários para vender sua casa, com um quintal imenso, em plena Avenida Gomes de Matos. É um verdadeiro sítio, com mangas, cajás, caju, coco, carambola e, por incrível que pareça, muita paz. "Aqui eu recomecei a vida, depois da guerra, constitui família e só sairei para o cemitério", afirma enquanto pede para que a esposa, Libênia, fique perto dele para tirar fotos. "Estou desarrumada", desconversa ela. "Que nada, você é linda por natureza", elogia Ximenes.
Fonte: Jornal O Estado, Wikipédia, Vicente J. Rodrigues, Diário do Nordeste
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