Alfredo Salgado aos 85 anos - Foto de 1º de Setembro de 1940 - Arquivo Carlos Alberto Salgado
Reportagem de Marciano Lopes de 02 de Outubro de 1988
Itapuca Villa - Da Glória à decadência
Quem avança pela Rua Guilherme Rocha, no rumo da Jacarecanga, logo ao ultrapassar a Praça da Lagoinha, precisamente entre as Ruas Princesa Isabel e Thereza Christina, depara-se com uma grande mansão em estado decadente. E pela grandiosidade da construção, muita gente tem curiosidade de saber a quem pertencia aquela residência, porém, a maioria das pessoas, habituadas a passar todos os dias pelo local, já não repara no casarão, não demonstra interesse de saber quem o construiu, muito menos desde quando está desativado.
A mansão a que nos referimos é a Itapuca Villa, de Alfredo Salgado, que, ao tempo de sua construção, era o maior prédio da cidade, sendo vista de todos os ângulos da provinciana capital cearense, então carente de edifícios de maior porte.
Alfredo Salgado era uma figura notável da então sociedade de Fortaleza. Elegante no vestir e nas maneiras finas, estudou em escolas superiores da Europa e falava fluentemente o francês, o inglês e o alemão, línguas que naquela época, eram usadas tanto no trato social quanto no comercial, porquanto todas as transações de negócios eram efetuadas com a França, a Inglaterra e, principalmente, com a Alemanha.
Alfredo da Rocha Salgado, era filho do português Francisco Luiz Salgado que, aqui, chegou nos meados do século passado, montou casa comercial e casou com Virgínia da Rocha, que ficou viúva quando o seu marido contava apenas 43 anos e teve de assumir a direção da firma que mudou a razão social para Viúva Salgado, Sousa & Cia. Dando assim prosseguimento ao negócio do marido. O estabelecimento ficava situado na Rua da Boa Vista (hoje Floriano Peixoto), esquina, lado sul com a Rua da Assembléia (atualmente São Paulo), sobrado onde esteve a Fênix Caixeiral, a Casa Bordalo, mais tarde o Banco do Brasil e, transformado o Banco de Crédito Comercial, agora encampado pelo Bradesco.
Filho de Francisco Luiz e Virgínia, Alfredo nasceu no dia 1º de Setembro de 1855 e enquanto viveu foi um dos mais legítimos líderes do comércio do Ceará. De idéias avançadas e empreendedor, deu grande impulso ao mundo dos negócios de nossa terra e, aqui, instalou a primeira prensa hidráulica para o enfardamento de algodão, no Ceará.
Alfredo iniciou suas atividades trabalhando como intérprete comercial nas três línguas que dominava com perfeição, cargo para o qual foi nomeado no dia 23 de novembro de 1875. Foi guarda-livros do estabelecimento de sua genitora e, em 1878, passou a trabalhar na organização britânica popularmente conhecida como Casa Inglesa, que tinha matriz em Liverpool.
Em 1882, foi liquidada a filial local, cabendo a seus antigos empregados, Alfredo Salgado e George Holderness a liquidação da referida sucursal, sendo criada então nova razão social com o nome de Holderness e Salgado, girando mais tarde sob a razão, Rogers & Cia e, a partir de 1º de Fevereiro de 1921, com a denominação de Salgado, Filho & Cia.
De formação calçada em grandes centros europeus, Alfredo Salgado era um homem refinado. De muito bom gosto, sua educação e elegância eram motivos de comentários em todas as rodas sociais da então pequenina cidade de Fortaleza.
Sempre vestido de branco, era "elegante de porte e esmerado no trajar", como escreveu Raimundo Girão, que completou: "...cavalheiro nas atitudes, destacava-se a sua pessoa onde quer que estivesse , motivo porque o compararam , e bem, a um jequitibá frondoso e altaneiro na vegetação circundante. Assim na rua, no seu escritório, nos salões e até na intimidade de sua bela mansão - A Itapuca Villa...".
Alfredo Salgado casou-se duas vezes, sendo a primeira com Alexandrina Smith Ribeiro, filha do médico Joaquim Alves Ribeiro e Adelaide Smith de Vasconcelos, e a segunda, com Estefânia Nunes Teixeira de Melo, filha de Antônio Teixeira Nunes de Melo e Maria Firmina Nunes de Melo, neta, pelo lado paterno, do Barão de Santo Amaro - Manuel Nunes de Melo - Português, comerciante em Fortaleza.
Homem de muitas posses e muito bom gosto, fez construir em 1915, sua bela mansão - Itapuca Villa - Na então Rua Municipal (Hoje Guilherme Rocha), inspirada nas mansões da Índia. De formato quadrado, tem piso térreo e piso superior, ambos contornados por amplas varandas. Quase a totalidade dos materiais empregados na construção, foram trazidos do exterior, inclusive as madeiras nobres que, ainda hoje, não obstante o abandono do casarão, estão em perfeito estado de conservação. A propósito, as madeiras predominam na obra, sendo de madeira todas as varandas (inclusive os pisos). De soberbas proporções, a Itapuca Villa ocupava quase toda a quadra compreendida entre as ruas Municipal (Guilherme Rocha), Trincheiras (Liberato Barroso), Princesa Isabel e Thereza Christina. Nas primeiras décadas do século, eram famosos os jardins da chácara, toda contornada de altas grades de ferro com acabamento em ponta-de-lança e o suntuoso portão social simetricamente colocado na parte da Rua Municipal. Na parte da Rua Princesa Isabel, ficava a garagem das carruagens e tílburis que serviam de transporte para ele e para seus familiares, veículos que circularam pelas ruas de Fortaleza mesmo quando os automóveis já eram umas constante. Era uma maneira de dar continuidade aos costumes aristocráticos de uma época que começava a desmoronar.
Itapuca Villa, nos seus tempos de opulência, sob a vigilância do austero jardineiro europeu nos Anos 40 - Arquivo Marciano Lopes
Arquivo Carlos Alberto Salgado
Apesar de homem abastado, Alfredo Salgado, foi abolicionista dos mais ardorosos, pois sempre fez questão de integrar os movimentos que visavam as causas nobres. Junto com outros abnegados, fundou a afamada sociedade "Perseverança e Porvir", em 1879, sob cuja inspiração veio a formar-se a "Cearense Libertadora", que batalharia e levaria até o fim a luta vitoriosa da emancipação dos escravos em nossa terra.
Rua Guilherme Rocha nos anos 40. Bonde em frente a Itapuca. Marcos Siebra |
Entrada da Itapuca. O piso é de pedras portuguesas vindas da Europa
- Arquivo Carlos Alberto Salgado
Nos jardins da casa. Vê-se claramente o Manneken Pis (garoto a urinar) e mais adiante, o pluviômetro (*) (Trazido da Europa) - Aparelho que serve para medir a quantidade de chuvas. No fundo à esquerda, um banheiro privativo de Alfredo Salgado, com caixa d'água própria - Arquivo Carlos Alberto Salgado
Aminta Salgado - Filha de Alfredo Salgado, nos jardins da Itapuca
- Arquivo Carlos Alberto Salgado
Desde 1947, quando morreu o grande vulto da vida cearense, há portanto , 41 anos, que a Itapuca Villa se encontra fechada e decadente, pois desde então, ninguém mais residiu ali, exceto vigias contratados pelo novo proprietário. Loteada em grande parte , teve até uma rua cortando - entre as ruas Princesa Isabel e Thereza Christina - a outrora nobre moradia que, agora se encontra sufocada entre residências que nada têm a ver com suas aristocráticas linhas arquitetônicas. Abandonada, escura, mutilada, portas e janelas quebradas, o mato substituiu os outrora bem cuidados jardins que deliciavam a visão de quem transitava pelo trecho.
Itapuca como se apresenta agora - O mato encobre a casa em ruínas e o varal é uma bandeira de pobreza nas roupas da família vigilante - Arquivo Marciano Lopes
Mesmo no estado em que se encontra, se houvesse interesse, a Itapuca Villa poderia ser salva, pois é uma construção feita para resistir aos séculos. Todavia, nunca houve interesse do governo do estado ou da prefeitura de Fortaleza para proceder o tombamento daquela propriedade que conta um pouco da história cearense. Não temos a pretensão de exigir que o governo ou a prefeitura recuperem toda a área original, mas, pelo menos o espaço ocupado pela mansão e pelo o que restou do jardim. A aristocrática residência, após passar por reforma, poderia abrigar uma entidade cultural, quem sabe, até poderia sediar o conservatório de música Alberto Nepomuceno, coitado, com sua gente aflita há tanto tempo, devido às ameaças de despejo por parte da UFC, que pretende recuperar o prédio ocupado pela escola de música estadual.
Fica aqui a ideia. Salvemos enquanto é tempo a casa de Alfredo Salgado. Pois quando as picaretas começarem a destruição, aí sim, será tarde demais e não vai adiantar jornalistas fazerem reportagens e poetas fazerem poesias e políticos demagogos fazerem comícios. Pois o mal estará consumado . Como tem acontecido seguidamente, ano após ano, na sistemática destruição do nosso patrimônio arquitetônico.
Vamos salvar a Itapuca Villa enquanto ainda é possível!
e histórica Itapuca! :(
Quero destacar aqui a observação de Marciano:
"Deixamos de mostrar fotos do interior da Itapuca, pois a família que ali reside, recebeu a reportagem com estupidez e não permitiu que fossem feitas fotos da fachada, pois segundo eles, seriam punidos pelo proprietário, que proibiu qualquer acesso de jornalistas e fotógrafos. As fotos do exterior que apresentamos aqui, foram feitas à revelia."
Ou seja, só foi possível colocar todas essas fotos na postagem, devido a gentileza e delicadeza de um homem - Carlos Alberto Salgado Pettezzoni de Almeida - Neto do ilustre Alfredo Salgado.
Todos os créditos vão para ele, que gentilmente me mandou todo o material necessário para essa e outras postagens que ainda farei sobre Alfredo Salgado e sua importância para o nosso Ceará.
Itapuca Villa já sofrendo com o abandono.
A foto é do final dos anos 80, do grande Maurício Cals.
Em 1989, começa a retirada do telhado e das madeiras da tradicional casa construída por Alfredo Salgado. Na época, a casa já havia sido vendida para a Sra Luíza Zélia Farias. A demolição não prosseguiu, pois a mesma não havia entrado com o pedido oficial de demolição junto à Secretaria de Planejamento Urbano e Meio Ambiente do Município (Splan), sendo a ação suspensa com base no Código de Obra e Postura do Município e na Lei de Uso e Ocupação do solo, que determina a exigência de autorização prévia do setor competente. A proprietária teve então que aguardar a autorização.
Somente em dezembro de 1993, a Itapuca foi completamente demolida. :(
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(*) "Às vezes, o governo pedia o volume recolhido para avaliar o índice pluviométrico"
Carlos Alberto Salgado
Saiba mais sobre a Itapuca Villa AQUI