Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

terça-feira, 28 de junho de 2011

Padaria Palmeira - História como memória


Imagem meramente ilustrativa

Em caminhadas matinais pela Av. Beira Mar, encontro sempre entre os caminhantes o Sr. José Paiva Sequeira, português saudosista, acompanhado por seu dedicado filho Sérgio, que faz por obrigação esse exercício para quem tem 91 anos de idade e mantém perfeita lucidez, embora tudo isso com certa dificuldade de audição.



Quando abordado, relembra os anos 40, da Padaria Palmeira, situada na rua Guilherme Rocha com rua Senador Pompeu, e, diz que o proprietário português Albano, dizia ter grande inclinação para poesia e recitava de sua autoria a quadrinha que freqüentemente recorda: ´A Padaria Palmeira / Tirou o primeiro lugar / Fornece pão à Marinha /E ao Colégio Militar / E, mais de duas mil família / Em casa particular...´

Aliás, diziam que o dono da Padaria Palmeira - Sr. Albano, gostava de declamar versos exaltando sua casa comercial, fazendo alusão aos produtos por ele fabricados, com reclames em letras garrafais, lembrando com alguns dizeres formando slogan: ´Os melhores productos de panificação são os da Padaria Palmeira´; ´Fabricação especial de biscoitos, bolachas, tijolinhos de goiaba, banana e côco´. ;´O melhor café que se bebe em Fortaleza é da Palmeira, moído no balcão a vista do freguez...´ ;´A cútis fresca e louçã, quem quer que possuí-la queira, é tomar toda manhã o puro Café Palmeira´.

A Padaria Palmeira entronizou um Santo Antônio de Lisboa, colocando-o na parte mais visível da padaria, onde prendia a atenção dos fregueses que ali se abasteciam dos produtos por ela fabricados. Era de singular importância e motivo de constante atração dos fregueses que depositam suas esmolas no pequeno cofre abaixo do nicho, principalmente por moças, solteironas ou balsaqueanas a implorar Santo Antônio de Lisboa em comovente exaltação intima, deixando transpirar os rogos a quem dela se aproximasse no pequeno santuário, cuja iluminação refletia nos rostos dos então desamparados do amor.

Um outro espaço

O grande historiador, memorialista e escritor Mozart Soriano Aderaldo, em Historia Abreviada de Fortaleza e Crônica sobre a Cidade Amada, às fls. 168, narra também a existência de um outro Santo Antônio, no prédio da rua Castro e Silva n.º 101 - hoje Edifico Ventura, com oito pavimento, construído pelo português Julio Ventura e vendido, pouco depois, a Carlos Jereissati. Frente principal para a rua Castro e Silva, com três portas para a rua Major Facundo. Em 1845, no local do Edifício Ventura, existia uma casa habitada por Dr. Pompeu, Diretor do Liceu.

Esta antiga casa foi ocupada por esse Dr. Pompeu passou depois à propriedade de Frederico Dias da Rocha casado com Umbelina Pontes, tio paterno do naturalista Francisco Dias da Rocha, pai de D. Maria de Jesus Dias da Rocha Girão, esposa do eminente civilista conterrâneo Dr. Eduardo Henrique Girão, antigo professor da Faculdade de Direito do Ceará.

Ainda em Historia Abreviada e Crônica sobre a Cidade Amada, D. Maria de Jesus lembrava-se de quando seu pai adquiriu essa casa, há uns cem anos passados, para instalar seu estabelecimento comercial de secos e molhados, vindo do prédio da esquina nordeste da mesma rua com a rua Senador Alencar, onde se instalou a loja ´A Capital´, vizinho do irmão comerciante Joaquim Dias da Rocha, primeiro membro da família portuguesa chegando aqui no Ceará.

Heranças lusitanas

A casa adquirida no fim do século passado por Frederico Dias da Rocha, objeto de nossas cogitações no momento, tinha um pequeno nicho com a imagem de Santo Antônio, manifestação patente da influência portuguesa sobre nossa gente, de que foi exemplo o nicho da antiga Padaria Palmeira, ali na esquina noroeste das Ruas Senador Pompeu e Guilherme Rocha.

Esse prédio da Rua Major Facundo, esquina com a Rua Castro e Silva, fechado o negócio de Frederico Dias da Rocha foi ocupado pelo armazém de John Peter Bernard, sogro do numismata Alcides Peter Santos, e, depois, pelo escritório comercial de um irmão do médico José Paracampos.

Somente há poucos anos alugou-o Julio Ventura, que terminou por adquiri-lo dos herdeiros de Frederico Dias da Rocha, há cerca de meio século, mais ou menos. Em seu lugar, seu novo proprietário construiu o Edifício Ventura.

Esquina da Rua Senador Alencar, lado par com Rua Major Facundo lado impar, prédio térreo com cinco (05) portas, uma das quais bem larga.

Serviu de rede à loja ´A Capital´, esquina nordeste das Rua Major Facundo e Senador Alencar. ´Fundos´ da casa do capitão Antônio Nunes, residente na Rua da Boa Vista, há cerca de quase um século passado, desta casa se transferiu para a esquina nordeste das Rua Major Facundo e Castro e Silva o comerciante Frederico Dias da Rocha, conforme antes dissemos; - na esquina da Rua Senador Alencar, lado impar com Rua Major Facundo, também lado impar, prédio s/n, embora devesse receber o n.º 253, hoje Edifício Jangada, com sete pavimentos, sendo inclusive o térreo também propriedade da Prudência Capitalização, construído no terreno de dois prédios antigamente existentes aí.. 

Registro de um insólito do passadoFoi época que se marcava, com os amigos, hora para tomar café com pão e manteiga de primeira qualidade, cujo encontro ocorria geralmente entre 15 e 17 horas, para isso sem grandes preocupações para conseguir tempo e sem muitos atropelos da vida.

Havia segurança e tranquilidade nas ruas do centro da cidade. Os transeuntes calmamente caminhavam sem medo de serem assaltados por amigos do alheio que quase não existiam. E quando surgia algum, toda cidade tinha ciência do fato.

Certa vez, em plena luz do dia, um larápio, conhecido por ´Aranha Negra´, revolucionou a todos quanto transitavam: viram-no escalando com pés e mãos até alcançar a janela de um antigo prédio, subindo pela parede do sobrado da rua Barão do Rio Branco esquina com rua Guilherme Rocha, onde funcionou uma pensão familiar (local hoje do Ed. Jalcy Metrópole
) do corretor de imóveis Artur Henrique de Oliveira, cujos irmãos Alfredo e Justino, juntamente com o Sr. Rafael Teófilo e Alfredo Machado, comandavam as negociações imobiliárias do centro da cidade de Fortaleza, que, assim, passava a ganhar uma nova roupagem urbana.

O Imponente Ed. Jalcy Metrópole

Um causo urbano

O fato ocorrido marcou durante algum tempo, na lembrança dos que por ali passavam àquela hora do dia, diante da coragem e audácia do gatuno, que desafiava a todos com sua destreza e ligeireza em subir as paredes com as mãos e auxilio dos pés, com a rapidez por ninguém antes nunca praticara. A casa, um velho sobrado de propriedade dentre outros da família da Sra. Jacinta Souto, mais conhecida por Dondon Souto, senhora portadora de distúrbios mentais, mas, muito rica, proprietária de vários prédios comerciais do centro da cidade, cujas posses garantiam-lhe fazer tratamento fora do nosso país, nas melhores clínicas do mundo. Os antigos conheciam bem a família Souto e sua riqueza que permitia uma vida nababesca e com bom tratamento médico psiquiátrico que por aqui ainda não existia, e, por isso era levada para centros médicos da Europa, acompanhada sempre por seu assistente clinico.



Crédito: Diário do Nordeste e Arquivo Nirez

segunda-feira, 27 de junho de 2011

Das antigas - Espaço reconstruído pela memória


Na Rua Major Facundo até alcançar a rua Floriano Peixoto tinham vários comércios entre eles o " Café Hawaí defronte o "Café Globo" logo chegava-se ao o abrigo Central  - Acervo Marciano Lopes

Na extensão de 100 metros da Rua Major Facundo até alcançar a rua Floriano Peixoto, vários permissionários ocupavam o espaço físico do Abrigo Central. A começar pelo Café Hawaí, esquina da Rua Floriano Peixoto; defronte o Café Globo, vizinho Jaguaribano Bar, ao lado do prédio da esquina onde funcionava casa de jogo de azar, com entrada pela Rua Guilherme Rocha, de esquina do Edifício Ceará, conhecido também como Rôtisserie, onde se instalou no térreo a maior casa de jogo de bilhar, pertencente a um árabe, antigo Clube do Ceará, depois virou "Cortiço", alugado a diversos rapazes oriundos do interior do Estado, que ali se instalavam por indicação dos antigos moradores.

De frente para Rua Pará, com Edifício Sul América, cabine para uso do posto de aluguel de "carros de praça" - Posto Pará, da Sra. Odete Porfírio Sampaio; ao lado o mais célebre torcedor do Ceará, conhecido como "Pedão da Bananada", cujo slogan corria: "compre um sanduíche e ganhe um envelope de sonrisal"; ali se congregavam além dos fregueses diversos, torcedores dos demais times, para fazer acirrada torcida que terminava numa algazarra desordenada a ponto de ser o ambiente policiado por guardas municipais.

Matizes sociais
Assim era no Abrigo Central, local de atração das diversas camadas sociais, como políticos, estudantes, funcionários públicos, comerciários, vendedores ambulantes e os famosos vendedores: "Gravata Branca", vendia canetas, gravatas, lenços e meias, e, o "Brilhantina", vendia perfume, personagem de bem situada família, cujos irmãos, um funcionário público do Tesouro do Estado, Sr. Oséas Silva, e o outro secretário do Governo do Senador Pimentel, Dr. Fidélis Silva, conhecido homem de prestigio na área governamental, com grande influência política no Estado. Havia, como se percebe, um comércio variado.

De frente para a Praça do Ferreira - uma "garapeira" e uma moageira de cana, que vendia o inigualável "caldo de cana com pastel", que muitas vezes substituía uma refeição para estudante. Ainda do lado norte da Praça - uma Loja que vendia os últimos lançamentos de discos de cera e long-play - com gravações de canções dos cantores: Dalva de Oliveira e Erivelto Martins, Miltinho, Ângela Maria, Nelson Gonçalves, Ataulfo Alves e o festejado Luiz Gonzaga - Rei do Baião, Dilu Melo, Lupicinio Rodrigues, cearense Carlos Augusto, Caubi Peixoto e muitos outros cancioneiros brasileiros.

Ao raiar da semana

Como ponto de encontro das diversas classes sociais, as segundas-feiras eram tradicionalmente desde cedo da manhã movimentada e antes de penetrar ao recinto de longe se ouvia o vozeirão que ensurdecia, por completo, o ambiente.

As principais notícias partiam dos comentaristas dos times que se digladiavam nos fins de semana, em tons estridentes, e às vezes chegavam aos empurrões...

Servia como ponto de convergência dos habitantes desta urbe; durante muitos anos facilitou a quem se dirigia aos diversos bairros e locais, utilizando-se dos transportes, cafés, casas de merendas, posto de aluguel de carros, recantos para políticas que saiam do Palácio do Governo, igreja do Rosário, lojas de tecidos, livrarias universitárias, Farmácia Modelo, dos restaurantes, Central e Brasil, bares da Brahma, Baturité, Jaguaribano, consultórios médicos, escritório de advocacia no Ed. Sul America, Banco Lar Hipotecário Brasileiro, Casa Dummar, Loja de tecidos estrangeiros importados, de propriedade do Sr. Miguel Lamboglia, dentre outros espaços.

Enfim, o velho Abrigo Central, teve existência efêmera, mas história que foi "boa enquanto durou"; deixando saudades dos momentos ali vividos, no companheirismo de todos quantos se agrupavam para saudáveis bate-papos que só se encerravam após as doze (12) badaladas do relógio da Praça do Ferreira e saída dos últimos ônibus para residências daqueles frequentadores, de tão apaixonante local.

A demolição foi sentida como estivesse a maltratar cada um de nós: as pás mecânicas, picaretas e furadeiras, transformando aquele arcabouço de cimento armado num monte de material inservível, devolvendo como antes o solo nascedouro para dar maior espaço para nossa Praça do Ferreira, voltando ao seu estado primitivo a velha e saudosa Praça do Ferreira que, por algum tempo, serviu como apêndice do Abrigo Central.

Atividades mercantis
Recordando ainda filas de ônibus que estacionavam no Abrigo Central, viam-se casais de namorados fazendo promessas e juras de amor, cujos olhares fixados entre os dois, alheavam-se a tudo que a seu redor desenrolava; atentos apenas a volúpia que o amor na juventude proporciona, dando acolhida às carícias que vêm do intimo de cada ser que ama, amornados por beijos que selam aquele estado de emoção como se fosse o ultimo ao se despedir de quem profundidade deseja.

O comércio instalado em vários boxes do Abrigo servia para aligeirar facilitando algumas operações mercantis, vendiam estampilhas estaduais, municipais e selos federais para livros de movimento de contabilidade que mensalmente exigidos suas autenticações junto a Secretaria dos Negócios da Fazenda do Estado (vendas em consignações), cujas estampilhas eram também adquiridos no abrigo, facilitando dessa forma os comerciantes de suas missões, dando-lhes fôlego.

Por lá também se instalou casa para venda de discos rotativos para eletrolas, radiolas, de cera, long-play dos mais afamados cantores nacionais e alguns estrangeiros; muito em voga as músicas de Ângela Maria, Araci de Almeida, Caubi Peixoto, Nelson Gonçalves, Miltinho, Nora Nei, Bob Nelson, Carlos Augusto (cearense) cuja família composta por membros possuidores das mais belas vozes a começar por sua mãe Nenen Bandeira, suas filhas Adamir e Cleide Moura - as irmãs vocalista, Henriqueta Moura com linda voz, cantora que fez dueto com Vicente Celestino, quando esteve no Ceará.

Outro irmão Carlos Augusto, que dispensava comentários, venceu no Rio de Janeiro, considerado grande cantor, seus irmãos Joãozinho, Odete, Moacir, Cleide, Maria Laura, Henrique e Adamir Moura, residente em São Paulo e Valter, falecido recentemente aqui em Fortaleza, Trio Nagô - Evaldo Gouveia, Epaminondas e Mário Alves, Terezinha Holanda, Zuila Aquiles - a voz de veludo, coloquialmente conhecida, irmã do meu estimado amigo Wilson Aquiles, contador da Prefeitura Municipal, na minha época de Diretor de Despesa, Fátima Sampaio, a voz prodígio do Ceará que ainda garota era detentora de linda voz, "Solteiro" - cantor de samba e baião, Maria Guilhermina Gondim, cantora de músicas internacionais, filha da professora de piano Maria de Lourdes Gondim. Todo esse elenco estava na Ceará Rádio Clube - P.R.E.9 do tempo do ex-Prefeito Paulo Cabral e Araújo, Cabral de Araujo (irmão).

Das miudezas

O Abrigo Central tinha forma de um retângulo perfeito, separado pelo quadrilátero da Praça do Ferreira, entre as ruas Major Facundo, Floriano Peixoto, Pocinhos e Guilherme Rocha, hoje unificado formando espaço único.

Existiram várias casas de rótulas ocupadas por pontos comerciais como Bar XPTO, desconhecido pelo autor o significado da sigla, sabendo que ali se vendia muita pinga ou trago sem direito a assentos porque o estabelecimento era de pouco espaço, não comportava colocação de mesas e cadeiras, e os fregueses se conformavam em tomar suas "bicadas" de cana - douradinha, pé de serra, triunfo, chave de ouro, ypíoca, pitu do Recife, colonial, Bronswick, conhaque imperial queimado com cachaça, conhaque de alcatrão São João da Barra, vermuth ou cana misturada com imbiriba, cumaru, gengibre, e, se quisesse fazer uma garrafada abortífera pusesse em difusão masceração 1/4 (um quarto) ou 1/2 (um meio) de cabacinha para ver em poucas horas o sinal de "aborto".

Tudo isso praticado segunda a lenda com mezinha fabricadas por "João da Saúde", cujas raízes das diversas plantas medicinais eram vendidas num dos "quarto do mercado" ou "quarto das raízes" tudo a cargo curandeiros" e "rezadeiras" que afastavam o mal através de rezas com ramos de plantas medicinais , protegendo, assim, os de "mau olhado, mau vento, moleira caída, diarréia, espinhela caída, erisipela, ou isipa, barriga fofa, gases incausados, mazelas mil.


Crédito: Diário do Nordeste

domingo, 26 de junho de 2011

Padaria Palmeira




Para a nossa Fortaleza de Senhora da Assunção, vieram muitos portugueses e dentre outros o senhor Albano Ferreira da Silva, proprietário de uma padaria, cujo nome - Padaria Palmeira, situado no centro da cidade, fundada em 1908, na rua Senador Pompeu n.º 174 (lado da sombra), com aproximadamente 15 (quinze) metros de largura, esquina com a rua Guilherme Rocha, com meio quarteirão de fundos, em direção a rua General Sampaio.


Pelo lado externo do prédio com janelas em formato de rótula, cujas paredes em baixo relevo, pintadas com tinta verde da cor da bandeira portuguesa. Nas fachadas pelas ruas Senador Pompeu e Guilherme Rocha em letras prateadas formadas de alto relevo, destacando o nome ´Padaria Palmeira´. Na parte interna do prédio, existia um grande balcão de pedra de mármore italiano com fiteiro iluminado. Na parte externa, com frente para rua Guilherme Rocha, um fiteiro grande com porta envidraçada, onde poderia ser vista pelos dois lados, guarnecidas variadas iguarias da doceria portuguesa, como biscoitos, queijadinhas, papo de anjo, polvilho, suspiros, língua de mulata, filhoses, bolos pão-de-ló, bolinhos e os insuperáveis e inesquecíveis ´pasteis de nata´ ou ´pasteis de Belém´, empadas de camarão, com recheio de azeitona preta, etc.


Quem passava pela rua Guilherme Rocha em frente à Padaria Palmeira, era naturalmente atraído por aquela vitrine petisqueira feericamente iluminada e recheada por apetitosos acepipes, ou para adquirir pães bem quentinhos, bolo de batata, bolo de milho, pé de moleque, bolo de macaxeira e carimã, tapioca, bolacha e apreciada massa de macarrão talharim com esmerado preparo, tornando aquele espaço comercial num agradável passa-tempo, a quem na espera de ser atendido pelos caixeiros quase sempre portugueses que nos momentos dos finais das tardes, mais pareciam com as lançadeiras, com rapidez tornar o atendimento da freguesia, para ali se dirigiam.
Zenilo Almada

Fatos Históricos

  • 01 de Janeiro de 1923 - Instalou-se, na esquina da Rua Senador Pompeu nº 174 (antigo, atual 882) com Rua Guilherme Rocha, a Padaria Palmeira, da firma Ferreira da Silva & Cia. Ltdade Firmino Ferreira da Silva e Albano Ferreira da Silva, que além de panificação abraçava também o ramo de torrefação com o Café PalmeiraAntes desta instalação já existia o estabelecimento.

  • 17 de Junho de 1935 - Falece, em Fortaleza, o Sr. Albano Ferreira da Silva, oriundo de Portugal e proprietário da ‘Padaria Palmeira’, localizada na esquina da rua do Senador Pompeu com Cel. Guilherme Rocha, precisamente na casa que pertenceu ao Ilustre Senador Pompeu.

  • 24 de Dezembro de 1955 Falece, em Pardilho, Portugal, D. Guilhermina Rosa Nunes de Azevedo, viúva de Albano Ferreira da Silva, que foi proprietária da Padaria Palmeira, e genitora de Tiago A. Ferreira da Silva.

Fonte: Portal da História do Ceará e Nirez

sábado, 25 de junho de 2011

Das antigas - O cotidiano que passava por uma rua



Praça José Alencar : este espaço bem traduzia os ares bucólicos e provincianos de uma Fortaleza só possível na memória - Acervo Marciano Lopes

Mas voltando a "vaca fria" - a Rádio Iracema, inaugurada nos altos de prédio de quatro (04) andares, considerado um dos mais altos arranha-céus da cidade de Fortaleza - Edifício com Loja de tecidos "Duas Américas", esquina da Rua Barão do Rio Branco com rua Guilherme Rocha. Mantinha auditório com capacidade para receber grandes astros e estrelas do Rádio brasileiro, inclusive Vicente Celestino, Dilu Melo, Emilinha Borba, Jararaca e Ratinho, Badu, Orlando Silva, Cauby Peixoto, Ataufo Alves, Nelson Gonçalves, Carmem Costa, Miltinho e outros, todos trazidos sob os auspícios do empresário Irapuan Lima - sem se falar na prata da casa, composta de uma plêiade de grandes interpretadores das mais belas páginas musicas jamais esquecidas por seus apreciadores.

Das iguarias

Pela Rua Guilherme Rocha existiu por muitos anos, esquina com a rua Senador Pompeu, a Padaria Palmeira do português Albano Ferreira da Silva, com doces, bolos e biscoitos. Chamava atenção por ter um enorme fiteiro de vidraça com prateleiras, fixado na parede lateral da padaria pelo lado da rua Guilherme Rocha, onde poderia ser visto por quem passasse ou entrasse para comprar o pão da tarde. De longe se sentia o agradável aroma do "pão sovado" ou "massa fina" ou ainda "pão de forma".
Na Padaria Palmeira, havia uma quadrinha escrita pelo proprietário: 

"A Padaria Palmeira
Tirou o primeiro lugar
Vende pão a Marinha
E o Colégio Militar
E a mais duas mil famílias
Em casa particular"

Ao cair da tarde, a maioria da freguesia se movimentava para regressar as suas residências e poder saborear o pão quente regado a uma boa manteiga de 1ª (primeira) qualidade, e o cujo café com leite complementava refeição.

Dos pescados

As pessoas que residiam nas imediações do centro da cidade, nas ruas Senador Pompeu, General Sampaio, 24 de Maio, Av. Tristão Gonçalves, Av. do Imperador, Princesa Isabel, Teresa Cristina, Padre Mororó, Agapito dos Santos até mais ou menos na Rua Conselheiro Estelita, também costumavam descer pela Alberto Nepomuceno em busca da Praia de Iracema para comprar peixe fresco: biquara, ariacó, cavala, alvacora ou albacora, pargo, cangulo, beijupirá, galo do alto; tudo nas suas respectivas épocas de pesca, também o molusco "polvo" e "lula" de apreciável preferência por quem consome mariscos, servido no almoço ou no jantar, por ser tratar de uma refeição frugal.

Os vendedores de pescados se posicionavam na Praia do Peixe, hoje Praia de Iracema, ou nas calçadas de antigos prédios centenários na Av. Alberto Nepomuceno, na Secretaria da Fazenda, sobrado da família Frota Machado, depois de propriedade do Sr. Bené de Castro e Dr. Alber Vasconcelos (D. Fernanda e D. Maria Esther).

Pontos comerciais

Ainda na rua Guilherme Rocha se localizavam as mais nobres residências e estabelecimentos comerciais, um desses, a Loja Guanabara, do Sr. Duarte, próximo à Sorveteria Cabana; sem se falar nas demais casas comerciais situadas no correr do primeiro quarteirão da Rua Guilherme Rocha, esquina da rua Major Facundo (lado direito em direção da rua Senador Pompeu): havia, dentre tantos, a Farmácia Francesa; seguia-se da Loja Ideal do Sr. Clovis Costa e sua irmã Alzira Costa. Estabelecimento Benjamin Angert ourivesaria, trabalhos de fino acabamento como colares de pedras preciosas e pulseiras; Relojoaria Sansão e Movado. No meio da quadra, a famosa Lanchonete Cearazinho; Relojoaria Cancão; Farmácia Conceição, esquina da Rua Barão do Rio Branco; antes de chegar na rua Senador Pompeu a Farmácia São José; e, Livraria José de Alencar do Sr. Estolano Polari Maia - Cônsul do Paraguai
.

Sorveteria Cabana de 1951 - Hoje no lugar da sorveteria, encontra-se a Loja Esmeralda -Nirez

Do lado esquerdo (ímpar) 1º primeiro quarteirão, esquina da Rua Major Facundo, havia a loja de tecidos Bradway, do Sr. Alberto Bardawil; Farmácia Santa Helena e, entrada para o pavimento superior do Clube do Advogado, Loja de Disco Vox, Gávea do Sr. Julio Coelho, Edésio Revistas e Jornais, Casa Americana, Casa Parente do Sr. Inácio Parente, Tarcísio Parente defronte Café Expresso

Imagens do passado

Padaria Palmeira no Centro da cidade - Fundada em 1908

No quarteirão da Rua Guilherme Rocha, entre as ruas Barão do Rio Branco e Senador Pompeu, com a demolição de vários prédios foi edificado o Edifício Beliza, defronte a Padaria Palmeira; seguiam-se de várias casas com pequeno comércio de ourivesaria e conserto de relógio, bares, depois a confeitaria Ritz do Sr. Luis Frota, Livraria e na esquina Mercearia Tabajara com produtos de cereais de 1ª qualidade.


Na mesma direção (direita de quem vai para o final da rua), na esquina o Bar Americano do Sr. Pedro Benício Sampaio, conhecido por vender caldo de cana e cajuína e em épocas do inverno, vendia canjica, pamonha, milho verde e o inesquecível aluá.

O que se dissipou

Na Praça José de Alencar, situava-se a escola de datilografia da Sra. Nenen Lopes, irmã do Desembargador Daniel Lopes, ao lado da Fênix Caxeiral, de uma quadra de basquetebol, depois Serraria Lopes, numa diagonal a Serraria Viana, até alcançar a Padaria Ideal dos irmãos J. Neto Brandão - Jaime João e Jorge Brandão.

Do mesmo lado na esquina, lado ímpar a casa do Dr. Newton Gonçalves, Cia. Cinemar, depois fabrica de gelo, casa do Dr. Periguari de Medeiros, José Emygio de Castro, Escola de Datilografia D. Albertina, bangalô que serviu de residência do Promotor Público - Vicente Silva Lima, em frente à Mansão que ocupava toda quadra pelo lado impar de propriedade do Abolicionista Alfredo Salgado, amigo do meu bisavô português Joaquim Dias da Rocha, cortada pela Vila Ipu, onde foram construídos varias casas.

Sombras de um crime

Na quadra seguinte as residências de João Diogo de Siqueira, Dr. Álvaro Andrade Neto, Sr. Sebastião Guimarães Costa com suas filhas Lais, Zaira e Nair Dias da Rocha Costa, Dês. Banhos Neto, Juvenil Hortêncio de Medeiros, do lado impar família do Dr. João Hipólito de Azevedo e Sá, D. Narcisa Cunha Borges mãe do Cel. Murilo Borges, ex-prefeito de Fortaleza, cujo casarão tinha uma escada externa pela Rua Padre Mororó local em que D. Narcisa Cunha, foi barbaramente assassinada por serviçal, comentado por toda cidade diante do horrendo e chocante episódio.

Entre as ruas Padre Mororó e Agapito dos Santos, existe ainda o sobrado que pertenceu ao Padre Hortêncio de Medeiros, depois funcionou a Procuradoria Geral da União. Finalmente na quadra entre Agapito dos Santos e Conselheiro Estelita, a suntuosa casa do Dr. João de Deus Cavalcante; o sobrado do estimado amigo Napoleão Bastos, D. Dulce e seus filhos Roberto, Gilka, Antonio Hercílio, Vera e Claudio; Dr. João Otavio Lobo, ilustre e humanitário médico pneumologista; Capelinha e Externato Jesus Maria José; bangalô do Sr. Cecil Salgado; Hospital São João, hoje Instituto Nacional do Seguro Social - INSS; chegando na esquina da rua Guilherme Rocha esquina com a Av. Philomeno Gomes, residência do Dr. Pedro Sampaio, avô da colunista e brilhante jornalista Regina Marshall.

Da arquitetura

Em frente existia o Palacete do Sr. Pedro Philomeno Ferreira Gomes, hoje Edifício Pedro Filomeno, proprietário da Fábrica de Tecidos São José, bem próximo da Aero Praia Hotel, vizinho a Escola de Aprendizes Marinheiros, defronte a Igreja de Nossa Senhora dos Navegantes. Separados pela Av. Tenente Lisboa, do Cemitério São João Batista e do primeiro Necrotério de Fortaleza, situado nos fundos do mencionado Cemitério ou ainda conhecida como Chácara do Sr. Cândido Maia - administrador por muitos anos do Cemitério.

Fábrica de Tecido São José

Assim terminava a Rua Guilherme Rocha (esquina que dar encontro com Av. Francisco Sá com Av. Filomeno Gomes, que seguindo na Av. Philomeno Gomes em direção (Sul) a Rua Carneiro da Cunha, existia a residência do Dr. Luis Moraes Correia, depois Serviços de Irrigação Federal.

Vizinho, residência do ex-governador Dr. Luis Flávio Marcilio; Seguindo a família Duarte Vidal, dos meus amigos Roberto Vidal e Maria Luiza pais do Juiz Federal José Silva Vidal; próximo ao internato Bom Pastor, cuja entrada sombria até chegar a capelinha, onde se refugiavam as pessoas que tinham desviado suas condutas e, para não causarem vergonha à família, ali permaneciam até cair no esquecimento da sociedade, que a boca miúda segredavam sigilosamente fato ocorrido, proferindo sob forma de "cochicho" ou "ao pé de ouvido", o que acontecera evitando que se propalasse ou transpirasse o desvirginamento de alguma moça que dera "passo errado" e punição vinha sob forma de expurgo familiar, para reparar o horroroso e repugnante cometimento de desonra ultrajando ou maculando o bom nome da família que deveria ser reparado, muitas vezes pagando com a própria vida.

Depois com o passar do tempo e, purgado a culpa as internas do Bom Pastor, retornavam aos lares, depois de terem recebidos cursos e aprendidos trabalhos manuais sob orientação das irmãs religiosas, dentre eles bordar, costurar, cerzir e outras atividades manuais.

Bom Pastor

Marcas da moral

Assim saíam para enfrentar a sociedade como quem deixa o cárcere de um presídio, e, por ter pago a pena pelo "mal cometido". Ocorria vezes, que o fruto deste amor proibido jamais poderia transpirar quem eram os verdadeiros pais da criança, evitando manchar o nome da família ou pais do inocente que não pedira para vir ao mundo e nem poderia pagar por erro cometido.

As moças fantasmas

Fato inusitado para época se relacionava no trajar das moças recolhidas no Bom Pastor; elas se cobriam de preto, lenço na cabeça, e, nas ocasiões das missas para freqüentar teriam que usar véu no rosto, impedindo sua visão a "olho nu" ou expondo-se aos olhares e reconhecimentos de pessoas que estavam nas missas e pudessem por ventura identificá-las. Tudo isso como forma de castigar a quem cometeu "erro de desonra".

A maior lembrança se prende a antiga Praça do Liceu ou Praça Fernandes Vieira, onde ainda hoje se encontra o mais tradicional Colégio do Ceará - Liceu, que teve início em 1845, hoje com 166 anos de existência, cuja praça presta honrosa homenagem ao grande mestre imortal da Academia Brasileira de Letras - Gustavo Barroso, historiador, escritor e poeta, que merecidamente lhe cabe tamanha honraria do nome da Praça, por ter elevado o nome do Ceará aos pícaros da glória.

Iniciando em direção ao bairro de Jacarecanga, teve o quadrilátero nos primórdios do Século XIX as mais elegantes residências que ainda hoje marcam a imponência de sua formação arquitetônica,

Rota da memória

Vale a pena recordar esta extensa rua do Centro de Fortaleza, que desde o primeiro quarteirão em direção da Praça do Ferreira, na saída do Jardim do Palácio da Luz. Assim a Rua Guilherme Rocha tinha, à época, no longo percurso, prédios de mais requintada arquitetura pertencente a gradas famílias, embalando um passado que reside, assim, em cada um de nós habitante dessa grande cidade de Fortaleza.


Fonte: Jornal Diário do Nordeste

sexta-feira, 24 de junho de 2011

Das antigas - Um envelope de AAS



 Quando batia a fome e o mês estava depois do dia 15, tempo de não se ter mais nada na despensa, escondido da mãe o menino corria à farmacinha no banheiro para surrupiar os envelopes de AAS infantil. Uma “piulazinha” rósea, docinha! E mastigar três ou quatro resolvia o buraco no estômago.


O Ácido Acetilsalicílico enganava a roedeira e dava uma leseira madorna. Isso sem a mãe saber. Mas quando flagrava, a gritaria tomava conta. Dedo na boca do envenenado, ordem pra cuspir e uns sacolejados. “Quer ficar torto, morta fome? Já não basta comer pasta de dente. AAS num é Azedin, abestado”.


Mas é que havia dias miados, de não se ter uma catita. E ser invadido da fome é uma das coisas mais indizíveis de se desenhar. Só Descartes Gadelha. É tão escanchada a gastura que vai se perdendo o viço, o ânimo de bodejar! O andar cimenta e depois que passa o choro, você é quase fim.

Há um morrer mesmo vivo, consciência do ir se desmilinguindo. E talvez, por causa, quem vai padecendo é furtado da dignidade de ser gente. O corpo se curva, o olhar se submete e em qualquer canto o faminentu se encosta humilhado.

Havia na rua dos poucos Galaxies criaturas mais precisadas do que a casa dos seis irmãos. Uma embiricica também de muitas bocas que se distinguia pelo bucho quebrado, a pele amortalhada e as costelas de se contar. E um dos mirrados comia as paredes da própria casucha.

Raspava com a colher e ia enchendo a barriga de reboco. Diziam ter dentro do estômago uma lombriga que desordenava sua vontade na hora que a fome o estraçalhava. Um bregueço diferente dos caboclinhos descalços do calçamento da Tavares Iracema. Tinha o cabelo de fogo porque eram ruivos alguns de seus passados.

E fia uma cantilena, repetida por avô, que só quem não ia passar fome quando crescesse seria o menino ou a menina que estudasse pra ser gente. Era ruim ir pra escola vendo alma, meio tonto, com um chá de capim santo, mas a única chance de comer carne todos os dias quando chegasse depois do longe ano 2000.

Contar isto em texto, ou aos filhos corados, há um pouco de exagero no fabular. Talvez. Em dias de fartura, logo após o pagamento da aposentadoria dos velhos, se devorava tudo que chegava à despensa com uma voracidade de mundo se acabando.



Muitas vezes até atropelava sentir o gosto, tomar a língua. Mais olho que barriga. Quem comesse desembestado poderia ter a chance de uma segunda rodada. Era o desespero de sozinho tomar posse das duas coxas da galinha, ter o bife maior... Beber um refrigerante inteiro sem dividir com irmãos, avô, avó, bisavó, mãe e pai.


Há uma menina, senhora hoje, que quando ganhou uma Coca-Cola só pra ela estatelou-se desfalecida. Via na televisão toda hora, após os desenhos, no intervalo comercial das novelas... Nos pesadelos... Salivava com o caminhão que abastecia dia sim, dia não, a bodega do Seu Geraldo... Vivia cheirando as tampinhas reboladas nas coxias...


Coca-cola! Casco de vidro transparente com letras encarnadas... Alguém bonito bebendo sob o sol sem fome... Papai Noel... Tampinhas premiadas dos bonequinhos da Disney... Musiquinha impregnante... Desmaiou de tanto farnesim e a garrafa se quebrou.





Demitri Túlio
demitri@opovo.com.br

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Das antigas - Nos tempos do Café Wal-Can



Nos bons tempos, como se diz, existia no centro de Fortaleza um estabelecimento do famoso Café Wal-Can que moia e torrava café na hora, além de servir cafezinhos deliciosos.

Contam que um cidadão muito rico e conceituado na cidade também gostava de tomar um cafezinho ao pé do balcão. Porém, apesar do asseio da casa, com a louça esterilizada em caldeirão fervendo e tudo, ainda tinha um certo nojo. Assim, tomava um cuidado especial. Ao invés de levar a xícara à boca do modo como todo mundo faz, pela direita, ele virava a alça para a esquerda levando-a pelo lado contrário.

Um dia, um cidadão cheio de perebas no rosto (provavelmente catapora ou rubéola) vendo o modo de tomar café daquele senhor aproximou-se dele e falou: “Que coincidência, o senhor toma café igualzinho a mim, eu também faço assim!...”. 


 Wal-Can in Memorian

Gif de chá e café     Gif de chá e café   Gif de chá e café   Gif de chá e café 

A última notícia que tive de seu Ananias dava conta de uma tragédia. Fim dos anos oitenta. Tinha sido atropelado por um trem. Em um trilho perto da estação do Couto Fernandes. Entre a José Bastos e a João Pessoa. Tava melado. Troviscado. Cambaleante. Pisada em oito. Ombro pesado e idade avançada. Não deu conta da aproximação do Sonho Azul ou Sanhaçu. O maquinista tocou o apito. Apitou. Pôs a cabeça do lado de fora. Esgoelou-se como um João Batista. Acenou com o braço esquerdo, o direito. As duas mãos... Esmurrou a máquina como se a bicha fosse uma mula. Berrou, urrou que perdeu a voz. Por meses...Tava feito. Dizem que só soube que tinha morrido quando chegou lá no outro lado. Sóbrio, morrendo zera tudo, perguntou pelo chapéu. Preto. De massa. Trouxeram um amarrotado. Estranhou, mas agradeceu.

O velho Ananias era o vendedor de água do Porangabussu. Rodolfo Teófilo e arredores. Água de beber e de cozinhar. Tomar banho, lavar louça e roupa, era com a cacimba. Mamãe era cabreira com a água. No mesmo quintal tinha uma fossa. Dia daqueles, King, vira-lata que o vizinho capou para engordar, pulou e se afogou no cacimbão. Tava doido. Foi a deixa para vovô lacrar com cimento a boca do poço. Menino não chegava perto. Os micróbios da Raiva e alma do pé-duro ainda estariam lá. Mamãe inventava. Passamos a usar a bomba d'água da vizinha. De favor.

Fortaleza tinha dessas histórias. Nem todo mundo tinha Cagece. Era coisa pra gente bem de vida. Poucos na Tavares Iracema e redondezas. Água encanada, torneira, pia e descarga de banheiro eram luxo. Chuveiro? Ah! Sonho. Em preto e branco, a propaganda das duchas Coronas enchia-nos a imaginação. E tome o jingle.

''Duchas coronas, um banho de alegria, num mundo de água quente...''. O desejo do chuveiro elétrico. Távamos lá, cantarolando com um caneco de ''aseia'' na mão. Tibungo na bacia de flandres ou na tina meio lodenta. Banho de cuia. Banheiro com combogós cheios de buchas. Servia pra esfregar o ceroto que ficava detrás da orelha ou no cotovelo. O cubículo ficava voltado para o oitão da casa. De ferrolho e porta sambada. Ralo afogado em espuma de Palmolive. Pés na havaiana. Mamãe brigava se fôssemos descalços.

Seu Ananias chegava. Madrugava na porta do quintal. Quase na hora que os galos tavam tecendo manhãs que cheiravam a café Walcan. Um jogando o grito pr'outro. Encadeado. De terreiro em terreiro. Licença Tiago de Melo. - Dia dona Marieta. - Hein? Vovó era meio moca. Moléstia na adolescência. - Tô dando bom diaaa. - Ah, pro senhor também. Perdão, cada dia escuto mais ruim. - Quantos baldes? Falava com as mãos afuniladas na boca. - Encha os dois potes, o filtro, a quartinha e aquelas vasilhas. O diabo do cachorro tá me dando prejuízo. Fazia o serviço em minutos. Tava acostumado. As latas grandes, com um pedaço de pau no meio, carregavam muitos litros. Baldes com a marca do querosene Jacaré.

Todo dia se repetia a arrumação. Vovó pagava na hora. Quando apertava, ficava pro fim do mês. Como na bodega, o nome dela ia pra caderneta. Data de vencimento somavam as parcelas. Dava tudo certo. Se atrasasse, pedia mais dias. Não se preocupasse. Antes do dia quinze quitava. Prometia e honrava. Tinha que continuar tendo crédito. Muito menino.

E lá se ia o carroceiro. Carroça barril. Água de chafariz. Torneira feita com câmara de ar. Mangueira de três palmos amarrada por liga. Lembrava os documentos de um jumento. O veim ia ali, caminhando do lado esquerdo do animal. Ainda era cedo, tava descansado. - Rumbora burra. Thô, thô, thô... Buurra. Pra apressar o passo, chicote. Lapada. Ficava puto olhando pelo basculante. Judiação. Parava em outra casa, noutra, mais outra, noutra e dobrava a esquina.

Fim do dia. Dezoito horas. Hora do morcegaral. Seu Ananias fazia o caminho de volta. Cansado, vinha sentado na tábua que ficava de frente pro fiofó da égua. Vez por outra se abanava com o chapéu e soprava pelo nariz. Tentava se livrar dos ventos que a burra dava. Era um aviso. Depois dali, levantaria a calda. Tome bosta no calçamento. Um relógio. Se a chuva não lavasse, o sol se responsabilizava de transformar em estrume. - Oh, burra nojenta! Vai burra. Cutucava e iam.

Isso era em 74, 75...78. Digo isto porque em 1979 já tínhamos nos mudado para uma casa na José Bastos. Casa de conjunto. Espaçosa. Financiada pelo Bradesco. Armadilha. Nesta tinha água encanada. Menos um na freguesia de seu Ananias. Evoluímos. No banheiro-suíte tinha até bidê. Manca! Ficava horas e horas abrindo as torneiras pra ver o jato subir. Molhava o teto. Carões da mãe. - Tá pensando o quê? Que teu pai ta nadando em dinheiro? Tome puxão de orelha. Era tanta frescura que entrávamos para o ''toillete'' por uma porta que simulava ser parte do guarda-roupas ''embutido''. Tudo era novidade. Brincávamos de passagem secreta. Batman e de Agente 86. Maxuwell Smart.

Potes e filtros de barro nunca mais. Mamãe tinha feito um crediário na porta de casa. Comprara um SuperZon. A era da quartinha estava acabando. A novidade era água de torneira ''ozonizada''. Purificada. Adeus coadores de boca de pote. Nunca mais. Mamãe também tinha esperança que os buchos quebrados dos rebentos sumissem. Com eles as lombrigas e o prejuízo com remédio pra verme. Mas antes da casa na Zé Bastos o que bebíamos, mesmo, era água de carroça. Pesada na barriga. Falta de dinheiro. Governo escroto. 

Demitri Túlio - A carroça d'água (O Povo)



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