Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

sábado, 28 de julho de 2012

Cine Nazaré - Uma demonstração de amor pelo cinema...Parte III



A paixão pela sétima arte levou um aposentado cearense a reabrir as portas de um dos cinemas de bairro mais tradicionais da cidade


O que as novas gerações não sabem é que o cinema é uma antiga paixão do aposentado. Em 1949, seu Vavá, como é conhecido no bairro, tornou-se carregador de filme do Cine Familiar, que pertencia à Paróquia de Nossa Senhora das Dores (Otávio Bonfim). Ficaria na empresa até 1968, assumindo outras funções - de revisor até gerente geral. Ao longo dos anos, entre um filme e outro, seu Vavá desenvolveu uma grande paixão pela sétima arte, que continua acesa até os dias de hoje.


A motivação para reabrir o Cine Nazaré, portanto, foi mais romântica do que comercial, o que remete ao Totó do filme “Cinema Paradiso”, de Giuseppe Tonartore. Boa parte da vida de seu Vavá foi passada dentro de um cinema. “Sempre me senti em casa vendo aqueles filmes.” Depois de deixar o Cine Familiar - a sala fechou -, seu Vavá aproveitou a experiência para montar cinemas em outras cidades do Ceará, entre eles o Cine Ideal, em Juazeiro do Norte, no final dos anos 60. Mas, em 1970, resolveu tocar seu próprio negócio, alugando o prédio do antigo Cine Nazaré - funcionou de 1945 a 1952 -, transformando o espaço em uma nova sala, que recebeu o nome do antigo cinema.



Ao mesmo tempo que tocava o Cine Nazaré, seu Vavá arrendou outras salas no Interior do Estado. “Meus filmes faziam o circuito Fortaleza, Sobral, Crateús, Aracati e Russas”, recorda. Esta rotina durou três anos. Em 1973, seu Vavá teve que fechar o Cine Nazaré e sair do ramo. Anos difíceis para os cinemas de bairro e de pequenas cidades. “A legislação federal da época beneficiava só os grandes exibidores. As exigências eram absurdas e a perseguição intensa. A Polícia Federal vivia na porta do meu cinema, vigiando tudo, até as fotos dos cartazes. As pessoas temiam ser presas”, diz.


Foi o golpe de misericórdia nos cinemas de bairro. De uma em uma, as pequenas salas foram fechando suas portas. Tinham ficado para trás os anos dourados de pequenos cinemas como o Ideal (Damas), o Familiar (Otávio Bonfim), o Mucuripe (Beira-Mar), o Odeon (Otávio Bonfim) e o América (Jardim América). “A gente chegou a ter uns 15 cinemas de bairros, fora os luxuosos, como o Moderno, o Majestic. E todos os dias com um filme diferente. Era assim...”, relembra.


Délio Rocha

Depois de andar por alguns quarteirões, chegamos a uma rua de pedras, onde encontramos uma casa rosa de dois andares. Quando apertamos o botão para acionar o interfone, percebemos algo incomum no lugar onde se coloca as correspondências. 
Não havia só o lugar para as cartas. Além da porta para as cartas, havia também duas portinhas. Em uma estava escrito pão e na outra leite.


Logo em seguida escutamos uma voz mansa ao interfone, do senhor que mesmo após uma operação de catarata, nos recebeu para uma entrevista. 
Perguntava: É a Natália? E eu respondi que sim. Logo em seguida com uma risada calma, seu Vavá perguntou se o “batalhão” tinha vindo também. 
O senhor simpático de 81 anos, já com a cabeça repleta de cabelos brancos veio abrir a porta nos cumprimentando e pedindo-nos para entrar. Entramos todos. Eu, Renata, Georges, Soraya e Julianna.


Ao chegar na sala da casa que assim como as casas antigas, tem um imenso vão, encontrei muitos objetos antigos - o rádio, os porta-retratos - coisas que lembram o passado.
A partir daí nos sentamos e começamos uma conversa que durou por volta de duas horas, onde seu Raimundo Getúlio Vargas Carneiro de Araújo  nos contou histórias sobre cinema, religião, família, ditadura, conflitos e armações de gente poderosa. A história do Cine Nazaré é contada como uma história de vida, que durou anos e vive até hoje através da paixão pelo cinema.


Seu Vavá, morador do bairro Otávio Bonfim, fez da paixão pelo cinema, a sua vida.
Desde muito novo despertou uma imensa satisfação pelo cinema, que surgiu ainda quando criança ao assistir filmes de faroeste onde o bem sempre triunfava sobre o mal. “O heroísmo do mocinho dominar o bandido que estava errado, aquilo me deu simpatia de ver. Também o heroísmo dos animais, o Rin Tin Tin, o Cavalo Silver, quando o artista estava em alto perigo ele assobiava e o cavalo vinha em socorro dele, tirava as cordas que estavam o amarrando. Aquilo para o espectador e principalmente para a criança, que queria ver o herói triunfar… me deu cada dia mais afeto em ver o cinema”, diz.


Desde essa época aproximou-se cada vez mais do cinema, e para isso valia de tudo. Mesmo sem dinheiro para o ingresso, entrava escondido para ficar assistindo das brexas, ou em alguns cinemas, do palco, onde dava para se esconder.


Durante a juventude, a paixão pelo cinema continuou a crescer, e então surgiu a oportunidade de trabalhar em alguns cinemas, como o Cine Familiar dos frades, e por lá confrontou até Luís Severiano Ribeiro, dono de mais de 80 cinemas, dominava um verdadeiro monopólio em todo o país.
Seu Vavá conta que quem trabalhava para o Ribeiro tinha cinema, quem não trabalhava, não tinha.


Nessa época, o Cine Familiar ficou independente, e passou a exibir filmes que seu Vavá se encarregava de conseguir até mesmo com os empregados do Ribeiro por uma quantia de 50 reais. “Eles sempre liberavam”, diz.
O Cine Nazaré foi adquirido depois que perdeu o emprego no Cine Familiar dos frades, onde trabalhava. Sem saber fazer outra coisa, acabou alugando o prédio onde hoje funciona o Cine, que passou a ser seu próprio cinema. 
A montagem do Cine foi rápida. Já tinha a máquina de rodar o filme, que foi comprada em uma de suas viajens ao interior, as cadeiras foram adquiridas do Cine São Luís, quando a Eva ligou oferecendo-as por uma quantia que seria sugerida por seu Vavá. Depois de um tempo descobriu que o Cine São Luís precisava ser desocupado, e eles gastariam milhões para levar todas aquelas cadeiras para o Lixão. “Eu acabei fazendo um favor para ela”, conta. O grande acervo de filmes que tem, foi doado por vários colegas como o Nirez para quem presta serviços como conserto de discos.
Na época do Regime Militar, com o Cine Nazaré enfrentou a censura da polícia federal dentro do seu cinema, revistando seus filmes e fotografias. Essa época, segundo seu Vavá, foi um tempo difícil para o cinema no Brasil, onde houve uma desestruturação, e o cinema que não sofria com nenhuma burocracia, começou a entrar em crise.



Os filmes tinham que passar pela polícia, para ter aprovação do Estado para poder ser colocado em cartaz. Seu Vavá conta, que a sensação que sentia, era a mesma que ele via nos filmes sendo vivida pelos judeus na Alemanha, de Hitler, quando eles iam receber o visto para poder sair do País.
Hoje, o Cine Nazaré vive outra realidade.
Seu Vavá, exibe sessões de filmes antigos de faroeste, bíblicos e romances, as quartas-feiras, às 17 e 19 horas, sábados e domingos, às 19 horas.


As sessões costumam ter um número de 75 pessoas, sucesso atribuído ao nome dos filmes exibidos, que apesar de antigos, são muito bons de rever, segundo seu Vavá, que exibe filmes mais antigos, pois precisa ter os direitos comprado desses filmes.
Apesar de ser um cinema feito para a comunidade, o Cine Nazaré tem contado com a presença de pessoas de todas as partes da cidade, de variadas idades, e diferentes classes sociais. Pessoas mais humildes e com mais dinheiro, demonstrando uma preferência pelos mais idosos, que são mais calmos, e segundo ele, respeitam o cinema, sabem aproveitar o lugar. Já as crianças, os mais jovens, são muito bagunceiros, e chegam até mesmo a estragar as cadeiras e jogar lixo no chão.
Diferentemente dos cinemas dos shoppings, no Cine Nazaré o preço da sessão tem um valor simbólico, que chega a ser espontâneo. Existe uma urna na entrada da sala, e as pessoas passam e depositam alguma quantia de dinheiro. Uns mais, e outros menos. Seu Vavá diz que dificilmente alguém entra sem colocar nada, até por ficar meio sem jeito. 
Segundo ele, o preço do cinema tem que ser bem mais barato do que se cobra. “R$ 7, R$ 8, é algo absurdo, o cinema deveria cobrar R$ 1, R$ 2, no máximo”, diz.


O cinema para seu Vavá, é um empreendimento, pois tira algum dinheiro para mantê-lo, mas é um valor que é necessário para manter a subsistência do cinema. Envolvido pela paixão, seu Vavá procura fazer seu cinema baseado nos seus ideais, naquilo que acredita ser de fato o cinema. Suas pretensões nunca passaram de fazer cinema com amor e com tudo aquilo que acredita, talvez esse, seja o grande segredo do sucesso do Cine Nazaré.


Natália Cristina Guerra

Fontes: Diário do Nordeste e Jornal O Estado

Cine Nazaré - Uma demonstração de amor pelo cinema...Parte II


Do Bang-bang à Bíblia, até de tamanco

Para atrair o público, seu Vavá recorre aos mais variados filmes antigos. “Escolho aqueles não são encontrados nas locadoras e que não passam na televisão. Assim, não tenho concorrência e ainda ofereço produtos de qualidade”, explica. A programação é puro saudosismo. Entre os filmes que entraram em cartaz, estão “O Ébrio” (1946), que consagrou a música homônima de um dos grandes ídolos do rádio, Vicente Celestino; os faroestes “Abutres Noturnos”, com o cowboy das matinês Allan Rocky Lane, e outro faroeste clássico, “O Dólar Furado” (1969), ambos em versões dubladas.

Para o período da Semana Santa, seu Vavá abre uma exceção na programação e coloca em cartaz filmes mais recentes, como “Judas” (2000), da Coleção Bíblia Sagrada; “Sansão e Dalila” (1996), com Dennis Hoopper e Elizabeth Hurley; e “Pedro” (2006), com Omar Shariff. E, claro, não podia também faltar uma versão de “Paixão de Cristo”. “Só lamento a falta de cultura religiosa nas pessoas. Tem gente que não quer assistir a ‘Paixão de Cristo’ porque acha o ‘artista’ do filme mole, já que apanha muito sem reagir. Já ouvi este tipo de comentário, que revela a ignorância de valores”.

Cine Nazaré - Acervo de João Otávio Lobo

Cena de “O Ébrio”, produzido em 1946


Nada, porém, tira o entusiasmo de seu Vavá pela sétima arte. Mas ele sente saudades dos tempos áureos dos cinemas de bairro. “Ir ao cinema era um acontecimento. As pessoas passavam duas horas na frente da tela e iam pra casa felizes, já pensando numa nova sessão”, conta.



Tamanco permitido

O figurino do público também era outro. “As pessoas se arrumavam mais, principalmente aos domingos. Com o tempo, as exigências foram ficando menores, mas o uso de tamanco ficou proibido por muito tempo. Quem chegasse na porta do cinema de tamanco, só entrava com ele na mão. Senão era aquele toc-toc, toc-toc. E isso não podia”, sentencia. “Agora pode”, avisa. 

Histórias de cinema

22 cinemas já chegaram a funcionar simultaneamente em Fortaleza, no início da década de 50, quando a cidade mal chegava aos 300.000 habitantes. Um número que impressiona, até mesmo em relação aos de hoje. A maioria dessas salas exibidoras localizava-se nos bairros ou no entorno do Centro, onde ficavam os grandes cinemas lançadores como o São Luiz, o Diogo e o Majestic Palace, este último especializado em faroestes e filmes em série.

1950 foi o ano da implantação da cadeia exibidora Cinemar, fruto da ousadia do empresário e cinéfilo Amadeu Barros Leal. Ele ousou enfrentar o monopólio dos grandes circuitos nacionais, dominados pelos produtores de Hollywood, e trazer até Fortaleza os grandes clássicos do cinema europeu. Mas, a corajosa iniciativa só vingou pouco mais de uma década e as salas tiveram que ser vendidas a outros grupos.

1974 foi o ano da inauguração do primeiro cinema de 'shopping' em Fortaleza, o Cine Gazeta, localizado no Center Um da Aldeota, onde funcionaram por algum tempo as sessões do Cinema de Arte coordenado pelo crítico de cinema do Diário do Nordeste, jornalista Pedro Martins Freire


Continua...

Parte I

Matéria publicada no Jornal Diário do Nordeste

Cine Nazaré - Uma demonstração de amor pelo cinema!


Foto

1945 - Abre-se, no Otávio Bonfim, em prédio na Rua Padre Graça nº 65, o Cine Nazaré, pertencente ao marchante do Mercado São Sebastião, José Marcelino, que tinha paixão por cinema. Depois foi adquirido pela empresa Luís Severiano Ribeiro que o fechou em 1954.
Em 18 de maio de 1969, o antigo operador do Cine Familiar, Raimundo Carneiro de Araújo (Vavá), adquire e reabre o Cine Nazaré, na Rua Padre Graça nº 65, com o filme "Desafio de Gigantes".


 
Foto George Hudson

Matéria de 05/07/2006 do Diário do Nordeste:

Em frente à Lagoa da Onça, a um quarteirão do Cercado do Zé Padre, no Otávio Bonfim, o número 65 da Rua Padre Graça é cheio de história. É a Oficina São Pedro, mas ali já funcionou o Cine Nazaré, que faz parte da história do bairro e de Fortaleza. Apesar de a lagoa ter sido aterrada, de o cinema não funcionar mais e de o lugar hoje ter carros no lugar das cadeiras, o que aconteceu no local e nos seus arredores reaparece como um filme na lembrança dos moradores mais antigos. Talvez a sala seja a única que, quando chovia, ninguém reclamava de assistir ao filme com os pés na água. O bairro, considerado calmo por muitos dos moradores, ainda tem casas antigas, principalmente perto da Igreja de Nossa Senhora das Dores, construída em 1951, pela Ordem Franciscana Menor (OFM). Ali próximo ficava também o Cercado do Zé Padre, faixa de terra em duas ruas, que abrigava diversas famílias. Nas imediações, onde hoje se encontram casas, comércios ou onde foram abertas ruas, ficavam os pontos de aluguel de carros e bicicletas. É que, na época, o transporte mais comum era o bonde. Já o trem, que chegou ali pela extinta Rede de Viação Cearense (RVC), não só deu o nome de Otávio Bonfim à estação como o sobrepôs sobre o nome oficial do bairro, Farias Brito. Ali há relíquias. Não só materiais, mas outras subjetivas que ganham vida nas lembranças do radiotécnico Vavá, que até os 18 anos foi Raimundo Getúlio Vargas Carneiro de Araújo e hoje, aos 75, não leva mais o nome do ex-presidente, só o apelido.



Sala de exibição do Cine Nazaré - Arquivo do blog Percursos Urbanos

No final dos anos 40 e início dos 50, os cinemas passaram a ser uma das principais diversões na Capital. Lazer dos mais modernos e disputados. Havia diversas salas em Fortaleza, espalhadas em bairros periféricos ao Centro. Muitos dos espaços eram do Grupo Severiano Ribeiro que, com a inauguração do São Luiz, desfez-se das parcerias para priorizar, a partir dos anos 60, a mais luxuosa sala da Capital.

Segundo Seu Vavá, como é conhecido o radiotécnico, em 1945, quando foi erguido o prédio do Cine Nazaré, o Otávio Bonfim era completamente diferente. A começar pela Lagoa da Onça, marca do bairro, e que hoje não existe mais - a não ser no imaginário dos moradores e nas marcas de algumas paredes que insistem em brejar no lugar do aterro. O primeiro arrendatário do Nazaré foi o marchante José Marcelino, que cortava carne no Mercado São Sebastião.

Na época, já existia o Cine-Teatro Familiar no bairro, feito pelos frades ao lado da igreja. O inusitado do espaço é que os espectadores assistiam ao filme praticamente ao ar livre, pois não havia paredes, só uma coberta.


O Nazaré, por sua vez, começou a funcionar em 1945, final da guerra. “Anoiteceu, o pessoal ia para o cinema, não para bar, restaurante. Muitos casamentos começaram e terminaram ali”, conta Seu Vavá, acrescentando que as mulheres levavam até crianças de colo. A não ser que o filme fosse censurado. No caso, aqueles de terror, com monstros ou os mais insinuantes, com mulheres de maiô ou cena de beijo.


Em sua programação, além de filmes comerciais, películas dos anos 40, 50... 
 Arquivo do blog Percursos Urbanos 

Sobre a censura, o radiotécnico, que também foi censor, lembra que, ao ser exibido um filme científico, com cenas de parto e informações sobre doenças sexualmente transmissíveis, foi preciso fazer duas sessões: uma para mulheres, às 15 horas, e outra para homens, às 22. “Foi algo fora do comum, por volta de 56”, diz.

O Cine Nazaré foi tão marcante naquela época que, na exibição de “O Ladrão de Bagdá”, foi necessário abrir uma segunda sessão. Tantas pessoas esperavam do lado de fora e na lateral do cinema, que o muro caiu. “O pessoal começou a se amontoar, a gritar ‘o gato a miar’, a empurrar. Quando o muro caiu, quem estava vendo o filme nem ligou, continuou assistindo”, recorda, divertindo-se.

No cinema cabiam 300 pessoas. Havia dois tipos de ingresso: 200 nas cadeiras, de madeira no assento e no encosto, e 100 ‘na geral’, bem na frente da tela, com banco sem encosto ao invés de cadeira. Na ‘geral’, onde o ingresso era menos de metade das cadeiras, 400 réis, quando chovia era um sufoco.

A água emanava do chão, já que todo o terreno ao redor da Lagoa da Onça ficava encharcado. Para solucionar o problema, oito pisos foram sobrepostos, para aumentar o nível do chão, cuja base foi construída abaixo do nível da lagoa. “Ou a pessoal ficava de cócoras em cima do banco ou tirava o sapato, chinelo ou tamanco e ficava com as pernas na água, vendo o filme”, explica. Do lado de fora, vendedores de bolo, tapioca e café esperavam os cinéfilos para o lanche. Nada de pipoca, ainda.

Seu Vavá ressalta que sempre foi “louco for cinema”. Em 1938, passou em frente ao Teatro São José e viu, deitado no chão e brechando pela fresta da porta, o filme projetado no palco. No Cine Familiar, o dos frades, Seu Vavá começou carregando rolo de filme, com 18 anos.

Por volta de 1960, com o fim dos cinemas longe do Centro (fecharam o Ventura na atual Aldeota, o Dioguinho na praça do Colégio Militar e outros), o Nazaré também fechou. Em 1968 foi a vez do Familiar.

Dois anos mais tarde e dedicando profissionalmente somente ao cinema, Seu Vavá resolveu arrendar o Nazaré e o reabriu. Passou um ano projetando filmes repassados pelo Grupo Severiano Ribeiro, até que as despesas ficaram altas demais. Na década de 60, também arrendou salas em Sobral, Crateús, Russas e Aracati.

Esperança e Criatividade - Matéria de 2008 (Diário do Nordeste)



Arquivo de Juracy Mendonça


Já que não podia manter funcionando sua sala, seu Vavá, movido pelo saudosismo, comprou, nos anos 70, o prédio onde funcionou seu cinema, que é mantido sem alterações. É o mesmo espaço onde, agora, mais de 30 anos depois, ele instalou a nova versão do Cine Nazaré (a terceira), que ganhou corpo com o aproveitamento de equipamentos de vários outros cinemas. As 75 poltronas do lugar pertenceram ao antigo Cine Fortaleza. Os carpetes são os mesmos que cobriam as paredes e pisos das salas do North Shopping -antes da reforma. E o projetor, com mais de 60 anos de uso, veio de Belém. “É um dos melhores projetores que existem”, garante seu Vavá.

Mas nem tudo foi só na base da criatividade. O teto, em PVC, é novo. Assim como o aparelho de ar-condicionado e as instalações do banheiro. “A gente só precisa ficar de olho na entrada do banheiro das mulheres, pois não existe porta para homem sem-vergonha”, conclui. Os filmes são exibidos em três dias da semana, com duas sessões aos domingos e às quintas-feiras (16 e 19 horas) e uma sessão aos sábados (19 horas). O preço do ingresso é simbólico: dois reais a entrada inteira e um real para estudantes e idosos. Por enquanto, ainda não tem pipoca. Mas seu Vavá já pensa em terceirizar o serviço de lanches. Assim, ele garante que “o pipoqueiro que pagar o ingresso vai ter o direito de vender seu produto na entrada”.

A primeira sessão do novo Cine Nazaré foi com o filme “O Pequeno Polegar”. Trinta e cinco pessoas pagaram ingresso. Seu Vavá sabe que não será fácil manter o espaço com o que for arrecadado na bilheteria. E mais difícil ainda obter algum lucro. “Pelo menos, o que foi investido já está pago. Mas sei que, nos três primeiros meses, não vou conseguir cobrir os gastos com energia, aluguel dos filmes - ele traz de São Paulo - e com o pagamento de uma moça que me ajuda”, consola-se. “Se o movimento for bom, porém, as coisas vão ficar mais fáceis”, completa, esperançoso.

Continua...

Vale resaltar que o querido 'Seu Vavá' e sua paixão já viraram filme: "Seu Vavá e sua paixão pela sétima arte”.  O Filme é um curta sobre Raimundo Carneiro de Araújo, que dedica sua vida ao Cine Nazaré. O roteiro é de Iasmin Matos.



Imagem do filme de Iasmin Matos - Arquivo do Site Travessias

Fontes: Diário do Nordeste e Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo

sexta-feira, 27 de julho de 2012

Otávio Bonfim - Os Frades Alemães



No último quartel do século XIX, a Província Franciscana de Santo Antônio, sediada no Nordeste, originária de Portugal, contava com um reduzido número de frades menores, para fazer frente à avalanche de obrigações religiosas e comunitárias. Em razão desse fato, fez um apelo às províncias franciscanas da Europa, em tom de socorro, encontrando ressonância na Província Franciscana da Saxônia, na Alemanha, que aquiesceu em mandar frades ao Brasil, para reforçar os recursos locais.


(Foto ao lado do benfeitor Frei Teodoro Haerke, franciscano zeloso)



A Província de Santo Antônio, a 12 de dezembro de 1889, foi confiada à Província da Santa Cruz da Saxônia. Na data de 27 de dezembro de 1892, chegaram da Europa os novos confrades que se instalaram no Convento de São Francisco de Salvador-BA. A incorporação jurídica teve como base a Congregação Capitular dos antigos e novos frades realizada no dia 2 de março de 1893. Assim, teve início, notadamene, a reforma e a renovação da Província de Santo Antônio, no Nordeste brasileiro.


Em primeiro de março de 1929, foi lançada a pedra fundamental da Igreja de Nossa Senhora das Dores, que sucedia à antiga capela de São Sebastião, levantada na praça a que deu nome, depois soerguida na antiga Estrada do Gado, atualmente, rua Dr. Justiniano de Serpa. Frei Odilon Gethaus e Frei Lucas Vonnegut, ambos alemães, foram os dois grandes construtores desse templo e do convento franciscano anexo. O primeiro, por motivos de doença, não chegou a ver as obras concluídas, justo por ter falecido em 22 de janeiro de 1930, quando chegava aos 59 anos de idade.


Foto Arquivo Nirez

Para dar continuidade aos trabalhos, Frei Lucas Vonnegut, modelo perfeito de discípulo do "poverello de Assis", chegou a Fortaleza, aos 25 de janeiro de 1930, vindo de Canindé, onde era superior interino do convento. Em 13 de junho de 1930, dia de Sto. Antônio, deu-se a festa da bênção da Igreja de Nossa Senhora das Dores. Em 18 de novembro de 1932, coube a D. Manuel da Silva Gomes abençoar os sinos, vindos da Alemanha, bem assim o altar-mor do templo recém-construído. Após essa solenidade, houve missa cantada, tendo por oficiante Frei Lucas Vonnegut.

Muitos frades alemães passaram pelo convento do Otávio Bonfim, tanto assim que, durante a II Guerra Mundial, quando o Brasil declarou guerra à Alemanha, o prédio foi sitiado, tendo o claustro conventual sido ocupado durante um dia, para uma longa operação das forças de segurança interna, que realizaram varredura infrutífera, em busca de rádio-transmissores ou quaisquer elementos, que se prestassem à espionagem; o resultado, como não podia deixar de ser, foi negativo, porque embora germânicos, os religiosos não tomavam partido no conflito belicoso.


Foto da Avenida Bezerra de Menezes - Arquivo Nirez

Para o laicato, as investidas do povo brasileiro, com os brios feridos pelo torpedeamento de navios mercantes do Brasil, foram de pura e absoluta retaliação. De fato, propriedades e bens pertencentes a cidadãos do Eixo (alemães, italianos e japoneses) foram violados e alvo de pilhagem dos nossos compatriotas, que observavam aqueles como inimigos da Pátria. Aqui, em Fortaleza, o Jardim Japonês, de Seu Guilherme Fujita, foi arrasado ou destroçado pela turba; as Casas Veneza, da família de Francesco, foram saqueadas e depredadas; as lojas de tecidos, da família Lundgren, foram pilhadas, ainda que pertencessem a alemães apátridas, perseguidos na Alemanha nazista, por serem judeus.

Muitos foram os frades tedescos que atuaram na Igreja, e, depois, na Paróquia de Nossa Senhora das Dores (criada pelo Decreto nº 02, de 20/09/1963, da Arquidiocese de Fortaleza), como: Frei Cecílio Sommer, Frei Teodoro Haerke, Frei Hildebrando Kruthaup, Frei Francisco Solano Szczepanek, Frei Venceslau Wallerus, Frei Hermano Wiggenhorn, Frei Fernando Schnitker, Frei Gregório Reckers, Frei Rainério Kroger, Francisco José Goedde, sendo até difícil listá-los, assim, completamente.

Mais complicado é destacar os feitos e as obras de cada um deles, não obstante terem todos, em comum, o espírito empreendedor, a tenacidade e a disciplina germânicas, logicamente que acostados às condições externas, servindo de êmulo à concretização dos trabalhos projetados. A título de representação de diferentes momentos inscritos na história do convento franciscano, à guisa de exemplo, o perfil de quatro desses frades, que depois de um profícuo trabalho, retornaram à Casa do Pai: Frei Teodoro -um franciscano zeloso e desportista nato, Frei Hildebrando - empreendedor audacioso e humanista; Frei Lauro - um apóstolo da juventude, e Frei Humberto - um evangelizador social, exibe a marca indelével das ações realizadas em prol da comunidade do Otávio Bonfim, bem como de seus arrebaldes.


Créditos: Marcelo Gurgel Carlos da Silva (Diário do Nordeste) e Arquivo Nirez

quinta-feira, 26 de julho de 2012

O Otávio Bonfim dos velhos tempos...


Avenida Bezerra de Menezes - Arquivo Nirez

Na escala do tempo, quarenta e tantos anos já fazem uma boa diferença. Isso se verifica com as pessoas, principalmente, e também com os locais onde as coisas, outrora, acontecem.

Na década de sessenta, por exemplo, o bairro Otávio Bonfim, oficialmente Farias Brito, na zona oeste da capital, tinha um charme bem particular. Não era de classe alta. Também não estava na linha da pobreza.

O que mais o diferenciava de outros, existentes em Fortaleza, naqueles idos, era o clima de família que reinava ali, campeando entre as arvores centenárias que se erguiam na Praça com o nome oficial de Libertadores.

Em cada canto, era comum ver-se mulheres com uma banquinha de café, fazendo fogo ali mesmo e lavando os utensílios em alguidar de barro, deixando a água escorrer pelas coxias.

De vez em quando tinha uma espiga de milho cozida, uma tapioca de goma fresca, sem respeito às normas de higiene, é claro, mas tão gostosas que até se esquecia de alguns prováveis transtornos gastrointestinais.


Avenida Bezerra de Menezes - Arquivo Nirez

Os moradores de bairro tinham uma intimidade bem grande com aquela pracinha. Aposentados ficavam ali papeando, casais de namorados aproveitavam o bucolismo do local, para as costumeiras juras de amor, donas de casa levavam os filhos pequenos para andar de velocípede ou mesmo bicicleta, transeuntes iam e vinham despreocupados, ou com alguma preocupação, que isso já era frequente antes mesmo da virada da economia.

Não havia lugar mais apropriado que a pracinha, para ler os jornais do dia, inclusive a Tribuna do Ceará, de saudosa memória. Muita gente circulava por ali, justo porque lá era ponto de desembarque dos ônibus que vinham do interior, com entrada pelo Antônio Bezerra.

A praça e a Igreja de Nossa Senhora das Dores pareciam geminadas, sequer dando oportunidade de se pensar em uma, sem estar pensando na outra. Até se tinha a impressão de que a primeira era uma extensão da segunda, e vice-versa.


Belíssima vista da Igreja de Nossa Senhora das Dores tendo ao lado o Posto Carneiro & Gentil - Arquivo Nirez

Era só atravessar o passeio de pedra tosca, entre as ruas Justiniano de Serpa e Dom Jerônimo, e lá se estava em frente ao Santuário de Santo Antônio, parede e meia com a igreja.

Nos dias de terça-feira, acontecia a distribuição do pão dos pobres. Nem se falava do Lula, mas o bairro, ou melhor, os frades franciscanos do Otávio Bonfim, já engatavam movimentos sociais de combate à fome, com a ajuda dos paroquianos.

Uma grata recordação que vem daqueles tempos está ligada ao Cine Familiar, que ficava na lateral esquerda da igreja, fazendo quina com a Rua Dom Jerônimo. O Vavá era o grande artífice da 7 ª arte.


Posto Carneiro & Gentil - Situado na Avenida Bezerra de Menezes. O catavento da fotografia ficava no quintal da casa em que morava a família Gurgel Carlos, na rua Justiniano de Serpa, nº 53 - Arquivo Nirez

Era ele que cuidava da exibição das películas, já que sabia só tudo sobre como manejar os rolos na velha geringonça, fazendo hoje com que nos lembremos do Cinema Paradiso.

Tudo isso se foi na enxurrada do tempo, mas o que até agora não sai das retinas cansadas, nem dos ouvidos adormecidos, é a imagem do trem, meio sujo, vindo dos lados do Acarape, rodando e rangendo sobre os trilhos presos aos dormentes, que iam dar na Estação João Felipe. Poderia ser o inverso, se o destino mudasse para Maracanaú.

Nas manhãs de sábado, não tinha passeio melhor do que pegar os filhos menores, subir no trem, e, de joelhos, nas poltronas rasgadas, acompanhar, das janelinhas abertas, o desfile de casas, árvores, pessoas que, indiferentemente à observação, postavam-se à beira do caminho.

Arquivo Nirez

Não se sabia, àquelas alturas, o que era uma bala perdida. No entanto, vez por outra, um garoto mais afoito pegava sua baladeira e conseguia estraçalhar a vidraça ou alcançar a cabeça de um passageiro menos avisado. Quem morava nas imediações da linha férrea, junto à parada do trem, no Otávio Bonfim, costumava despertar com o som estrépito da máquina, anunciando sua chegada à estação.

Muitos dos moradores da área residiam em casas construídas pela RVC, no último quarteirão da Rua Domingos Olimpio e já na Av. José Bastos, indo para a Av. Bezerra de Menezes.

Na verdade, o ícone de maior destaque, naquele quadrilátero urbano, era a Igreja de Nossa Senhora das Dores, apinhada de fiéis, nas missas dominicais, e que, em tempo de festa, "mandava ver" com grandes atrações, incluindo, barracas, quermesses, lembrando antigos costumes das cidadezinhas do Interior.

Av. Bezerra de Menezes em 1982 

Aquele pedaço de Fortaleza foi sempre um reduto da Família Gurgel. Se não era parente, era amigo ou conhecido. Na Rua Justiniano de Serpa, morava D. Dulce Gurgel Valente, mãe do Fernando, dono da Mecesa, do Flávio, funcionário do Dnocs, da Adélia e da Fernanda.

Do outro lado da Bezerra de Menezes, já depois da linha do trem, ficava a Siqueira Gurgel. Era lá onde se fabricava o Sabonete Sigel, o óleo Pajeú, a gordura de coco Cariri e o famoso sabão Pavão.

Arquivo Nirez

Havia, na época, um jingle muito popular: "uma mão lava a outra com perfeição, e as duas lavam roupa com sabão pavão". O óleo de algodão Pajeú, produzido na Siqueira Gurgel, ficou na história, isso porque a lata trazia estampada a figura de uma negrinha de tranças, bem sapeca em seus modos. Os tempos mudaram, a Siqueira Gurgel foi vendida e a área pertence hoje a uma rede de Hipermercado.


Ninguém lembra mais que na confluência da José Bastos com Bezerra de Menezes havia a Farmácia da D. Rosélia, mãe dos Professores Benito e Lúcio Melo, servindo a toda a população do bairro, necessitada de remédios, curativos e injeções.

Otávio Bonfim - Acervo Marcelo Gurgel

A pracinha, mesmo depois de passar por sucessivas reformas, que lhe presentearam com canteiros, mudas de plantas, calçamento novo, perdeu um bocado do seu encanto. Ficou menos bucólica e mais suja.

A Sumov, então, deu lugar à Regional I, tornando-se um ninho de políticos ligados à gestão municipal. O que não mudou, foi a questão física do perímetro. Por um lado, caminha-se para o Beco dos Pintos, por outro, vai-se para o Cercado do Zé Padre.

Essa é uma versão de Fortaleza, em tempo real. Há marginalidade, há religiosidade, há urbanidade, tudo convivendo democraticamente, em que pese a violência instituída que está impondo aos moradores do bairro fechar suas portas, tão logo o sol descamba na linha do horizonte. Sinais dos tempos!

"Matadouro do Otávio Bonfim, que funcionava perto da estação de trem e onde hoje está o prédio da regional I, ao lado da pracinha. O Matadouro existiu até o ano de 1926. Fortaleza teve quatro matadouros. O primeiro matadouro foi no centro; o segundo, foi este do Otávio Bonfim, o terceiro foi o do Jardim América e o quarto era o Frifort, depois dele, não surgiu mais nenhum e hoje a população não sabe a origem da carne que consome." Nirez

Otávio Bonfim & Farias Brito
Muitas pessoas chamam o bairro de Otávio Bonfim, no código urbanístico da cidade tem, na verdade, o nome de Farias Brito. De igual forma, a praça que fica em frente à Igreja de Nossa Senhora das Dores, diferentemente do que imaginam os transeuntes, é denominada Praça dos Libertadores. Otávio Bonfim, assim conhecido o bairro Farias Brito, foi integrante do quadro de pessoal da antiga Rede de Viação Cearense, tendo sido por conta da sua condição de engenheiro, responsável por obras da RVC, que a sua figura ficou vinculada àquela área da cidade, dando nome, inclusive, à primeira estação do trem, após sua saída do terminal, no centro de Fortaleza, na direção norte-sul. O cine Familiar, vizinho à Igreja das Dores, por muitos anos, até o final da década de 1960, polarizou a atenção do moradores do bairro, que tinham ali um ponto de encontro para assistir filmes projetados, com o maior cuidado, pelo Vavá, um amante, como poucos, da sétima arte.

As pessoas confundem Praça das Dores com Praça do Otávio Bonfim. Na verdade, nem uma coisa nem outra. A praça é dos Libertadores e, se por acaso, tornou-se conhecida como Praça das Dores, o fato deveu-se à Igreja de Nossa Senhora das Dores, ali construída em 1932, e entregue aos frades franciscanos, muito dos quais alemães, empenhados em difundir a palavra de Cristo, entre os moradores da área, especialmente o grupo de jovens, fossem eles mais ou menos abonados.


 
Linda casa do bairro - Arquivo Nirez

A história do bairro, que de direito é Farias Brito, e de fato, é chamado de Otávio Bonfim, ganhou notoriedade por seu ecletismo, haja vista o registro de uma convivência pacífica entre quem, por exemplo, trabalhava, sol e chuva, no ferro velho, junto ao Mercado São Sebastião e quem, como o Sr. Jusako, cultivava flores, no Jardim Japonês. O catolicismo, por sua vez, convive em paz, com outras manifestações religiosas, haja vista a existência, no bairro, de muitos cultos evangélicos.

 
Arquivo Nirez

A renda 'per capita' dos moradores também é bastante variável. Há comerciantes, profissionais liberais, residindo na área, do mesmo modo que a marginalidade também dá suas caras ali, sendo os abusos coibidos pelo 3º Distrito Policial, instalado bem ao lado da linha do trem. O charme do bairro está na sua diversidade e, certamente, no clima de interior, que ainda circula por lá.




Créditos: Diário do Nordeste (Elsie Studart Gurgel/Marcelo Gurgel) e Arquivo Nirez

segunda-feira, 23 de julho de 2012

O antigo Cine Familiar - Otávio Bonfim


Fachada do Cine Familiar na Praça dos Libertadores, no Otávio Bonfim - Foto Aba Film

Em 1949 começava, no bairro de Otávio Bonfim, a paixão de um cearense pelo cinema. Raimundo Carneiro de Araújo, “Seu” Vavá, começou sua vida profissional como
carregador de filme (o auxiliar do projecionista) do Cine Nazaré, que depois teria o nome mudado para Cine Familiar, e pertencia à paróquia de Nossa Senhora das Dores. Ele trabalhou nesse cinema até 1968, exercendo funções diversas, até chegar a gerente geral em 1957. No Cine Familiar, graças ao publicitário Tarcísio Tavares e ao empresário Maurílio Arraes (arrendatários do cinema às segundas-feiras, mantendo de 1966 a 1970, um dos mais interessantes cinemas de arte de Fortaleza), foi exibido em 16 de fevereiro de 1967, a obra prima de Orson Welles, ‘Cidadão Kane
*.

Seu Vavá - Foto de Neysla Rocha

Depois de aposentado não conseguiu esquecer essa paixão. Comprou as cadeiras do extinto Cine Fortaleza, e devagar, com muito carinho, foi montando seu próprio cinema. E então o Cine Nazaré renasceu, no mesmo bairro de Otávio Bonfim, na rua Padre Graça nº 65. Hoje “Seu” Vavá é o orgulhoso proprietário de uma das últimas salas de cinema à moda antiga, na realidade um pequeno museu, nessa cidade que já teve mais de duas dezenas de cinemas espalhados por seus bairros. Simples, sempre risonho, 81 anos bem vividos, “Seu” Vavá talvez nem imagine que realizar esse sonho foi, ao mesmo tempo, uma declaração de amor a Fortaleza.

O Cine Familiar era anexo a Igreja N.S. das Dores e foi construído com investimento dos frades Franciscanos. Funcionou até a década de 60 como opção de lazer para os moradores de Otávio Bonfim e adjacências.
O Cine dedicava-se à exibição de filmes de arte, localizado no bairro de Otávio Bonfim. Não se localizava, portanto, no “olho” das salas de exibições cinematográficas fortalezenses.

 
Sala de exibição do Cine Familiar na Praça dos Libertadores, no Otávio Bonfim 
Foto Aba Film

O Cine Familiar, foi fundado pelo frei Leopoldo, surgiu para fazer oposição e contrabalançar os malefícios decorrentes da apresentação de fitas a cargo do Cine Odeon, que funcionava em área defronte onde hoje se localiza a Delegacia do 3º Distrito Policial. O Cine Odeon era de propriedade de José Marcelino, àquela época marchante, e que funcionava o seu cinema sem dar grande “bolas” para a moral e os bons costumes, ditados pela censura do jornal O Nordeste.

 
Foto de 1960

Frei Leopoldo diz, em registro: “Em dezembro de 1935, resolvi construir, ao lado da Igreja, no parque dos meninos, um pavilhão aberto para nele ser ensinado o catecismo. Ao mesmo tempo adquiri um velho aparelho de cinema, fora de uso, e quase de graça, dando apenas um pequeno aparelho de projeção fixa em troca. Era minha intenção dar, de vez em quando, uma pequena sessão cinematográfica para os meninos do catecismo. Vendo grande interesse do povo e notando ao mesmo tempo que um cinema vizinho passava todas as fitas, mesmo as condenadas pela censura católica, resolvi dar sessões semanais. Consertei o aparelho, um tanto avariado, o melhor possível e comecei. O resultado foi satisfatório. Em dezembro de 1936, na ocasião da visitação canônica, combinei com o Rev. Pe. Provincial de que o dinheiro do cinema fosse aplicado à pobreza. O Sr. Miguel Rosendo daria dinheiro e mantimentos mediante vales despachados por mim e pelo Sr. José Alexandre, presidente dos vicentinos, entre pessoas idosas. No fim de cada mês resgataria esses vales com o dinheiro do cinema. Em agosto de 1937 adquiri um aparelho já usado para tornar o cinema falado, da mão do Pe. Luis Braga, por 7.000$000, montado aqui e funcionando. O dinheiro foi dado, parte por pessoas amigas da cidade, parte do saldo de cada mês. Era um cinema falado, funcionando até bem, mas só na minha mão, por ser muito complicado. Recebendo, às vezes, pessoas “endinheiradas” da cidade, em visita, as mesmas achavam tudo muito trabalhoso, para mim, muito quente na cabine e acharam de bom alvitre em comprar um aparelho moderno, novo, bom, prometendo dar o dinheiro. Combinei, “exigindo” porém, antes de fazer a encomenda, o dinheiro. Aos poucos vinha recebendo os donativos para esse fim. (...) Lá passam fitas aprovadas pela Censura de O Nordeste”.

Cine Familiar, inaugurado em dezembro de 1937, na Praça dos Libertadores, no bairro de Otávio Bonfim, fundado pelo Frei Leopoldo, pertencente à Paróquia de Nossa Senhora das Dores. Em 12 de agosto de 1968 houve a última exibição no Cine Familiar, com o filme “Bandoleiros do Mississipi”.


Por essa época, a Praça fronteiriça era um imenso areal, cuja travessia incomodava muita gente. Chamava-se Praça dos Libertadores. Ganhou a denominação que hoje ostenta, de Praça de Otávio Bonfim, ao ser inaugurada no final do mês de maio do ano de 1941, na gestão do Prefeito Alencar Araripe, quando foi transformada a área, com a plantação de canteiros, construção de passeio e iluminada com lâmpadas elétricas.

Foto da então Praça dos Libertadores - Arquivo Nirez

O cinema funcionou até 1968 quando foi fechado por exigência do Pe Provincial sob
a alegação de que estava dando mais prejuízos que retorno financeiro. Foi aberta
concorrência para arrendamento da sala de projeção em 1970, saindo como vencedora,
a empresa Severiano Ribeiro, que posteriormente, decidiu pela desativação.

Saiba Mais:

  • 02/12/1937   - Surgiu, no bairro de Otávio Bonfim, o Cine Familiar, na Praça dos Libertadores, pertencente à Paróquia de Nossa Senhora das Dores. 

  • 11/08/1968 - Última exibição no Cine Familiar, com o filme "Bandoleiros do Mississipi". 

  • 18/05/1969 - O antigo operador do Cine Familiar, Raimundo Carneiro de Araújo (Vavá), adquire e reabre o Cine Nazaré, na Rua Padre Graça nº 65, com o filme "Desafio de Gigantes". Ficaria até 1972.

*"O filme Cidadão Kane teve lançamento em Fortaleza, no Moderno, no dia 2 de abril de 1944. Como não chamou a atenção maior dos cinéfilos da época, pensavam muitos que não fora exibido na cidade e o Tarcísio é que exibira pela primeira vez no Cine Familiar."  Ary Bezerra Leite

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Fontes: Diário do Nordeste, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo 
e  Site Paroquiadasdores.org

NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: