Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

terça-feira, 16 de abril de 2013

Oscar Pedreira - O homem que implantou a primeira linha de ônibus em Fortaleza - Parte II


Fatos Relacionados: Empresa Ribeiro & Pedreira e Empresa Pedreira


O Caso da Empresa Ribeiro & Pedreira e a polícia - Matéria publicada no Jornal Gazeta de Notícias, pág. 07 de 04/06/1929:

Esclarecimentos dos srs. Perboyre e Silva e tte. Porphirio

A G A Z E T A noticiou hontem, em primeira mão, o incidente ocorrido no dia anterior entre o sr. Oscar Pedreira, socio de uma empresa de omnibus, e a policia.

O facto, segundo nossa local, revestira-se de certa gravidade dada a maneira, um tanto desabusada, com que agira o inspector de serviço - sr. Antonio Peixoto.

Aquelle cidadão, dentro da 2a. delegacia, tinha sido grosseiramente tratado pelo referido inspector, que, sem procurar ouvi-lo, como, aliás, é de praxe, quiz logo trancafia-lo.

Divulgando o facto, verberamos, como é natural, o procedimento do sr. Antonio Peixoto, chamando ainda a attenção do sr. Perboyre e Silva para o boato, que corria na cidade, de que alguns guardas estavam recebendo gorgetas da "Light", a fim de forgicarem contravenções por parte dos omnibus.


A proposito do mesmo assumpto, procurou-nos o jovem delegado Perboyre e Silva, que prometteu mandar apurar aquella nossa denuncia.

Disse-nos mais, que ao chegar, cerca de 16,30 hs., á Delegacia, de regresso de uma diligencia a Mecejana, já ali encontràra o sr. Oscar Pedreira.

Immediatamente, tomou conhecimento do que occorrera, procurando resolver o caso de accordo com o sr. secretario da policia, por isso que o mesmo, simultaneamente, estava affecto as duas Delegacias - o flagrante do omnibus, no Alagadiço, e a prisão do sr. Pedreira, na praça do Ferreira.

O sr. Perboyre e Silva declarara ainda que o inspector, enviando varios guardas para effectuar a prisão do socio da empresa, agira de accordo com as queixas do guarda, que allegara estar esse senhor procurando difficultar a acção da policia.

Isso mesmo o policial disse no seu depoimento.

Posteriormente, procurou o sr. tte. Porphirio de Lima, cujos esclarecimentos a nós prestados vieram corroborar in totum as palavras do sr. Perboyre e Silva.

Affirmou-nos s. s. que a policia, absolutamente, não usa de medidas vexatorias prejudiciais á empresa. Antes pelo contrario. Os guardas de vehiculos são por demais condecendentes com os chauffeurs dos omnibus.

Quanto ao fornecimento de dinheiro aos mencionados guardas, disse-nos que quem o fazia não era a "Light" e sim a propria policia.

E elles recebiam 5$ ou 6$ e até mais nos dias movimentados, a fim de melhor fiscalizarem a observancia do mandado.

Em vista das declarações do tte. Porphirio, ficámos até com vontade de mudar de profissão e... ir passear de omnibus...




As passagens de ônibus - O Sr. Oscar Pedreira não quer saber de aumento. Matéria publicada no Jornal O Povo de 13/09/1949:

"Na manhã de Domingo ultima em surpresa geral. Consumou-se o tão combatido aumento dos preços das passagens de ônibus.

A população de Fortaleza devera ter sido notificada previamente, por parte da comissão Estadual de preços a respeito das novas taxas que lhes tão sendo cobradas. Em conseqüência do inesperado ás resoluções, vários desentendimentos se registraram entre passageiros, condutores e motoristas de ônibus.

O caso do aumento dos preços de ônibus, era assunto para ser ainda longamente debatido ou, pelo menos, procrastinado, de vez que o aumento já não comporta majoração de preços de qualquer natureza.

Sem desejarmos entrar em maiores considerações, sôbre aumento em fóco, que deve envolver questões por demais complexas, temos a adiantar, ante o que já é do conhecimento publico, que os maiores prejudicados foram exatamente, os operários, por que recebem pequenos e por isso mesmo moram distantes do centro da cidade, em casos modestos. De alguns mais accessiveis. O destino lhes foi assim, adverso. As passagens mais caras são por sinal, as dos que não podem residir próximo do centro da cidade.

Pela manhã de hoje o sr. Oscar Pedreira, dono de uma das mais eficientes empresas um dos jornalistas desta folha para declarar-lhe que não aumentou nem pretende aumentar os preços das passagens nos veículos de sua propriedade acrescentando que ia mais cogitar dessa medida. Enquanto outros empresários lutaram, com todas as armas, em prol do aumento dos seus lucros majorando os preços. Tratam de aumentar o numero de veículos para melhor servir o publico.

A linha a que se refere o sr. Pedreira é a circular Praça do Ferreira - Colégio Estadual, via rua são Paulo, inaugurado hoje.

O exemplo dado pelo sr. Oscar Pedreira devia ser imitado por outras empresas, que não se conformam com o já considerável lucro que vem auferindo."


*Grafia da época

Veja a Parte I
Fonte: Cepimar

segunda-feira, 15 de abril de 2013

Oscar Pedreira - O homem que implantou a primeira linha de ônibus em Fortaleza



Na foto, vemos Sr. Oscar Pedreira, a esposa e as sobrinhas. O bairro Jacarecanga concentrava o maior número de palacetes e mansões de Fortaleza. Com 3 pisos, o casarão do empresário Oscar Pedreira era uma das mais bonitas residências da área. 
Arquivo Marciano Lopes

Oscar Jataí Pedreira, filho de tradicional família cearense, foi o pioneiro do transporte de massa em Fortaleza. Dirigiu a sua empresa de ônibus durante 30 anos, até o final da década de 50. Filho de Luis da Silva Pedreira e de Francisca Jataí Pedreira nasceu em Fortaleza a 18 de julho de 1896, contando portanto, mais de 81 anos de idade. Casado com Dona Francisquinha Holanda Pedreira. Não houve filhos na união que, no entanto, foi das mais felizes. Dos 7 irmãos, apenas um, Artur*, o mais novo está vivo. Os demais também faleceram: Alzira, Amélia, Afonso, Alice, Luiz e Angélica. Esteve sempre presente à educação de seus inúmeros sobrinhos, caracterizando-se não apenas como correto e honesto empresário, mas ainda como chefe de família exemplar. 

Casa de Oscar Pedreira hoje

Uma das construções mais imponentes do Jacarecanga, o Bangalô de Oscar Pedreira, aguarda proteção urgente - Arquivo Diário do Nordeste

O Bangalô é uma das mais imponentes construções do bairro Jacarecanga. Está entre os espaços que possuem processo de tombo em aberto. Localizado na Avenida Filomeno Gomes, ainda abriga uma família. Marcado pela má conservação, o lugar vai se mantendo como pode. Mesmo com as paredes descascadas e janelas quebradas, o bangalô é um dos símbolos de que a história de Fortaleza está ali, ao lado do ponto de ônibus e do carrinho que vende sanduíches na calçada do casarão.


Morreu Oscar Pedreira: Foi ele o pioneiro do nosso transporte de massa

Matéria publicada no Jornal O Povo pág. 03 de 14 de dezembro de 1977


"Faleceu Oscar Pedreira (Oscar Jataí Pedreira), aos 81 anos de idade. Várias gerações, principalmente de estudantes do velho Liceu do Ceará, conheceram aquele que implantou a primeira linha de ônibus em Fortaleza, ao tempo em que a cidade contava apenas com os bondinhos da Ceará Light. Inicialmente, Pedreira, como era mais conhecido, organizou a Linha de Jacarecanga, ampliando em seguida a sua empresa coma criação de uma segunda, a do bairro de Carlito Pamplona. Começando a vida como motorista, Oscar Pedreira jamais deixou que a sua empresa servisse mal aos passageiros. Dinâmico e irrequieto, assumia ele mesmo o posto de chofer, quando um profissional faltava. O que não admitia era que a população de Jacarecanga e Carlito Pamplona ficasse prejudicada.

A Empresa Pedreira Ltda, primava pelo asseio e organização enquanto seu proprietário se popularizou pela presença constante na Praça do Ferreira, paradas intermediárias e finais de linhas, para a fiscalização do serviço que estava prestando a ponderável parcela do povo fortalezense.

Parada de ônibus próximo a Praça do Ferreira - Arquivo Nirez

Praça do Ferreira nos anos 40 com circulação de bonde, ônibus e táxis

Sepultamento 


O sepultamento de Oscar Pedreira será às 8 horas de hoje no Cemitério de São João Batista, saindo o féretro de sua residência, à avenida Francisco Sá, 1849.



Essa bela casa ficava na Avenida Francisco Sá, não sei a numeração. Seria essa, a última residência em que morou, Oscar Pedreira?

Com o seu falecimento coloca-se um ponto final, também, num dos capítulos da história."

Em 18 de julho de 1979, inaugura-se, em Fortaleza, a Rua Oscar Pedreira, no Jacarecanga, antiga Travessa Quixeramobim, projeto do vereador Luís Ângelo, homenagem a Oscar Jataí Pedreira (Oscar Pedreira), um dos pioneiros no transporte coletivo em ônibus em nossa terra.



Rua Oscar Pedreira. Encravada na Avenida Francisco Sá, entre a Av. Filomeno Gomes e a rua Antônio Bandeira. Foto de 2011

Oscar Pedreira era fortalezense, nascido em 1896.

Morreu aos 81 anos de idade, em sua casa, na Avenida Francisco Sá nº 1849 em 13 de dezembro de 1977, sendo sepultado no dia seguinte no Cemitério São João Batista.


Empresa Ribeiro & Pedreira




Ônibus com carroceria de madeira da década de 30/40

A empresa iniciou suas atividade em 1927, mas só foi registrada na Junta Comercial em
22/05/1928. Os ônibus tinham carroceria de madeira construídos sobre chassi de caminhão.
Os doze ônibus que pertenceram a Empresa Ribeiro & Pedreira, dez eram da marca
"Chevrolet" e dois eram da marca "Dodge". Esta empresa foi a primeira a operar uma linha
de ônibus em Fortaleza, ao tempo em que a cidade contava apenas com os bondes da Ceará
Light
. Após a firma ser extinta Oscar Pedreira ficou com os doze ônibus sob seu  poder,
registrando outra Empresa - Pedreira & Cia.

Funcionou de 1927 a 1929

Proprietários / Sócios
Humberto Ribeiro

Oscar Pedreira

Linhas Urbanas:

Escola Aprendizes Marinheiros (Fortaleza)
Outeiro, atual Aldeota / Centro (Fortaleza)
Parangaba
Via Férrea (Fortaleza)


Metropolitanas:
Fortaleza / Maranguape
Frota

1927 - 02 ônibus
1929 - 12 ônibus




Empresa Pedreira 

Primeira Empresa a adquirir chassis para ônibus (1941) e empregar moças como cobradora (1946). Em 2002, Oscar Jataí Pedreira foi homenageado com a medalha CEPIMAR de Transporte de Passageiros, na Categoria “Post Mortem”, outorgada pela Federação das Empresas de Transportes Rodoviários dos Estados do Ceará, Piauí e Maranhão 

A empresa começou a funcionar em 1929 e deixou de funcionar no final da década de 70.

Proprietários / Sócios
João de Carvalho Góes
Oscar Pedreira
Linhas Urbanas:
 
Brasil Oiticica / Centro (Fortaleza)
Carlito Pamplona / Centro (Fortaleza)
Jacarecanga / Centro (Fortaleza)
Vila São José / Centro (Fortaleza)


Frota

auto-ônibus


Foto da década de 50. Abrigo Central na Praça do Ferreira

Fatos Históricos



  • 1928 - Surgem os ônibus de propriedade de Oscar Pedreira, que apesar de bem recebidos pela população, são mal recebidos pela Light que abre processo acusando a nova empresa de usar seus trilhos.


  • 13/dezembro/1977 - Morre, aos 81 anos de idade, em sua casa, na Avenida Francisco Sá nº 1849, em Fortaleza, Oscar Jataí Pedreira (Oscar Pedreira), um dos pioneiros no transporte coletivo em ônibus em nossa terra. Era fortalezense nascido em 18/07/1896. Foi sepultado no dia seguinte no Cemitério São João Batista. Hoje existe uma rua no Jacarecanga com seu nome.


  • 18/julho/1979 - Inaugura-se, em Fortaleza, a Rua Oscar Pedreira, no Jacarecanga, antiga Travessa Quixeramobim, projeto do vereador Luís Ângelo, homenagem ao pioneiro dos empresários de ônibus.


Primeira residência de Oscar Pedreira no cruzamento da Avenida Filomeno Gomes com Monsenhor Dantas, ainda existe, mas se encontra em péssimo estado de conservação:







* Isso em 1977, data da reportagem do Jornal O Povo

Leia também a Parte II


Fontes: Cepimar, Diário do Nordeste, 
Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo

domingo, 14 de abril de 2013

Fortaleza 287 anos - Uma senhora irrequieta, elegante, com seus atavios e encantos






“Minha jangada de vela,
que ventos queres levar?
De dia, ventos da terra,
De noite, ventos do mar.” Juvenal Galeno

Duzentos e oitenta e sete anos passados, Fortaleza distanciou-se de suas origens, já não parece lembrar a sua identidade ancestral. Mas ganhou roupa nova, nem sempre de bom gosto, convenhamos, talhada às pressas, apertando no cóis e curta nas barras, segundo o impulso do momento, da imposição da moda, fiel ao espírito de “progresso” que animou os valentes empreendedores de passagem e os autóctones.

 Não terá sido diferente com outras cidades brasileiras, cravadas ao longo do litoral. O passado parece ser para os filhos desta terra um peso de cujo incômodo nos devíamos desfazer.

Destruímos, diligentemente, o que havia de mais significativo de seu acervo material. Continuamos, com aplicação, a apagar os vestígios de suas origens  graças ao “bota-abaixo” incansável dos gestores públicos, inspirado nos interesses privados, e à ignorância que aqui fez morada, e ao desamor inculto, quase vergonha mal dissimulada, pelo pobre patrimônio acumulado, encorajados por uma reverência suspeita pelo futuro. Fomos, nós cearenses, no passado, um povo desinteressado pelas coisas de nossa própria cultura, avesso à informação e aos conhecimentos. Não por gosto, mas, certamente, pelas circunstâncias em que o povo cearense viveu, mergulhado na pobreza e na

 indigência da educação. Sob a proteção das oligarquias que, sob mil faces, perduram entre nós, vestidas por uma roupagem moderna e urbana.

Capitania sem “capitão-mor”

Não se há de esquecer que, dentre as Capitanias, anunciadas hereditárias, empreendimento público-privado inaugurado pelos colonizadores, a do Ceará foi a única que jamais conheceu o seu titular “arrendatário”, tendo vivido na dependência umbilical de Pernambuco. Para o bem ou para o mal, surgimos “terceirizados”, e aqui ficamos esquecidos, até mesmo quando alguns homens inspirados desenharam o “polígono das secas”, dentro de cujas fronteiras tantos pereceram e tantos sobreviveram, tocados pela sorte e pela riqueza.

Foram poucos os ladrilhadores

Com o passar do tempo o vilarejo elevado sobre as dunas foi crescendo como pôde, ganhando o interior das terras ribeirinhas, indo em direção norte e descendo para o sul. De vila à cidade, foi-se expandindo, sem que um projeto bem concebido lhe orientasse os passos e a conquista de espaços vazios. Do tempo quando se fez conhecer a intuição generosa do boticário Ferreira aos nossos dias, poucas tentativas sérias merecem registro. Entre elas, os planos urbanísticos desenvolvidos por Silva Paulet e Adolfo Herbster, os pioneiros, e Saboia Ribeiro e Hélio Modesto, a partir da década de 1950. De lá para cá, a cidade criou tentáculos, labirintos e artérias, ao ritmo de seus espasmos desordenados de crescimento. Predominou, na maior parte dos casos, a força do crescimento imobiliário. 

A destruição das obras mais representativas fez-se lentamente, em alguns casos, céleres, sempre que os interesses financeiros imprimem velocidade às obras e desideratos humanos.

O “bota-abaixo” para atrair o “futuro”

A “limpeza modernizante” começou em torno dos anos 40, com a cumplicidade dos entes públicos, senão a sua iniciativa, e a admiração ingênua dos fortalezenses, fascinados com as obras de desmonte das “velharias”. A cidade contraiu construções horrendas, modismos modernosos improvisados ao sabor das exigências de proprietários “nouveaux riches”, burgueses em ascensão  aspirantes por “status” e pela respeitabilidade da riqueza notada e ostensiva. Essas criações indecorosas, do ponto de vista arquitetônico, foram trabalhadas nas pranchetas de engenheiros civis, bons de cálculos e ruins de aprumo vitruviano.

Não havia, por esse tempo, arquitetura como atividade ou profissão, era tida como uma ocupação pouco masculina que incutia suspeitas entre os homens de tradição conservadora e viril. Havia quem confundisse o arquiteto com 

os maneirismos dos decoradores. Com o advento da UFC e de sua Escola de Arquitetura, surgiram os primeiros profissionais, formados em casa, e, com eles, projetos inovadores que, de um certo modo, salvaram o perfil de Fortaleza, com linhas modernas e cores tropicais.

 Não sem que os horizontes não viessem a ser extirpados da paisagem, enquadrados entre construções de concreto que subiram, fechando a beleza da terra, deixando à vista, apenas, o azul claro dos céus cearenses…

As derradeiras lembranças da Fortaleza anterior aos anos 1930 foram erradicadas, graças ao trabalho e ao empenho de prefeitos e vereadores, artesãos do “novo” que nem a cidade, tampouco nós merecíamos. 

O prédio da Intendência Municipal, só para dar um pálido exemplo da capacidade destruidora de nossos edis, foi posto abaixo e em seu lugar levantado o que se chamou deAbrigo Central, concepção trágica, monumento ao mau gosto e à desocupação transformada em folclore. Essa obra, uma réplica de mau gusto do Tabuleiro da Baiana, do Rio de Janeiro, resistiu a todas as tentativas de demolição, de braços com a ignorância de nossos políticos e dos burgueses que foram erguendo os seus palacetes nos bairros tradicionais e em novas trilhas de expansão. Arrancaram-se os trilhos dos bondes e tiraram-nos de circulação, transformando em lenha os vagões de madeira de outros tempos. Alguns, muito poucos, escaparam, recolhidos a coleções que já não existem mais.

 O Palácio do Plácido, que chegou a ser considerado como possibilidade de lá instalar-se a reitoria da UFC, em 1954, foi demolido durante a noite: seus proprietários pretendendo furtar-se à proibição imposta pela prefeitura, fizeram um mutirão e o puseram abaixo em poucas horas.



O sequestro do passado ignorado

Monumentos e bens públicos, obras de arte de praças e pequenas localidades, desapareceram. Poucos se salvaram da desídia official, da ignorância dos seus gestores.
A fonte da Praça da Lagoinha foi salva pela Universidade Federal do Ceará e pelo Banco do Nordeste do Brasil, graças ao então prefeito Lúcio Alcântara e a pertinácia de Zuleide Martins de Menezes. O bebedouro de Mondubim, obra em metal importada da França (cuja tradição de bons forjadores é ainda hoje lembrada), desapareceu e poucos sabem onde possa encontrar-se. Havia replicas em outros pontos e bairros da cidade. As que escaparam à apreensão por particulares, foram fundidas a que se deu melhor aproveitamento. A estrutura dos mercados reduziu-se à que hoje acolhe vasto público, frequentadores de restaurantes, bares e casas de comida, na Praça dos Pinhões. Integraram-se á vida da cidade e milagrosamente sobreviveram aos cuidados da edilidade. Os outros não são mais vistos a olho nu.

Mais tempo houvesse e interesse de quem lê estas linhas desafinadas justificasse o esforço, poderíamos continuar nesses registros incômodos.

Matias Beck versus Soares Moreno, batalha a céu aberto



Lustosa da Costa empenhou-se por apaziguar a guerra que se estabeleceu entre os defensores de Matias Beck e Soares Moreno, como fundadores de Fortaleza. Historiadores e sodalícios da mais alta estirpe entraram em conflito aberto, uma verdadeira “jihad”, para nomear o fundador de Fortaleza. Dado a importância do embate Lustosa sugeriu, certa feita, que a cidade fosse dividida em Fortaleza Ocidental e Fortaleza Oriental, tendo como fronteira natural o riacho Pajeú, de saudosa memória, cada uma delas com o seu fundador.

 Não houve vencedores nem perdedores. Tornamo-nos uma cidade ecumenical, tendo um lusitano e um flamengo como fundadores “ad perpetuam rei memoria”.
Ismael Pordeus e Raimundo Girão terçaram armas e pesquisas, documentos e velhos papéis de arquivos, mesmo os que jaziam nas arcas do Além-mar para provar a precedência de seus heróis na fundação da cidade de Fortaleza. Até hoje essa disputa separa historiadores e os indispõem entre si.

Por esse tempo, quando os estudiosos porfiavam pela aceitação de suas teorias fundadoras, o professor Antônio Martins Filho, reitor da UFC, ao tempo, houve por bem fazer da Universidade terreno neutro entre os contendores. Floriano Teixeira foi contratado para pintar os retratos de Matias Beck e Martins Soares Moreno, não necessariamente nesta ordem. Pretendia, assim, Martins Filho fixar, cientificamente, a isenção da UFC em face da beligerância crescente entre as hostes beckistas e martinianas. Os quadros, dois óleos que ainda hoje devem estar por lá, foram afixados na antecâmara do gabinete do reitor, lugar de honra merecida por tão eminentes navegadores e funcionários. Comissão formada pelo Instituto do Ceará, Histórico e Geográfico deslocou-se ao Benfica para realizar verificação in loco do gesto pacificador do reitor.

Duas Fortalezas, uma de costas para a outra

Coexistem, hoje, duas cidades, uma de costas para a outra. Da Praça do Ferreira para o norte, é a pobreza das cidades miseráveis, mal servida, em processo de desagregação, por onde circula e mora uma população numerosa e desassistida e carente. Da Avenida Dom Manuel para o Sul, é outra cidade, com ares metropolitanos que se expandiu, entretanto, sem projetos urbanos, sem praças, atopetada de prédios cujo gabarito foge ao desejável, segundo os modernos padrões de qualidade de vida. As praças foram leiloadas, áreas verdes, com muitas árvores, cajueiros e mangueiras, vendidas para incorporações lucrativas, Antropotecas gigantescas que sobem para mais de 20 andares, fecham os horizontes e param o sopro dos ventos.

 A cidade foi, assim, emparedada, tornou-se um contra-forte erguido contra o mar-oceano, os verdes mares que banha as brancas terras, como diria Alencar.

A persistência do “xadrez”

Das cidades da região, Fortaleza caracteriza-se pelo arruado em xadrez. Traçado equilibrado, como se fosse um grande “puzzle”, com peças encaixadas. O centro urbano original era assim, é assim. O crescimento para o poente, em destino ao Alagadiço e ao seu vasto entorno conservou o mesmo traçado hígido; o que se deu para o nascente, na direção do Outeiro e, depois, da Aldeota guardou o quadriculado que aprisiona, hoje, o fluxo do tráfego e torna o transporte de superfície desafio para os urbanistas e padecimentos para os habitantes da cidade. O modelo que, se esperava, fosse abandonado sob a pressão da conquista de novos espaços e da sua urbanização, sobreviveu às circunstâncias e ao exemplo de outras cidades. Não temos uma cidade planejada, como Brasília ou Belo Horizonte, nascidas em prancheta de urbanistas. Mas é como se Fortaleza tivesse tido a mesma criação inspiradora…

Quarteirões pequenos, cruzamentos próximos, ruas estreitas, calçadas reduzidas e mal calçadas. As grandes vias surgiram, por imposição da realidade, mas são recentes. E servem aos fluxos com demanda de bairros periféricos, muitos deles já abraçados pelos tentáculos da cidade grande.

Por força dos impedimentos criados por uma urbanização “reprodutiva” da teia enxadrezada original, produziu-se entre nós uma cultura particular, com o surgimento do “centauro fortalezense”, o bípede transformado em carro, cabeça, tronco e rodas. Como não há calçadas, as pessoas não andam, salvo nos lugares onde praticam disciplinadamente o seu “cooper”. De modo geral, deixam suas moradas sobre rodas e estacionam em frente do destino. A insegurança que agora se abateu sobre os fortalezenses aprimoram a arte da direção auto-motiva. Não se há de saber o que é pior, se um cruzamento com semáforo ou se liberado à gana dos condutores de suas carruagens do ano.

Um “Manual do Usuário de Fortaleza”


Apesar de tudo, é uma cidade gostosa, alegre e ensolarada, que o sol não foi ainda removido por decreto municipal. É verdade que o trânsito tornou-se um inferno, os transportes coletivos viraram um aparelho de tortura. 

Mas é a nossa cidade.

Falta aos seus diletos habitantes um Manual do Usuário de Fortaleza, com regras pertinentes que nos mostrem como viver, conviver e sobreviver nesta cidade gentil e bela à beira mar plantada.




Texto de Paulo Elpídio de Menezes Neto

NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: