Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

sábado, 12 de julho de 2014

O transporte coletivo em Fortaleza - Entre 1945 e 1960



"Em 1958, os ônibus de Fortaleza eram palcos de todo o inesperado que pode se criar quando muita gente diferente se junta num mesmo espaço a caminho de destinos mais ou menos próximos. Podiam até mesmo ser reflexos diminuídos da grande cidade que se formava, tamanhas suas contradições. Vistas das janelas dos ônibus, de alguma forma, as ruas deixavam de ser caminhos ordenados pelos construtores da cidade para se tornarem veredas imprevisíveis, incertas até mesmo da chegada. Nos ônibus, o acolhimento da racionalidade urbana cedia assento para a aventura das relações humanas em movimento. Para enfrentar os ônibus, o conselheiro Milton Dias sugeria certo alheamento do real, como uma cautela frente à impossibilidade de compreensão do cotidiano vivido.
Então eram eles, os ônibus, por suas incongruências, os lugares possíveis de se
conhecer a gente da cidade."

Patricia Menezes




O CASO DA LIGHT

Andar de ônibus é talvez a aventura capaz de traduzir com mais precisão a realidade da cidade em disputa, pouco se sabe das discussões que envolveram a formação do moderno sistema de transporte de passageiros de Fortaleza. Nos primeiros momentos, esse enfrentamento se deu entre os bondes elétricos da The Ceará Tramway Light and Power e as pequenas empresas de ônibus que se multiplicaram na cidade depois de 1926.



Para o seu João Batista de Paula, o “Batista da Light¹, os maiores problemas que surgiram foram a Guerra e os ônibus. Se, para os ônibus, o racionamento de gasolina durante a Segunda Guerra Mundial trouxera inevitáveis transtornos com o gasogênio – improviso mecânico que permitia o tráfego de automóveis através da combustão de carvão –, para a Light, responsável pela eletricidade e pelos bondes da cidade, as dificuldades se multiplicaram na razão do tamanho da companhia e do seu papel determinante do desenvolvimento urbano de Fortaleza no final dos anos 1940.
Funcionário de carreira, seu Batista foi o único nome cearense que esteve à frente da The Ceará Tramway Light and Power Limited em Fortaleza, – afora o interventor nomeado pelo Governo Federal do Presidente Dutra, já nos últimos meses de funcionamento da empresa. Batista começou a trabalhar em 1914 como contínuo e foi galgando postos até chegar à gerência – o posto máximo da empresa no Brasil – em 1934, em substituição a Mr. Hull², que fora afastado quando a legislação brasileira impediu que estrangeiros exercessem funções de comando no País. Com 40 anos de trabalho na companhia, seu Batista conhecia a Light como ninguém. Lidava com intimidade com os problemas da vida dos trabalhadores e resolvia com desenvoltura as complicadas relações com os acionistas na Europa.


Em 1945, seu Batista pedira à sede da companhia em Londres que enviasse um lote de peças para que ele recolocasse em funcionamento grande parte da frota de bondes elétricos que estava encostada na garagem da Light, no bairro Joaquim Távora, em Fortaleza. Eram, ao todo, 53 tramways. Ele bem sabia
que eram pouquíssimos para atender os 195 mil habitantes da cidade, espalhados
ao longo dos caminhos das nove linhas de carris e em arrabaldes bem mais distantes do Centro. Mas comprar novos bondes e ampliar a instalação de trilhos e cabos elétricos impunha importantes negociações com os capitalistas ingleses. 


A fotografia dos anos 30 nos mostra um bonde elétrico da Ceará Tramways, Light & Power em Fortaleza. Está perto da Praça do Ferreira, na rua Pedro Borges esquina com Floriano Peixoto, em Frente à Mercearia Leão do Sul.


Portanto, resolver o problema de conservação da frota existente, sem dúvida, já
seria um grande benefício para Fortaleza.
A preocupação de seu Batista em aumentar o número de bondes urbanos era coisa que os jornais já estavam cansados de reclamar. A cidade estava se transformando numa metrópole, fazendo da desorganização da circulação e da deficiência do transporte coletivo problemas urgentes. Essas questões haviam
inspirado o Secretário de Segurança Pública do Estado, Raimundo Gomes de Matos, ainda em 1945, a contratar o senhor Rui Toledo para planejar melhorias nos deslocamentos da Capital. Era sabido que o descontrole do crescimento de Fortaleza transbordara as expectativas dos planos urbanísticos anteriores e exigia que o saber técnico tentasse esquadrinhar novamente o movimento da cidade.


Chegando de São Paulo pouco depois da substituição do titular da Secretaria por Romeu Martins, o senhor Rui de Toledo considerou o trânsito de Fortaleza um caos e, no tempo curto de seu contrato, limitou-se a sugerir medidas que visavam “melhorar a educação” das pessoas nas ruas. Recomendou, inclusive, a adoção de traves laterais nos bondes, de forma a impedir que os passageiros subissem por qualquer lado do carro e viajassem dependurados nos estribos, como bochecheiros³. Tais traves, finalmente, poderiam evitar as constantes paradas dos bondes para embarques fora dos pontos, que eram grandes obstáculos ao fluxo de automóveis.
As medidas eram tímidas. Mesmo com a confusão do tráfego e a notória escassez de veículos de transporte coletivo, havia dias que somente 8 dos 53 bondes elétricos entravam em circulação, tão deteriorada estava a frota da Light.


Seu Batista alegava que a companhia não dispunha de peças sobressalentes para reposição, pois a tecnologia dos tramways era inglesa e a crise do comércio
marítimo durante a Guerra impedia que os navios chegassem à Fortaleza.

Não há nervos que resistam à passagem na via pública dos calhambeques da companhia inglesa. São tramways desgastados pelo uso e máquinas corroídas pelo tempo. Controles que descontrolam os motorneiros e desconsertam os tristes passageiros.


Então, restava improvisar. Em janeiro de 1946, um grupo de trabalhadores da Light revelou ao repórter do Correio do Ceará que algumas peças quebradas
eram substituídas por engenhos feitos de cimento e cal pelos mecânicos da empresa, garantindo um número mínimo de bondes circulando, mesmo em
condições duvidosas. Os resultados de tal tática eram os frequentes acidentes e
incêndios espontâneos que revelavam aos assustados passageiros as deficiências
da oficina da companhia. Uma semana depois da revelação, o Unitário publicou o acidente com o bonde da linha José Bonifácio:

O bonde incendiou sua caixa de máquinas provocando, além dos ferimentos em seu guiador, susto nos passageiros que ali viajavam.  Unitário, Fortaleza, 21 jan. 1946. Em março de 1946, a falha nos freios de um bonde causou uma colisão que levou um garoto à morte. Correio do Ceará, Fortaleza, 13 mar. de 1946.

Mas, com o final da Segunda Guerra, a retomada do movimento internacional nos portos brasileiros e o começo da recuperação da Europa, as esperanças do seu Batista de receber a encomenda de peças da Grã Bretanha aumentaram. Ele planejava recolocar nas ruas os bondes elétricos que estavam parados ainda no ano de 1946.

Tomadas as providências para receber o carregamento, seu Batista viajou ao Rio de Janeiro para discutir com as autoridades do governo soluções para a crise financeira da Light. Deixou a gerência e a negociação sobre o dissídio dos
trabalhadores da empresa sob os cuidados de seu imediato, o engenheiro chefe,
Mr. Brown.
Naquele tempo, a Light mobilizava grande número de trabalhadores da cidade. Basta lembrar que logo no começo de suas atividades, em 1913, tratou de empregar, só na operação dos carris urbanos, 64 motorneiros – que guiavam os bondes – 64 condutores – que cobravam as passagens – e 25 fiscais, ou seja,
153 trabalhadores. Com o passar do tempo, o contingente de empregados só fez
crescer, principalmente depois que a empresa substitui a Ceará Gás Company na distribuição de eletricidade para iluminação das ruas, em 1934.

Eram muitos funcionários, se comparados às pequenas empresas de transporte por ônibus que existiam nos anos 1940. Trabalhavam em condições precárias mas, irmanados no embate com os patrões ingleses, formavam um grupo mais ou menos homogêneo. No começo dos anos 1920, criaram a Associação União e Progresso dos Trabalhadores da Light que se transformou, em 1931, no Sindicato de Operários da Light. E no passo da sua organização, já haviam deflagrado grandes greves que chegaram a paralisar a cidade em 1917, 1919 e 1926. Em 1926, o movimento paredista obrigara o Presidente do EstadoJosé Moreira da Rocha, a mobilizar forças para impor medidas de “caráter conciliador e, por último, de pronta reação, [somente quando então] os ânimos se acalmaram voltando os grevistas ao labor honesto e profícuo de sua profissão”. Mensagem apresentada à Assembleia Legislativa pelo Desembargador José Moreira da Rocha, presidente do Estado. Fortaleza: Typographia Gadelha, 1926. 

Os operários de bondes, força e luz eram, portanto, protagonistas de uma longa
história de reivindicações de trabalho.
Enquanto seu Batista estava às voltas com a crise da Light, em 1946, o governo federal regulou o direito de greve. Então, o Sindicato dos Operários em Empresas de Carris Urbanos de Fortaleza encaminhou à Delegacia Regional do Trabalho um memorial descrevendo as muitas responsabilidades dos trabalhadores da Light. No documento, o sindicato enumerava os desafios do aumento do custo de vida, das baixas remunerações e propunha, enfim, um
aumento que variava entre 50% e 80% sobre os salários. Naquele tempo de
escalada da carestia, os trabalhadores da Light ganhavam entre Cr$ 145,00 e Cr$
1.000,00. A fórmula de reajuste escalonado dos ordenados era uma alternativa à
conhecida inclinação da companhia em não diminuir sua margem de lucros. A
Delegacia do Trabalho despachou o pedido à gerencia da Light determinando um prazo de 48 horas para que patrões e empregados entrassem em acordo.

No dia 30 de março o prazo se esgotou, mas a Light não atendeu a reivindicação. Argumentava que não tinha dinheiro para arcar com o aumento. Mr. Brown, “em todo o caso – frisou – na resposta a ser enviada ao sindicato, ‘- Sugeriremos que seja utilizado, para cobrir esse aumento, o saldo resultante do aumento das tarifas de força e luz e cuja aplicação é da alçada do Governo’”.

Ou seja, naquele contrato em que as obrigações da companhia e do Governo não estavam muito claras, tanto os resultados dos aumentos de tarifa de bondes, luz e força quanto as responsabilidades de oferecer o serviço de qualidade à população se confundiam. Aliás, nos anos 1940, a constante das relações entre o Governo e Light era um jogo de compensações no qual os pedidos da empresa para autorização de aumentos no preço dos bondes correspondiam a compromissos de investimentos em novas linhas, cuidados com os tramways ou com a folha de pagamento do pessoal do tráfego. Mas, na maioria das vezes, os aumentos de tarifas não bastavam para cobrir os gastos da empresa. Então, os investimentos no serviço de transporte da cidade ficavam para depois.

Daí decorria o costumeiro desrespeito aos acordos firmados com as autoridades. Pouca gente acreditava nas promessas para minimizar o “castigo dos passageiros de bondes”. O sonho do seu Batista de aumentar a frota tornou-se bravata de 1º de abril em 1946, junto com as ironias urbanas sobre o funcionamento da iluminação e dos telefones, do tabelamento do preço do peixe, da chegada de navios.


Mentiras do Dia:
A Light adquiriu quarenta bondes novos, com assento de veludo e vai manter corrente contínua.

A sensação de que pouco se poderia esperar tornou-se mais concreta quando o vapor Benedict chegou a Fortaleza, em 3 de maio de 1946, com peças capazes de restaurar somente 10 dos bondes elétricos, que, segundo Mr. Brown, depois dos reparos, poderiam ser reintegrados às linhas da cidade em 10 semanas. 
A frustração daqueles que esperavam que os 53 bondes operassem só foi minorada pelas manchetes de jornais que sugeriam benfazejas expectativas do modelo alternativo de transporte coletivo na cidade:

ÔNIBUS ENCOMENDADOS
Segundo o nosso informante que é pessoa merecedora de fé, a Empresa Pedreira”, que explora as linhas de JacarecangaBrasil Oiticica, dentro de três meses, estará com mais 3 ônibus em circulação.
O sr. Jose Setúbal Pessoa, que mantém serviço de ônibus nas linhas de Praia de Iracema, Mucuripe e Seminário, inaugurou um novo veículo e tem encomenda de mais três.
 A “Empresa Salvador”, cujos carros trafegam para Monte Casteloantigo açude de João Lopes, lançou em circulação um carro novo e tem
encomendado mais dois.  

A “Empresa S. Gerardo” e “Severino” que exploram as linhas de Alagadiço, Benfica e Joaquim Távora , estão também com diversos veículos em construção.
Como observam os nossos leitores, nos três próximos meses, o nosso sistema de transportes inter-urbanos terá melhorado consideravelmente, marchando para uma solução definitiva e satisfatória a crise que ora nos aflige.

A comparação da ineficiência da gigante inglesa com as pequenas empresas de ônibus era inevitável. Como explicar que, cobrando passagens ao mesmo preço, os ônibus fossem tão mais confortáveis, seguros e rápidos? Numa leve alfinetada na omissão dos homens públicos, os passageiros acreditavam que “o cúmulo da boa vontade seria a gerência da Light fazer alguns consertos nos calhambeques com que serve à população”.


No dia 14 de maio de 1946, seu Batista voltou do Rio de Janeiro munido da panacéia que tiraria a Light do vermelho. Urgia mudar a matriz de energia elétrica da cidade, substituindo a queima de carvão e lenha por caldeiras capazes de processar óleo diesel na usina do Passeio Público. Era uma alternativa eficiente que deixaria Fortaleza livre dos lapsos de fornecimento e, de uma vez por todas, do fantasma da falta de energia elétrica. Ao mesmo tempo, o diesel colocaria a Light novamente em condições financeiras de operar.
Mas tal mudança, como de costume, exigiria o esforço coletivo, traduzido na elevação das tarifas de força e luz. Afinal, não se podiam esperar novos investimentos da Inglaterra, abalada como estava com os sacrifícios da Segunda Guerra, assim como todos os países do Velho Continente... O dinheiro teria de sair do Brasil. De acordo com o seu Batista, esses mesmos motivos tinham impedido as chegada das prometidas peças para os bondes estragados no vapor Benediet:

Não é verdade que seja velho todo o material recém chegado da Inglaterra. Recebemos Cr$ 600 mil cruzeiros de equipamentos, rodas, engrenagem, etc. Apenas os motores e controles indispensáveis não puderam vir saídos de fábrica. É que não houve meios de trazer os novos. E a não vir nada, preferimos trazer uns usados, em boas condições ainda. Que se compreenda: todas essas dificuldades de transporte em Fortaleza, de vinda de material novo, tudo isso é doença geral, doença do após-guerra. Que é que podemos fazer além do que
fazemos? Onde é que buscaremos bondes novos?


Enquanto isso, motorneiros e condutores esperavam o fim do impasse dos
salários. E, em poucos dias, as alegações de que a Light estava sem dinheiro
caíram por água abaixo. A Justiça do Trabalho determinou o pagamento do
aumento salarial, descartando a desculpa de que a empresa só dava prejuízos. Os juízes consideraram que há tempos a companhia não cumpria seus acordos com o poder público. Na última negociação, por exemplo, comprometera-se, em troca do aumento nas passagens, a retirada dos “bondes da Praça do Ferreira, fazendo-se, em substituição, instalação de trilhos nas ruas Barão do Rio Branco e Liberato Barroso. Além disso havia a junção das linhas Via Férrea com Soares Moreno, o prolongamento da linha Jose Bonifácio e outros serviços [...] A elevação das tarifas e das passagens de bondes entrou imediatamente em vigor, mas os melhoramentos e ampliações que a Light se obrigara ainda [continuavam] a ser esperados pela população de Fortaleza".

Uma devassa nas contas da Light revelou que "a soma dos saldos verificados entre as despesas e a receita da mesma [companhia] depois de 1932,
[ascendia] a elevada quantia de CR$ 26.008.820,35. Ainda mesmo deduzido o
valor dos descontos de previsão reservados anualmente pela empresa, apurou-se
um lucro liquido de mais de dez milhões de cruzeiros". É certo que tal conta,
encomendada pela Justiça do Trabalho, divergia completamente das planilhas
preparadas pelos guarda-livros da Light, que apontavam um déficit muito maior. De qualquer forma, com os novos cálculos em mãos, os trabalhadores pediram a prisão preventiva do gerente da Light, caso não cedesse os novos salários.

Seu Batista estava certo de que a Light não estava em condições de pagar novos salários. Argumentou que só a majoração nos preços de luz e transporte
traria recursos para honrar o aumento, mas sabia que tal solução demandava
muitos estudos do Governo do Ceara. Então, desistiu. Pediu ao interventor federal no Ceará, Ministro Pedro Firmeza, que providenciasse a intervenção federal na companhia.

Em 1° de junho de 1946, sob a orientação do Ministro do Trabalho, o Presidente Dutra decretou a intervenção, nomeando o Capitão Josias Ferreira Gomes novo administrador da Ceará Light.

Continua...


  • ¹  João Batista de Paula nasceu na cidade de Quixadá, estado do Ceará, em 26 de março de 1895.

Filho de José Ferreira de Paula Filho e Maria Carminda do Carmo Paula, ambos analfabetos e trabalhadores rurais.

No ano de 1919 casou-se com sua prima legítima, por parte de mãe, Sarah do Carmo Paula (09/07/1894).
Batista e Sarah do Carmo Paula, mais velha que Batista alguns meses, tiveram três filhos: Margarida Maria de Paula Ventura (26/09/1919), Luiz Gonzaga do Carmo Paula (19/02/1923) e João Batista de Paula Filho (28/07/1925).

Batista começou a trabalhar com 12 anos de idade quando deixou a casa de seus pais, em Quixadá, para ser caixeiro da mercearia de Pedro Gurgel do Amaral, em Senador Pompeu, uma pequena cidade com 30 mil habitantes, localizada às margens do Rio Codiá, no coração do Ceará.

Dois anos depois, em 28 de junho de 1909, mudou-se para Fortaleza. Empregou-se na Casa Correia. De lá saiu para a Casa R. Guedes que funcionava no antigo local do Cartório Pergentino Maia.

Com dezessete anos, no ano de 1912, foi admitido pela South América, no serviço de recebimento de material para a instalação da Usina do Passeio Público e as linhas de bondes, com o salário de 150 mil réis por mês.

Seis meses depois passou a ganhar 200 mil réis.

A South América durou pouco. Construiu alguns trechos da Estrada de Ferro de Baturité, mas em novembro de 1913, faliu e Batista foi demitido.

No ano de 1914, Batista conseguiu emprego de Almoxarife na Ceará Light (Ceará Tramways Lyght and Power Cº Ltd) que no ano de 1911 havia celebrado com a municipalidade um contrato por 75 anos para a implantação e exploração de bondes a tração elétrica, na cidade de Fortaleza.

O seu salário inicial como Almoxarife era de 250 mil réis.

Foi caixa durante seis anos. Depois chefe do tráfego, chefe do escritório, assistente do gerente e, finalmente, em 26 de setembro de 1934, gerente. Foi gerente durante vinte anos.





  • ² Depois de seu afastamento, Mr. Hull tornou-se Cônsul britânico em Fortaleza. Sua influência sobre os destinos da Light, entretanto, persistiu durante toda a gerência de Batista e até mesmo do interventor federal na empresa. A sede do consulado inglês funcionava nas dependências da Companhia, no Passeio Público, até a encampação pela
Prefeitura, em 1948, o que pôde indicar a estreita ligação dos acionistas estrangeiros com as tomadas de decisão para o funcionamento e para a distribuição dos lucros da empresa.




  • ³ OS BOCHECHEIROS


Data: 22/03/1939 - Fonte: O Estado, p. 03

Pegar uma bochecha nos desengonçados carros da Light, no seu percurso em volta da Praça do Ferreira, é vêso antigo da nossa molecagem. É tão grande é o número desses pequenos vagabundos que, por vezes, ambos os estribos dos carros se apresentam completos, impossibilitando de forma absoluta a que nos mesmos se suba ou deles se desça.

Não raro os nossos jornais têm clamado por medidas coercitivas, aliás, de facílima execução, sem que até agora se prestasse atenção ao caso.

Não há dúvida, porém, quanto à necessidade dos mesmos, pelo que as solicitamos.

Os goleiros e os vagabundos estão ali a desafiar a atenção da nossa polícia que, talvez, com um simples guarda e a Madalena fizesse cessar esse abuso. Uma ou duas colheitas lei as naquele local entre a garotada bochecheira e barulhenta, tiraria à mesma esse costume condenável sob todos os pontos de vista.


Grafia da época


Créditos: Patricia Menezes (Mestre em História Social pela Universidade Federal do Ceará). Dissertação: FORTALEZA DE ÔNIBUS: Quebra- quebra, lock out e liberação na construção do serviço de transporte coletivo de passageiros entre 1945 e 1960, Site do João Scortecci, Museudantu.org.br, Arquivo Nirez e Cepimar


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domingo, 6 de julho de 2014

Especial Sobral - A Princesa do Norte completa 241 anos


O Fortaleza Nobre hoje presta uma homenagem aos 241 anos de Sobral, comemorado ontem (05 de julho).

Sobral é o segundo município mais desenvolvido do estado do Ceará, atrás apenas de Fortaleza, de acordo com o IDH (Índice de Desenvolvimento Humano).
A cidade também é destaque nas exportações, sendo o único município do interior que compete com a Capital a liderança nas exportações do Estado. A cidade de Sobral é considerada, de acordo com o IBGE, uma Capital Regional.
A cidade ficou conhecida internacionalmente por ter sido o local de comprovação da Teoria da Relatividade de Albert Einstein, em 1919. O sítio urbano de Sobral foi tombado como patrimônio cultural do Brasil pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional em 1999.
A cidade de Sobral foi apontada por 2 vezes (2011/12 e 2013/14)pelo guia de investimentos estrangeiros editado pelo grupo jornalístico britânico Financial Times como uma das 10 cidades do futuro da América, a única cidade brasileira do seu porte.

Um pouco de história: Com a emigração de fugitivos que fugiam dos portugueses após a rendição dos holandeses pelo Tratado de Taborda no século XVII e ao redor da Fazenda Caiçara, surgida em 1726, foi fundada por Antônio Rodrigues Magalhães uma fazenda que convergia com as rotas das boiadas na época da carne de charque.
Nas terras da Fazenda Caiçara foi em 1756 edificada a Matriz da Caiçara e ao redor desta aglutinou-se um povoado. Depois foi construída a Igreja do Rosário e do Bom Parto, e ao redor destas surgiram moradias.
Destas iniciativas surgiram a povoação chamada Caiçara, até quando esta foi elevada à categoria de vila em 1773 com a denominação de Vila Distinta e Real de Sobral e recebeu foros de cidade em 1841.
Na segunda metade do século XVIII com o sucesso econômico da Charqueada, o desenvolvimento de Sobral chegou a superar o de Fortaleza, sendo assim, nesta época, uma das mais importantes cidades do Ceará, junto com as cidades de Icó e Aracati
Sobral era o centro intermediador dos produtos agrícolas da Serra da Meruoca e da Serra Grande para o resto do estado do Ceará e para o estado do Piauí.

Em 1861, foi proibido o sepultamento nos arredores das igrejas e desta forma criado o primeiro cemitério de Sobral, o Cemitério de São José.

Sobral foi um dos centros abolicionistas do Ceará desde 1871. Quando foi proclamada a libertação dos escravos em 1888, a cidade já não tinha nenhuma pessoa escravizada desde 2 de janeiro de 1884, tendo sido a 23ª cidade do Ceará a aderir ao movimento abolicionista.

Com as secas de 1877 e 1879, foi iniciado o projeto da Estrada de Ferro de Sobral com o intuito de ligar Sobral a um porto, no caso Camocim e assim criar um escoadouro dos produtos da Serra da Meruoca e da Serra Grande e dar a Princesa do Norte uma maior assistência devidos aos problemas gerados pela seca. Com isto foi inaugurada, em 1882, uma estação de trem, o que veio consolidar Sobral como centro urbano e comercial.


"Fazendo coro a 200 mil vozes nessa data onde se comemora os 241 anos de Sobral resolvi compartilhar um pouco da história do Dr. José Saboya de Albuquerque. Figura política,tão ou mais importante para a história de Sobral e do Ceará,do que talvez, a Família Ferreira Gomes(atual e importante família política sobralense, detentora dos destinos do estado-pelo menos até dezembro de 2014.) 

Dr. José Saboya de Albuquerque-filho de Ernesto Deocleciano, rico industrial e político sobralense e de Francisca Saboya de Albuquerque.Herdou do avô materno (Cel. José Saboia)o nome, algumas pessoas chegam a confundir Cel. José Saboia com Dr. José Saboya.Nasceu em Sobral a 06 de agosto de 1871. Formado em Ciências jurídicas pela Faculdade de Direito do Recife foi nomeado juiz substituto da Comarca de Sobral a 02 de maio de 1892 e promovido a juiz de direito a 14 de agosto de 1899. De sua pública briga com o Bispo-Conde Dr. José Tupinambá da Frota teve suas funções na magistratura abreviadas pelo 'Governador #lecista' Professor Menezes Pimentel, 1935. (O termo lecista era dado aos membros da Lec-Liga Eleitoral Católica partido da Igreja Católica, criado em 1932 por D.Sebastião Leme. Visava combater os herejes e barrar o crescimento protestante,e foi no Ceará tomado por raposas políticas-extinto em meados da década de 40.) 

1.1 Francisco deMenezes Pimentel e sua Conturbada Relação com a Elite Política Sobralense-Ao político quiteriense a História do Ceará reserva páginas manchadas de sangue, (em 1937 enquanto interventor federal o político lecista manda destruir o Caldeirão do Beato Zé Lourenço no Crato-fim do Movimento Messiânico no Brasil, matando cerca de 2000 almas entre crianças velhos e adultos.)Sua relação com Sobral foi um misto de amor e ódio, que o tempo não foi capaz de apagar. Mas,como chegou Menezes Pimentel ao poder? Em 1934, começa o segundo período getulista-governo constitucional, "no Ceará a luta se tornou renhida e violenta, faz-se mister esclarecer que a vitória da Lec-Liga Eleitoral Católica se configurou de uma certa historicidade..." BARROSO, Parsifal-Uma História do Ceará 1889-1954, BNB-Fortaleza,1984. Pág 122,pár 3.

Os deputados da LEC por diferença de 1 voto, garantido pelo chefe político sobralense Chico Monte, (ficaram aquartelados no 23º BC. Como forma de garantir os votos? OP. CIT pág.123 pár.2.) A essa época Chico Monte debutava pela LEC, protegido pelo Bispo-Conde Dom José Tupinambá da Frota.


Família Saboya (Parte da alta aristocracia cearense do primeiro quartel do século findante). Da esquerda pra direita: Em pé Evangelina Saboya, Sinhá Saboya, Dr.Plínio Pompeu, Mariinha, Dr.Ernesto Saboya e Sentada, seria Lúcia Saboya? Foto de 1922 do Arquivo Santana Júnior.


Na outra ponta o expoente era o então juiz de direito, que depois de aposentado seria um dos 7 chefes políticos mais fortes do Ceará. Uma prova disso é que anos a frente-1945, 02 de dezembro, haveria eleição para 2 vagas senatoriais, fora a eleição para 17 deputados federais. Por força das circunstâncias e conveniências, (menos por ideologia), juntam-se num amarrado político para preencher as duas vagas ao senado os dois chefes políticos sobralenses-Chico Monte e José Saboya, até então inimigos a 'ferro e fogo'. São eleitos; Dr.Plínio Pompeu de Saboia Magalhães, (genro de Dr.José Saboya)e Olavo Oliveira, raposa política granjense, elevado a Câmara Alta por Chico Monte-LEC. O chefe político da UDN, Dr.José Saboya, além de garantir a vaga senatorial ao seu genro-Dr.Plínio Pompeu, ainda faria 5 das 17 vagas da Câmara Baixa

1.2 Cenário político Cearense em 1945... A eleição de 02 de dezembro de 1945 marcara o fim do Estado Novo,(primeiro governo getulista 1930 a 1945), tendo tido inclusive como presidente interino o cearense de Guaramiranga-José Linhares."No Ceará chegara ao fim a 'década perdida' que teve a frente do Palácio da Luz (onde hoje funciona a Academia Cearense de Letras), Francisco de Menezes Pimentel"(1935 1937, eleição indireta e de 1937 a 1945 como interventor federal), tendo concorrido no pleito citado a uma vaga senatorial contra Dr.Plínio Pompeu não obtendo nem sessenta por cento dos votos do mesmo.


Bodas de Ouro do casal José Saboya de Albuquerque e Sinhá Saboya; Sobral, 1943

O cenário político do Ceará em 1945 estava assim dividido; o PSD que de 1930 a 1945 houvera sido sucessor dos aliancistas virara UDN e recebera os seguintes manda-chuvas: Fernades Távora (pai do ex-governador Vírgilio Távora)/Dr.José Saboya e José Accyóli (filho do ex- 'dono do Ceará' oligarca Pinto Accyóli), que por divergir dos rumos do partido deixa-o e vai para o pequeno PDN-Partido Democrático Cristão. Quanto aos remanescentes da LEC-Liga Eleitoral Católica agora-1945, passariam a assinar PSD, dominados pelos 'caciques'; Menezes Pimentel, Chico Monte e Antônio Gentil. Nome não menos importante era do líder classista Olavo Oliveira e o seu PPS-Partido Popular Sindicalista. 'Partidos de aluguel' davam sustentação política para os três grupos acima; PCB/PDC/PRP/PL e PAN. Velhas práticas mesmo diante dessas 'mudanças' no Brasil e no Ceará, continuaram a prevalecer; a força do latifúndio, o poder do coronelismo, a compra de votos e o agora decadente? Voto de cabresto. 


1.3 Dr.José Saboya, Família e Morte- Dr.José Saboya de Albuquerque foi parte da aristocracia cearense do primeiro quartel do século findante. Casou a 30 de novembro de 1893 com Maria da Soledade Miranda Pêssoa, a Sinhá Saboya. Desse enlace matrimonial nasceram 7 filhos; Francisco Saboya de Albuquerque e Lúcia Saboya de Albuquerque que faleceram quando crianças. Evangelina Saboya de Albuquerque c/c Teodore Zizemer que veio a ser gerente da Fábrica de Tecidos Sobral (pertencente a família e que viria a ter o nome do avô paterno Ernesto Deocleciano.



Francisca Saboya de Albuquerque(Chiquitita) c/c Sérgio Saboia. Maria da Soldade Saboya magalhães(Mariinha)c/c Senador Plínio Pompeu de Saboia magalhães, (avós paternos da ex-senadora, ex-deputada estadual e a mais nova membro do TCE-Tribunal de Contas do Estado, Patrícia saboya, primeira esposa de Ciro Gomes). Ernesto Saboya de Albuquerque c/c Fernandina Saboya de Albuquerque (foi deputado federal e presidente do BNDES). Pudenciana Saboya Mont'alverne (Nasinha) c/c o Promotor de Justiça e suplente de senador Dr.José Maria Mont'alverne (pais da historiadora Giovanna Saboya). O importante magistrado/industrial e chefe político sobralense Dr.José Saboya de Albuquerque faleceu no Rio de janeiro a 26 de abril de 1950, e lá foi sepultado. Anos depois teve seus restos mortais transladados para Sobral onde descansa no Cemitério São José."  

Santana Júnior


Fontes: "O passado é a matéria prima do historiador"-Parsifal Barroso. Bibliografia: MAGALHÃES, Plínio Pompeu de Saboia. Revista da ASEL-Academia Sobralense de Estudos e Letras. Sobral, agosto de 1971.-BARROSO,Parsifal-Uma História da Política do Ceará-1889 a 1954, BNB-S.A.Fortaleza,1984.-FARIAS,Airton.História do Ceará, Getulista, editora Tropical. Fortaleza,1997. Texto Santana Júnior.
Informações: Wikipédia

Fotos: Santana Júnior e Blog Fotos em preto e branco de Evangelina Saboya de Albuquerque


quinta-feira, 3 de julho de 2014

Nas ondas do rádio - Década de 40 (Parte V)



Os programas Musicais e a Proximidade com as Classes Populares

Aos domingos, ia ao ar das 19 horas até meia-noite, na Ceará RádioClube, o programa Bazar de Música, apresentado pelo locutor José Limaverde (Foto ao lado). “Em cada domingo uma casa recebia os dançarinos para os passos do samba e marcha brasileiros, ao bolero até a conga, uma dança gaiata, com três passos e um levantamento de perna” (LIMAVERDE, 1999, p. 197). O Bazar da Música envolvia o público por meio da conversa que o locutor mantinha com os ouvintes, de forma íntima e coloquial, características do rádio. José Limaverde pedia licença para entrar nas residências, convidava todos para dançar e fazia referência aos dançarinos que se reuniam para ouvir e se divertir ao som do programa.

O caráter destas relações era determinado por uma amabilidade, um refinamento, uma cordialidade que se absorvia das conversas advindas dos conteúdos radiofônicos que funcionavam como fonte de alimentação de desejo de inserção em um mundo que se revelava bem maior do que as fronteiras da província e como fomentos de um novo status social (ANDRADE E SILVA, 2007, p.11).

Dentro do programa Bazar da Música, o público conferia um quadro chamado Passatempos E-9, no qual Limaverde elaborava perguntas para os ouvintes responderem. Como premiação, a pessoa que enviasse mais rapidamente a resposta ganhava: ingressos para os cinemas da Empresa Ribeiro (Diogo, Moderno, e Majestic) ou frascos de um perfume fabricado no Joaquim Távora, pelo Benjamim Torres. “Eram vidros bonitos, embalagens um tanto luxuosas, valorizando a fragrância que, positivamente, não era nenhum perfume francês” (GIRÃO, 1998, p. 272). 
A audiência do programa era tamanha, que as cartas enviadas com as respostas enchiam a caixa de correio da emissora.
Além das cartas, o público também se evolvia em gincanas, participava dos sorteios feitos pela emissora e oferecia músicas para homenagear uma pessoa querida. Aqueles que conseguissem entrar no circuito midiático do rádio adquiriam novo status, criando uma nova visibilidade social.

Tinha um programa de contato com os ouvintes que era “Mensagens Sonoras”. Era quase uma hora de rádio. As pessoas aniversariavam e os outros queriam homenagear através de músicas no rádio. Aquilo ali dava status, faziam bem. Então saía música de todo jeito, música erudita e música popular (PEIXOTO, entrevista, 2001).

João Ramos

Outro sucesso em audiência entre os rádio-ouvintes fortalezenses, na década de 1940, era o programa Noturno Pajeú, apresentado pelo locutor João Ramos, nas noites de terça-feira. O programa tinha patrocínio da fábrica de cigarros Araken e incluía como atração máxima o quadro Clube das Gargalhadas. Este último “funcionava a base de anedotas (piadas) que eram encaminhadas pelos ouvintes. (...) As piadas eram vividas pelo famoso Cast Prenove, com Augusto Borges, Maria José Braz, Ângela Maria, José Júlio Barbosa, Clóvis Matias e Aderson Braz (LIMAVERDE, s/d, p. 45).


Foto 1: Ângela Maria como professora e os alunos (da esquerda para a direita): Clóvis Matias, João Ramos, Augusto Borges e José Júlio. 
Foto 2: Maria José Braz.

Os Programas Humorísticos

Os programas humorísticos sempre foram presença constante dentro da programação radiofônica cearense. Dentre os mais queridos pelo público estiveram: A Carrocinha, A Escola da Fuzarca, o Restaurante Vuco-Vuco com seu cozinheiro Beiçola, Dona Pinóia e Seus Brotinhos, este, escrito por Elano de Paula, irmão de Chico Anísio e, segundo afirmam,  teria sido o ‘piloto’ para a ‘Escolinha do professor Raimundo” (LOPES, 1994, p. 187).

Clovis Matias atuava no Clube das Gargalhadas era um grande ator da época, autodidata, humorista de skets, forjado entre o riso dos palhaços e a emoção do melodrama circense que arrancava lágrimas das plateias dos circos poeira, armados no areial da periferia de Fortaleza.
Em meados da década de 1940, as emissoras cearenses registraram o aparecimento de grandes produtores e intérpretes humorísticos. Na Ceará Rádio Clube, Augusto Borges despontava na pele do personagem “Oscarzinho”. No horário de meio dia, Borges e seu personagem malandro atuavam no programa Pensão Paraíso. Segundo Marciano Lopes (1994, p.186), “quando o comércio fechava para o almoço, era notória a correria das pessoas na pressa de chegarem em casa a tempo de assistirem às tiradas deliciosas dos personagens da ‘pensão’”. A verve cearense foi sempre revelada, tanto na produção, como na interpretação e na recepção ávida pelas piadas e molecagens. Esses programas embora planejados e roteirizados em um script, na sua apresentação obedeciam muito mais à presença de espírito dos atores e estavam recheados de “cacos”, acréscimos que os intérpretes introduzem no ato da representação, de sua própria autoria.

O Radiojornalismo e a sua Especialização

No início da década de 1950, a Ceará Rádio Clube aumentou seu quadro de funcionários, com a contratação de artistas e profissionais do rádio. Em 1954, a Emissora realizou um concurso para radialistas, dentre os três primeiros colocados, especificamente em terceiro lugar, foi classificado Narcélio Limaverde, filho de José Limaverde, um dos primeiros locutores da PRE-9. O Rádio também trouxe ao cotidiano social um novo significado de notícia, os acontecimentos ganharam maior velocidade perante o novo veículo.
Segundo Lia Calabre, “ao partilharem das mesmas fontes de notícias, os indivíduos se sentiram mais integrados, possuindo um repertório de questões comuns a serem discutidas” (2002, p. 09). Não eram só as notícias que possuíam destaque no radialismo  cearense, de acordo com Narcélio a preferência dos ouvintes era pelos programas musicais:

Durante a programação eram apresentados vários noticiosos de cinco minutos, de hora em hora, durante o dia e à noite também. Mas o grande forte, o mais importante do rádio era a música, principalmente, porque os ouvintes exigiam mais música. Entre uma canção e outra havia somente a publicidade e os intervalos comerciais (NARCÉLIO, entrevista, 2007).

A relação entre ouvintes e profissionais, segundo Narcélio, era permeada por um vinculo que perdurava durante décadas. Porém, para se alcançar esta fidelidade, por parte do público, os produtores de rádio deveriam obedecer a “uma série de tabus e interditos sociais” (ANDRADE e SILVA, 2008, p. 07).

No rádio não se podia dizer determinadas coisas. Um palavrão dito aqui, numa emissora de rádio, palavrão que é típico do cearense que identifica um homossexual, chegou a demitir um radialista por tê-lo pronunciado ao microfone, achando que este estava desligado (NARCÉLIO, entrevista, 2007).

O Rádio, aos poucos, transformou-se em um equipamento marcante no cotidiano da população fortalezense, e até à década de 1950, foi um “ícone da modernidade”, assumindo o papel de mediador das interações sociais na vida privada e pública. “Lançado como uma novidade maravilhosa, o rádio transformou-se em parte integrante do cotidiano. Presença constante nos lares converteu-se em um meio fundamental de informação e entretenimento” (Calabre, 2002, p. 7). 
Os anos 50 do século XX, também ficaram marcados no radialismo cearense, pela fundação de mais três emissoras: em 1956, a Rádio Uirapuru de Fortaleza; em 1957, seria a vez da Rádio Verdes Mares, que assim como a PRE-9, também fazia parte dos Diários e Emissoras Associados. A rádio Dragão do Mar foi a última emissora de rádio fundada na “Década de Ouro” no Ceará, o início de suas transmissões se deu no ano de 1958, e a emissora tinha, segundo Blanchard Girão, “o objetivo primordial de levar a flamejante palavra de ordem das oposições (políticas) aos mais recônditos pontos do território cearense” (2005, p. 21). Segundo Dejane Lopes, essa foi à melhor época da radiofonia no Ceará. “Foi uma época caracterizada pelo grande número de emissoras que se instalaram em Fortaleza e no Estado durante toda a década, cada uma com seus estilos e peculiaridades” (LOPES, 1997, p. 20).

Considerações Finais

O rádio, gradativamente, ganhou a aceitação da sociedade que passava por profundas transformações na sua malha urbana e nos seus costumes, invadida que foi por 50 mil soldados norte-americanos, no período estudado. Com eles veio a coca-cola, o chiklets, e a sedução das nossas mocinhas, umas advindas da periferia, outras nem tanto. A cor da pele e os cabelos louros encantavam e a música que tocava no rádio embalava o romance.

Infelizmente, desses fatos, poucos registros se encontram. A memória em áudio não alcançou a atualidade. O rádio era sinal de status e ocupava lugar de destaque nas amplas salas das mansões que se erguiam nas dunas. No centro da cidade, ele estava nos cafés, nos estabelecimentos comerciais e no abrigo central. Nos bairros periféricos ocupava, estrategicamente, o canto mais vistoso da sala, sobre uma mesinha entoalhada. Ao girar o dial se assistia de forma silenciosa e emocionada as dramáticas novelas, dançava-se aos domingos ao som do Bazar Musical, mas também na hora do Angelus, compungida a sociedade cearense rezava a Ave Maria, ao pé do rádio! 

Fim

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Crédito: Francisca Íkara Ferreira Rodrigues (Graduada do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR) e Erotilde Honório Silva (Professora Doutora em Sociologia, pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Coordenadora da Pesquisa História e Memória da Radiodifusão Cearense – UNIFOR). A popularização do Rádio no Ceará na década de 1940: Trabalho apresentado no 7º Encontro Nacional de História da Mídia realizado em Fortaleza – Ceará, de 19 a 21 de agosto de 2009.). 

Fotos: Assis Lima e AOUVIR


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