Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

segunda-feira, 9 de novembro de 2015

O Casarão dos Gondim - Rua General Sampaio


"No imóvel da rua General Sampaio, a aposentada Maria Guilhermina Gondim, de 91 anos, não esconde o desejo de reformular o lar onde nasceu. Lá o acúmulo de histórias e lembranças, somam-se às altas despesas para manutenção da residência, que possui 16 cômodos. “Eu bem que quero ajeitar, mas não tem como. Esse imóvel é uma herança de família. Hoje 35 herdeiros disputam esta casa. Apesar da minha vontade, é complicado. Pintaria, reformaria as portas, deixaria tudo direitinho porque foi aqui que nasci e me criei. Sou de um tempo que tudo em volta era diferente e apenas nossa casa resistiu”, completou."    

Jornal O Estado de 02 de agosto de 2012
 
Casamento de Guilhermina (Iaiá) e Arlindo Gondim, proprietários do casarão.
Fonte: Arquivo da família Gondim.

Arlindo Granjeiro Gondim construiu o seu casarão da rua General Sampaio (entre a Pedro I e a Avenida Duque de Caxias, então Boulevard Duque de Caxias) entre 1910 e 1912. A casa é elevada, possui porão e tem entrada lateral com escada de acesso em mármore branco. 

"Vovô dizia assim – "Eu vou mandar construir a casa que dê pra rua”. E diziam assim pra ele: – "faça um pouco elevada, porque esse terreno é um pouco úmido". Parece que tinha uma lagoa lá pra trás, não sei onde é, eu sei que o terreno era um pouco úmido. Chamavam meu avô de Coronel, porque nesse tempo, não tinha um negócio de chamar de Coronel quem tinha uma certa posição? Era Coronel Arlindo, que era também o nome do meu irmão mais velho, Arlindo. A Iaiá cuidava muito da casa, a minha avó e o meu avô. Todo ano quase ela mandava limpar e tinham todos os enfeites, era uma cor diferente, ela disse que era bege com "café-com-leite". Mas... agora está diferente. A minha avó ficou morando nesta casa desde que ela foi construída, até falecer. [...] Ela deixou pra mamãe, o testamento, todos já sabiam como era. A mamãe preferiu alugar. De imediato a mamãe não morou aqui, nós morarmos aqui um tempo, porque o vovô era louco pela mamãe e pelo piano, a mamãe tocava quase toda noite pra ele ouvir, então mamãe morava ali, mas era mesmo que morar aqui! Agora a mamãe ficou com a casa e não quis vir logo pra cá, [...] então, quis alugar. [...] Ela alugou a casa. Ela alugou uma pra morar, e alugou esta aqui. Por que esta casa era muito grande e alugava bem, dava pra pagar o aluguel da outra e ainda sobrava [...]. Quando a dona quis vender a casa que ela alugava pra morar, a mamãe disse ao meu irmão que morava aqui: “- Meu filho, agora você já está bem, agora eu quero a minha casa!” – ai nós voltamos pra cá (risos...)! E estamos até hoje, ela faleceu aqui. [...] uma época roubaram as instalações todinhas, antes dos médicos alugarem. [...] Levaram toda a iluminação, era antiga, aqueles candelabros de cristais, toda a instalação! [...] Roubaram tudinho, era tudo de cobre! Tinham lustres aqui na copa, tinham lustres lá na sala, foi tudo!" 
Relato de Maria Guilhermina Gondim.


Arlindo Gondim foi um bem sucedido comerciante, proprietário de marmoraria e de uma Companhia de Bondes Puxados a Burro. A casa, feita para a esposa Iaiá, hoje é ocupada pelas herdeiras (netas). 
No antigo jardim, funciona um estacionamento e o imóvel centenário, está desgastado pelo tempo! 

"Mais uma manhã agitada de sábado no bairro do Centro de Fortaleza. Ao passar pela Rua General Sampaio, lado da sombra da tarde, logo após cruzar a Avenida Duque de Caxias, à altura do número 1406, percebi um casarão com marcos estilísticos do inicio do século XX.

Fachada principal do casarão. Foto de 2007 de Aline Mesquita.

Com uma câmera fotográfica em punho, em busca de edifícios que foram construídos para fins comerciais e institucionais no mesmo bairro, procedia com um levantamento que serviria para pesquisa com objeto bem definido e diferente deste.


De uso residencial, porão elevado e platibandas adornadas, a edificação tem estilo Eclético e elementos Art Déco em sua fachada. Possui acesso principal pela lateral, onde há uma bela escada esculpida toda ela e também seu corre-mão em mármore do tipo Carrara. As esquadrias seguem um ritmo harmônico sequencial e são arrematadas em forma de arco pleno, na parte superior por adornos feitos nessas e também na fachada. Tema que se repete formalmente em seus subsequentes vitrais coloridos dispostos nas bandeiras das portas.

Escada principal de acesso do casarão. Foto de 2007 de Aline Mesquita. 

Possui uma varanda posterior dando acesso a uma grande área a qual sugere que havia um jardim. Destaque para a enorme esquadria contínua, feita em “trelicinhas” de madeira, que faz o fechamento da parte que parecia ser reservada para copa e cozinha. É sem duvida um dos exemplares da maior elegância que se construiu ali. De maior importância arquitetônica, estilística e patrimonial dentre as residências antigas do Centro.

Logo me chamou à atenção a originalidade com que ainda se mantinham suas fachadas. Implantada sem recuo frontal e lateral sul, com frentes para a Rua General Sampaio e para uma área que denuncia a proto-existência de um amplo jardim, obedece a uma forma de implantação da edificação dentro do lote que se remete àquela praticada a partir da segunda metade do século XIX. Forma essa que introduzia elementos paisagísticos à arquitetura residencial, o que até então não era comum.

Esquadrias laterais do casarão. Foto de 2007 de Aline Mesquita.

Até mesmo o gradil e as esquadrias de madeira ainda se mantinham aparentemente originais. Não resisti. Apesar de nada ter a ver com o meu objeto de pesquisa na ocasião, coloquei-me a fotografar. Comecei a fazê-lo ainda do outro lado da rua, fui me aproximando, no sentido de obter melhores ângulos. Quando percebi estava do outro lado da calcada, já adentrando os limites do terreno que se encontrava quase todo ele “ocupado” por um estacionamento, deixando livre apenas a área da edificação.

Detalhe das bandeiras das esquadrias da fachada, decoradas em vitrais coloridos, repetindo o tema em relevo. Foto de 2007 de Aline Mesquita.

À primeira vista o velho casarão parecia estar abandonado, mas logo me surpreendi ao perceber que muito de sua arquitetura original era mantida, então como estar assim e abandonado ao mesmo tempo? Pois repare que se deixar uma casa vazia, abandonada, essa em pouco tempo cede às ruínas. Enquanto que, por mais antiga que ela seja, ao se ter um morador que nela habite, dela cuide e com ela se relacione, consegue atravessar séculos de existência sem tombar. Um dá vida ao outro, numa relação de protocooperação quase simbiótica.


Detalhe da esquadria da fachada dos fundos confeccionada em treliças de madeira. Foto de 2007 de Aline Mesquita.


Ao lado: Detalhe da implantação da edificação dentro do lote.

Segunda impressão: ao perceber o estacionamento que ali estava disperso por toda a área externa do casarão até então de portas cerradas, pensei que lamentavelmente todo ele logo viria ao chão, junto com suas lembranças, quando se fizesse a compra do terreno pelo dono do empreendimento “invasor”.

Abre-se uma janela, surge uma senhora e com ela uma terceira hipótese me veio à mente: poderia ter sido alugada como “casa de cômodos”¹, o que ocorre muito frequentemente com esse tipo de edificação mais antiga nos centros urbanos das cidades. Foi o que aconteceu com muitas das casas antigas e espaçosas na Rua Thereza Cristina, no mesmo bairro.

Detalhe das esquadrias em madeira e do guarda-corpo originais. Foto de 2007 de Aline Mesquita.

Após registrar os detalhes mais perceptíveis a certa distância, como portas, cornijas¹¹ e janelas, coloquei-me a fotografar em detalhe o belíssimo corrimão que, assim como toda a escada de acesso principal da qual ele faz parte, havia sido esculpido em mármore do tipo Carrara, trazido da Itália.

Assim como Octavien - personagem do romance de Gautier - ao retornar à noite à Pompéia e perceber que ela pulsava em vida, e, “[...] extremamente surpreso, perguntou-se se dormia em pé e caminhava num sonho. Interrogou-se seriamente para saber se a loucura não fazia dançar diante dele as suas alucinações; mas foi forçado a reconhecer que não estava dormindo nem era louco [...]”; (GAUTIER, 1999. Paginas 42-43.) assim também me surpreendi quando essa senhora abriu a porta e me convidou simpaticamente a entrar, revelando como o interior daquele monumento era espantosamente ainda mais rico que o exterior, já ligeiramente registrado. Era como a viagem de Octavien. Estava em outra época certamente, na época das cantoras de rádio, dos concertos e programas clássicos com piano, dos saraus na Casa de Juvenal Galeno.

Detalhe do lavatório esculpido em mármore Carrara. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Detalhe da porta do oratório em madeira trabalhada. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Tudo ali me transportava para um novo e antigo tempo: o das memórias daquela família, tão bem resguardadas pelas irmãs que ainda se mantinham igualmente firmes, como o casarão da Rua General Sampaio. Sigo com uma breve descrição do ambiente encantador, para que o leitor se familiarize e possa embarcar nessa viagem instantânea pelo tempo.

Detalhes - gabinete, piso em lambris de madeira, bandeira das portas internas talhadas na madeira. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Detalhe dos quartos interligados. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Ao subir a escadaria esculpida, depara-se primeiramente com uma grande porta feita de madeira, a do acesso principal, encerrada com bandeiras adornadas em arco pleno, contendo vitrais coloridos. Ao abri-la, existe um hall de entrada que ainda mantém a chapeleira à espera de tais acessórios. Logo em frente, uma portinha talhada também na madeira que lembra os antigos confessionários, e dá acesso ao também antigo oratório de Iaiá¹¹¹. À esquerda, um pequeno gabinete iluminado e arejado pelas grandes portas de fechamento duplo em madeira, dispostas lateralmente pela fachada com frente para a via pública. A sala de visitas, onde fica o piano, faz limites em forma de “L” com o gabinete e o oratório.

Os netos de Iaiá e Arlindo. Foto capturada do vídeo "O Casarão" de Maurício Cals

O assoalho em lambris de madeira natural está presente em todos os quartos da casa e também na sala. Pela circulação, um belo e antigo mosaico. Nas áreas molhadas (cozinha, banheiros e lavanderia), azulejos.
Todos os quartos são interligados entre si, através de portas comunicantes e meias-paredes e também se abrem para o corredor, o qual se estende até a copa. Destaque para uma relíquia disposta na parede lateral de um desses quartos, pelo lado da circulação, antes de se chegar à copa: um magnífico lavatório esculpido no mesmo mármore da escada de acesso principal.

Detalhe do piano na sala de visitas. Foto de 2007 de Aline Mesquita

A Compositora e pianista cearense Maria de Lourdes Hermes Gondim. Foto capturada do vídeo "O Casarão" de Maurício Cals

O forro, também em madeira, tem em suas bordas uma moldura adornada e detalhes em treliças para que se dissipe o calor, que é amenizado pelo “pé-direito”(Distância medida entre o piso acabado e o teto (forro) de um ambiente.) alto e pelo jardim para o qual todas as portas da casa se abriam. Portas essas trabalhadas na madeira, com duplo fechamento: o mais externo com partes em venezianas móveis e o mais interno com portinholas do tipo painel cego.
Pelas paredes, fotografias emolduradas seguem uma lógica conceitual escolhida, posto que no corredor de entrada se dispõem as que fazem referência aos casamentos de todos os filhos de Dona Lourdinha (A Sra. Maria de Lourdes Hermes Gondim (Foto ao lado do livro de Linda Gondim - Uma dama da Belle Époque de Fortaleza), filha de Iaiá, de quem herdou o casarão). Logo em seguida, acima do piano, pai e mãe, ainda noivos. 

Segundo o que me relatou D. Guilhermina (Foto ao lado - Maria Guilhermina Gondim, ou “tia Mina”, como costuma ser chamada na família. Neta da Sra. Guilhermina Gondim, ‟Iaiá‟, para quem foi construído o casarão onde mora hoje com sua irmã Maria Thereza Gondim. Foto do livro Coisas que o tempo levou - A Era do rádio no Ceará de Marciano Lopes),  as fotografias de ambos sempre se encontram dispostas lado a lado, obedecendo à época em que foram feitas. Dessa forma, quando há uma fotografia de Dona Lourdinha ainda jovem, há também uma de seu esposo do mesmo período, ambos ainda solteiros. E quando há uma fotografia dela já viúva, não há uma dele acompanhando esta.

Detalhe do forro – bordas e preenchimento em madeira. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Por toda a casa, móveis seculares, alguns deles ainda do tempo de Iaiá. Na sala de visitas, o piano. Um pouco mais recente; data da década de 1930. Aquele que o precedia, e no qual Dona Lourdinha tocava para a família, certa vez viajou com todos para as férias em Mondumbim. Causou o maior alvoroço. Imagino que tamanha aventura deverá ter sido levar um piano na bagagem das férias, junto com os muitos filhos e suas malas. E ainda mais de trem! Como se não fossem suficientes todas essas emoções, havia um detalhe especial: Mondumbim jamais tinha visto nem ouvido um piano. Diz-se que vinha gente de todas as partes de lá para ouvir Dona Lourdinha tocar.

"[...] Lá no Mondumbim, nós tínhamos uma casa de veraneio, papai mandou fazer uma casa num sítio que a gente tinha, ali: tinha a estação de trem, depois tinha o primeiro sítio, o segundo sítio, à direita, era logo o nosso. Ia levantando assim, ficava bonitinha a casa! Porque ficava assim, “alteando”. 
Relato de Maria Guilhermina Gondim.

Porta rasgada com guarda-corpo externo e bandeiras em vitrais coloridos.
Foto de 2007 de Aline Mesquita

Segundo me relatou tia Mina (acostumei-me a assim chamá-la, de tanto ouvir e também a pedido dela mesma), ele foi vendido porque se encontrava tão antigo que “a afinação não segurava mais”, não valia mais a pena consertá-lo. Também, depois de uma viagem de trem, convenhamos!

Cristaleira em madeira marchetada e espelho com acabamento bisotado. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Armário guarda-roupas da Iaiá. Foto de 2007 de Aline Mesquita

Foto capturada do vídeo "O Casarão" de Maurício Cals

Na copa, a mesa de Iaiá foi doada ou vendida a alguém da família, e no lugar desta se encontra uma outra, também antiga, que “Duzuza” (Sr. José Leite Gondim, esposo de Maria de Lourdes H. Gondim),  como era chamado na família, adquiriu comprando-a de seu grande amigo Firmeza. Foram colegas de profissão no Liceu do Ceará, onde lecionaram e onde os filhos estudaram juntos; e vizinhos de frente no Mondumbim, onde tinham casas de veraneio. Descobri mais tarde (justamente por conta dessa mesa) que esse amigo ao qual se referia tratava-se do pai de “Estriguinhas”¹¹¹¹, tão conhecido memorialista de nossa cidade, e colega de Liceu e de infância de tia Mina e suas irmãs."
Aline Mesquita Martins Rosa

Lindo vídeo intitulado "O Casarão" de Maurício Cals, feito em agosto de 2003 e publicado originalmente em 29 de agosto de 2008:


Relatos de Maria Guilhermina Gondim - Uma das herdeiras do casarão:

[...] Papai quando veio do Seminário começou a conhecer a família, ir às casas da família; visitando e visitando; e quando visitou o vovô Arlindo, meu avô, que era o dono dessa casa, conheceu a mamãe. Ele ficava com receio de vir aqui, a mamãe era só uma e tinha-se muito respeito, naquele tempo, aos mais velhos. Tinha uma tia, irmã da minha avó, casada com um irmão do meu pai, tia Clarinha. Ela era viúva, então ele ia lá, conversava com a tia e as primas, mas de olho aqui! Vinha mais lá, e aqui menos.

[...] À praia, eu lembro bem que a gente adorava! A praia era mais forte como hoje, mas ninguém tomava banho não, só foi tomar banho, mais já mocinhas. Só pra dar uma volta, ir até lá de bonde. Era bom! Era aqui mesmo, na Praia de Iracema. O papai mostrava o Seminário: “- Olha, eu passei oito anos aqui!” – e dava uma voltinha no bonde, era muito bom!

[...] Canto estudou só eu. Andou aqui uma professora do Rio de Janeiro e a mamãe foi convidada, mas não podia ir pro Conservatório porque ela não tinha tempo. Ai a mamãe disse: “- Vai, Guilhermina, você vai!” e eu fiz esse curso no Conservatório, que ainda era lá perto do Passeio Público, com a professora Marina Menezes. Era uma cantora clássica carioca, uma senhora. E as aulas dela, tão engraçadas! A gente fazia: “Aaaaaaa...”, as primeiras, ai, com os sons de piano, tinham as escalas: “Aaaaaaa...” e depois tinham arpejos, que era: “Aa-aaaaa”. Ai vai dando os tons e a gente vai cantando, e cantando – cantando não, só dando as notas.

[...] Antes da gente começar a cantar, a mamãe já tocava num programa. Tinha um na hora do almoço da “Cearense”, a loja enorme, era muito afamada, era do Sr. Aprígio, que era nosso vizinho lá da Rua Assunção, o Sr. Aprígio Coelho de Araújo. Era ali naquela esquina, a loja, enorme!

[...] Quando começou a TV eles me convidaram. Nem pagavam, nem tinha transporte, nem nada. Daí eu ainda fui, mas disse à mamãe que era longe. Se tivessem ao menos um transporte! Então eu fui, mas comecei a me esquivar. Ai também, sabe, o ambiente não era muito... Era pesado, um pouco pejorativo. 

O Estacionamento



Meu irmão quis vir do Rio Grande do Sul, nesta época, idealizou este estacionamento e a mamãe aceitou. Derrubou as árvores e fez. Ai tudo era árvore, no tempo da Iaiá, era jardim, sabe, era lindo! E tinha tudo: coco-babão, tangerina, cajaranas! Menina, eram tantas, tinha tanta fruta que era um horror! Mas daí, pra fazer o estacionamento, tiraram as árvores, tiraram tudo; e ai está o estacionamento.




Gif

¹ O mesmo que pensão, pequeno hotel de caráter familiar, onde as pessoas alugam os quartos a preços mais acessíveis, e onde mora uma família, geralmente proprietária desse bem, que não dispondo de condições financeiras para mantê-lo, transformam sua tipologia de uso como tal.

¹¹ Conjunto de molduras salientes que servem de arremate superior às obras de arquitetura.

¹¹¹ Apelido carinhoso cujo qual todos se referem à matriarca da família, para quem foi construída a residência, entre 1910 e 1912, a Sra. Guilhermina Gondim.

¹¹¹¹ Como o chamam na família Gondim. Nilo de Brito Firmeza é historiador, artista plástico, odontólogo e memorialista. Entre outros feitos, como diversas exposições nos Salões de Abril, mantém, juntamente com sua esposa e também artista plástica, a Sra. Nice, o “Mini-museu Firmeza” localizado no sitio da família, em Mondumbim, onde atualmente reside o casal.

EDITADO EM 15/07/2017:

Observação:
De acordo com Rosana Maria Aguiar Gondim,
a senhora Maria de Lourdes Hermes Gondim não era filha única, tinha um irmão chamado José Hermes Gondim que era casado com Henriqueta Machado Gondim, filha de Manoel Firmino Bandeira e D. Maria das Dores Machado Bandeira (Dorinha). Eles tiveram 8 filhos: Edmar Machado Gondim, Arlindo Machado Gondim, Maurício Machado Gondim, Murillo Gondim (que morou anos no casarão com a avó (já viúva), José Henrique Machado Gondim, Pedro Machado Gondim, Paulo Machado Gondim e Maria Hirtes Gondim Gregorious, todos netos do casal Arlindo Granjeiro Gondim e Guilhermina Monteiro Gondim (Iaiá).

:( EDITADO EM 21/07/2021:

No último final de semana, dia 17/07, aconteceu a demolição ilegal do casarão.  Por que ilegal? Porque o imóvel estava em tombamento provisório, o que significa que já não poderia sofrer mudanças estruturais. O casarão sucumbiu na calada da noite! :( 
Revoltante!!!

Foto: Lauriberto

Foto: Jornal O Povo

Foto: Jornal O Povo

A bisneta de Arlindo, a socióloga Linda Gondim - que também é professora da Universidade Federal do Ceará (UFC) com doutorado em Planejamento Urbano, em entrevista ao Jornal Diário do Nordeste,  lamentou a perda de um patrimônio da história da sua família e da cidade: "Foi uma surpresa, e devastadora".

"Confirma um descaso muito grande pelo patrimônio material e imaterial também. Inclusive, você vê os imóveis sendo desfigurados, a propósito de conservarem, restaurarem. A multa para quem faz a demolição é muito baixa, é irrisória. Os compradores preferem pagar a multa e derrubar. E, geralmente fazem isso na calada da noite, sexta-feira à noite, e durante o fim de semana. E foi desse jeito que aconteceu com o Casarão: na sexta-feira, iniciou e, no sábado de manhã, foi concluída a demolição."
LINDA GONDIM
(Socióloga)


Crédito - Dissertação HISTÓRIA DAS CASAS COMO HISTÓRIA DA CIDADE de Aline Mesquita Martins Rosa, submetida à Coordenação do Mestrado em História e Culturas da Universidade Estadual do Ceará – UECE

segunda-feira, 26 de outubro de 2015

O sapateiro poeta do Papicu


Seu Alves, a versão cearense do poeta Gentileza 

“Essa história é complicada, não tive nenhuma comunicação. Me senti violado, desconsiderado, tá certo que eu não sou nada na vida, mas eles não podiam ter feito isso”. É assim que Honorato Alves Pereira, 73 , mais conhecido como “seu Alves” inicia e descreve a própria história: a do sapateiro-poeta do Papicu, bairro localizado na zona-leste da capital cearense.

Há 23 anos ele trabalha como sapateiro em um dos pontos mais movimentados da cidade de Fortaleza, no horário de oito da manhã até às quatro da tarde, exercido religiosamente de segunda a sábado, embaixo de um puxadinho feito de madeira construído por ele mesmo. É nesse local que seu Alves tirou o ‘sustento’ para criar uma família numerosa.

“Filhos eu sei que são dez, agora os netos ainda não consegui contar direito, só os bisnetos, sei que são cinco”, contabiliza o homem que também foi carpinteiro e eletricista.

O sapateiro-carpinteiro há doze anos virou também escritor, quando resolveu utilizar o muro de um terreno localizado na Avenida Engenheiro Santana Junior para escrever mensagens que exaltam o amor e a família.


“Eu tenho isso aqui como um livro, eu coloquei isso para orientar as pessoas, as famílias estão se desfazendo.” Muitas mensagens escritas são em homenagem à mãe de seu Alves. “Não gosto muito de falar sobre a minha mãe, mas me lembro que ela sempre dizia: – meu filho, eu não tenho estudo, se eu pudesse, eu te dava. Cheguei a pedir esmolas com ela”, confessa entre lágrimas.

O sapateiro não sabe quantas mensagens escreveu, mas sabe que algumas conseguiram alcançar o objetivo. “Teve gente que veio aqui só me dizer que um dia foi tocado pelas minhas mensagens.”


A fama do sapateiro-escritor ultrapassou os limites da cidade, “vários estudantes e jornalistas de outros lugares vieram só ver minhas mensagens, teve gente da Itália, da França e do Paraguai. Eu tenho tudo guardado, todas as reportagens, tá tudo plastificado lá na parede da minha casa. Eu sou o Gentileza-cearense”, sorri enquanto se autointitula.

O sapateiro faz referência ao Profeta Gentileza, andarilho das ruas do Rio de Janeiro, que na década de 80 pintou 56 pilastras do Viaduto do Caju, numa extensão de aproximadamente 1,5km. As mensagens do profeta eram inscritas em verde e amarelo e mencionavam frases de gentileza. Uma das mais conhecidas é “gentileza gera gentileza”.

Mesmo sendo reconhecido como um personagem importante, seu Alves não conseguiu a conservação das mensagens, pois elas foram escritas em muro de uma propriedade particular. No local foi construído um supermercado de uma grande rede internacional. Com a construção do prédio, quase toda a extensão do muro foi pintada, apagando uma boa parte das mensagens.

“Eles estão apagando mensagens que podiam modificar as pessoas, me senti como se eu tivesse feito algo de muito ruim. Quando vi quase não acreditei, passei muitos dias sem vontade de comer, fiquei muito triste”, desabafa o sapateiro-escritor.

O muro-livro é também local de trabalho, e muitos dos clientes de seu Alves estão espalhados pelas adjacências. O sapateiro afirma que muitos deles estão contrariados, “todos dizem que isso é uma crueldade”.

Paulo Gusmão, 43, que é engenheiro de pesca e passa pela avenida quase todos os dias, desabafa: “a gente vai sentir falta”. A indignação vai além. Marcos Pedrosa, 34, comerciante, ressalta que “não faz sentido a retirada de todas as mensagens”. “Com isso uma parte do Papicu vai morrer”, reforça.


Seu Alves já é um personagem conhecido de todo o bairro e porque não dizer de toda cidade? Muitas pessoas passam pela Avenida Engenheiro Santana Junior diariamente e utilizam o muro até como referência de localização, como no caso do estudante Leandro Porto, 23, que está há pouco tempo em Fortaleza e utilizava o muro como referência. “Quando passei e não vi as mensagens, pensei que não estava perto do terminal, quase passei do ponto de descida”.

Além do muro, seu Alves também utilizou uma parte da calçada do terreno como painel, onde escreveu mensagens nas cores azul e vermelho.

Mesmo na pressa diária, alguns pedestres mais atentos param para ver palavras que falam de amor e felicidade. Palavras que desejam o fim das guerras com uma vontade infinita de que todos sejam felizes.


Colaboradora: Angélica Goiana
(Texto publicado originalmente em 07 de maio de 2013 no site Clichetes)
Fotos: Agência Fato


Saiba Mais:

Em março de 2015, as pinturas do Sapateiro chegaram ao Estoril na exposição Sapateiro Alves: amigo do pobre, conhecido do rico. Reunindo placas com frases de amor, fé e tiradas cômicas, a mostra ficou em cartaz até o mês de abril e se juntou à comemoração do aniversário de Fortaleza.

“A calçada pertence a nós”, brada o homem simples que achou que pediria esmola para sobreviver à velhice, mas que hoje, é “aposentado com casa própria”. E é do lar grafado de azul e vermelho no Bairro Vicente Pinzón que o Sapateiro percorre de ônibus toda a cidade, “da Messejana até Caucaia. Conhecido por muitos e até estudado por pesquisadores de tipografia, Alves não quer ser artista. “Sou uma pessoa como qualquer outra. Eu não tenho riqueza e nem quero. Eu quero mesmo é saúde”, gargalha.

Honorato Alves Pereira já foi carpinteiro, eletricista, ferreiro e chegou até a trabalhar como sinalizador na pista do Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. “Me mandei pro Rio, cheguei lá querendo falar com o Getúlio Vargas (presidente à época), viram logo que eu era matuto”, conta. Já tendo passado por outros 10 estados, voltou e se firmou mesmo no Ceará, no bairro Papicu, onde fez muito velho virar novo. “Engraxar é como fazer o cabelo, tirar a barba. Eu deixo só o mi”.

Nos 30 anos que passou na famosa banca, tomou como missão colorir o cinza urbano. Chegou a ter problemas com a Polícia, mas ganhou o respeito dos pichadores. “Eles diziam que eram meus fãs”, conta, ressaltando que passou a pintar os muros só de madrugada. Preferiu não criar problema com os “barões”, sabe que “quem tem rabo de palha, não chega perto do fogo”.

O mural foi apagado inúmeras vezes. Ele não desanimava e refazia, até que achou por bem não pintar mais. Agora, as cores do Sapateiro chegam às galerias em mostra com curadoria de Bárbara Cariry e Diego Pontes. Orgulhoso do feito, Alves quer mesmo é passar suas mensagens. Com fala apressada e pandeiro à mão, pede para deixar um recado primordial: “Quer ser feliz? Faça alguém feliz”.

Fonte: Jornal O Povo - Matéria de Paulo Renato Abreu em 14/03/2015

Raras imagens de Fortaleza em 1963


Reportagem exibida pela extinta TV Tupi em 1963. 
Vemos lindas imagens sobre a nossa cidade. 
Infelizmente o áudio está corrompido, mas vale cada cena!!!



Agradecimento mais que especial a amiga Isabel Pires

terça-feira, 13 de outubro de 2015

O Mercado Público - Recordações



É impossível desassociar o movimento de mercado ou feiras livre do povão, afinal tem de tudo, desde carnes vermelhas, peixes, aves, verduras, cereais, frutas, animais vivos, ferramentas, artesanatos e, até mesmo utensílios usados para o lar e oficinas. Na feira, em “harmonia” com os cantadores do cordel, o vendedor ou camelô se libera irreverentemente oferecendo suas mercadorias aos que estão defronte a barraca e também grita em tom médio chamando os fregueses que passam distante. O negócio é vender.

Praça Carolina em foto de 1893 do fotógrafo inglês Sir Benjamin Stone

O Mercado em 1925

O primeiro mercado livre de que há registro no centro de Fortaleza, localizava-se na antiga Travessa das Hortas (atual Senador Alencar) no quarteirão onde ergueram um sobrado em que morou o Comendador Luiz Ribeiro da Cunha, ao qual passando por reformas o empresário Geminiano Maia (Barão de Camocim) inauguraria o Palácio Guarany em 1908, e que hoje infelizmente, está com sua fachada mutilada.
O segundo, com planta do Engenheiro português Silva Paulet teve novo prédio instalado onde por muito tempo funcionaria o Mercado Central na rua Cond'Eu. Com data de 12 de setembro de 1818, o mesmo funcionou por quase oitenta anos, e quando o local fora desativado, recebeu o batismo de “Cozinha do Povo”, talvez pelo popular preço nas refeições.

Acervo Caroline Gurgel

O Mercado em 1913. Arquivo Nilson Cruz

Pois bem, a Fortaleza Provincial reclamava por estética e ordenamento urbano exigindo o profícuo trabalho de engenheiros e arruadores. Aí foi inaugurado o Mercado de Ferro, mas já na gestão do Intendente (Prefeito) Guilherme Rocha e do Presidente (Governador) Nogueira Accioly, cuja apoteose ocorrera aos 18 de abril de 1897. A edificação metálica fora montada na Praça Carolina e com frente para a rua Floriano Peixoto, em terreno que posteriormente foi ocupado pelo Palácio do Comércio. Toda a estrutura metálica importada da França foi adquirida com dinheiro da venda de bilhetes de crédito, chamados Borós. A coisa foi tão espantosa e contagiante para época, que ao lado desse mercado tinha uma garapeira chamada “Bem-Bem” e, pois não é que, o camarada foi bater em Paris e voltou arranhando o francês! 


O Mercado de ferro na Praça São Sebastião em 1955. Acervo Clóvis Acário Maciel

Em 1937, um novo tempo para Loura do Sol e Branca dos Luares exigiu a saída do mercado do local. O mesmo sendo desmontado foi dividido em duas partes: uma foi para a Aldeota e na Praça Visconde Pelotas, ficou conhecido como Mercado dos Pinhões; a outra foi trasladada para a Praça Paula Pessoa e denominou-se São Sebastião.

Ao lado: Vendedor de potes de barro no Mercado de Fortaleza em 1915. Arquivo Nilson Cruz

No ano mais badalado do regime militar (68) a estrutura do São Sebastião foi transferida para o bairro de Aerolândia, recebendo o Mercado da praça Paula Pessoa, galpões de alvenaria com coberta de amianto. Com essa inauguração, a praça desapareceu pela ocupação desordenada de barracas. Meu pai, fiscal Valdemar de Lima à época a serviço da Prefeitura de Fortaleza, constantemente levava relatório de irregularidades, mas parece que a resistência do povão neutralizava as medidas disciplinares das autoridades, o que evidentemente dava mais conforto ao meu genitor trafegar entre os feirantes. Até mesmo um ultimo canteiro de forma triangular pela rua Meton de Alencar esquina com Padre Mororó, fora ocupado por metalúrgicos transformando-se no popular Ferro Velho, sendo separado da feira pela pista inicio da Avenida Bezerra de Menezes, onde existia dois postos de gasolina com edificação subterrânea com os nomes de “Sobral” e “Iguatú”.
Enquanto fazíamos nossa feira semanal, na Avenida Padre Ibiapina circulavam todos os ônibus que penetravam na movimentada Avenida Bezerra de Menezes. As linhas Parque Araxá, Campo do Pio, Granja Paraíso, Vila dos Industriários, Sitio Ipanema, são algumas que desapareceram, assim como os ônibus elétricos do bairro São Gerardo. Outros hoje são integrados ao Terminal de Antonio Bezerra.

O Mercado da Carne em 1913. Arquivo Nilson Cruz

A construção do novo Mercado São Sebastião resolveu os problemas de organização e higiene no local, mas acabou com a praça que ornamentava o inicio da saída Oeste de Fortaleza. Tornou um horror a rua Clarindo de Queiroz naquele pedaço, e bloqueou a tradicional Padre Mororó. É só perguntar aos moradores tradicionais e aos sócios do Serviço Social do Comércio - Sesc...



Radialista

domingo, 11 de outubro de 2015

Palacete Brasil - Praça General Tibúrcio


Destaque para o Palacete Brasil

Esquina da Rua General Bizerril com a Travessa Morada Nova. Praça General Tibúrcio.

Majestosa edificação, estilo neoclássico, enriquece o conjunto de marcos históricos da área central de Fortaleza. Inaugurado como Edifício Brasil, fez-se conhecido por Palacete Brasil, ícone centenário.

1915. A firma Rodolfo F. da Silva & Filho incumbiu-se de construir a obra, projeto do engenheiro João Saboia Barbosa e encomenda da empresa Frota & Gentil, do coronel José Gentil Alves de Carvalho.




O Palacete objetivou a instalação da sede local do Banco do Brasil.

Em 17 de março de 1945, o ramo hoteleiro tornou-se a destinação do prédio. Era instalado o famoso Hotel Brasil. No térreo funcionava o Restaurante Brasil e, nos pisos superiores, acomodações de hóspedes.

Restaurado em 1994, pelo arquiteto Geraldo Jereissati Filho, continua abrigando, em mesmo lugar, um restaurante e os cômodos da então hotelaria, adaptados para salas comerciais.

Antiga Assembléia Provincial. Arquivo IBGE

No entorno, encontram-se o Palácio Senador Alencar (antiga Assembleia do Estado e, agora, Museu do Ceará), a Igreja de N. S. do Rosário (construída em 1730), a Praça General Tibúrcio com estátuas do herói da Guerra do Paraguai e da escritora Rachel de Queiroz), o Palácio da Luz, as representações esculturais de dois leões trazidas de Paris, no início do século XX, e um antigo coreto.


Foto da década de 30, vemos o Palacete Brasil, a Assembléia Legislativa, além de um carro de modelo da década de 20. Arquivo Nirez

A escultura do militar, instalada em 02/02/1887, foi o primeiro monumento exposto em logradouro da Capital.

Na Travessa, hoje calçadão, há simulados trilhos de bonde, um sebo e o desejo público da Secult colocar um vagão, original ou replicado, a servir de espaço estimulante à leitura."


Geraldo Duarte - Colaborador do Site
(Advogado, administrador e Dicionarista.) 

Saiba mais sobre o Hotel Brasil


terça-feira, 29 de setembro de 2015

O famoso Cabaré da Leila



Em
Sábado, Estação de Viver - Histórias da Boemia Cearense, o historiador Juarez Leitão recupera o passado da cidade, no que tange a vários aspectos, inclusive à vivência da noite, da boemia, do cultivo do sexo, deixando à mostra as personagens que compunham uma Fortaleza alegre, doidivanas, noctívaga, e, nesse contexto, detalha a experiência pessoal de Leila (Foto ao lado)¹ e seu papel na caracterização de uma urbe numa época anterior à revolução sexual.


Já nos finais dos anos 60, e por toda a década de 70 o melhor cabaré de Fortaleza era a CASA DA LEILA, na Maraponga*. Suas mulheres eram altas, elegantes, muitas, louras naturais de olhos claros. Vinham do sul do país, de Santa Catarina, do Paraná e do Rio Grande do Sul. Tudo gente fina, educada, algumas se diziam universitárias e comentavam coisa de política, música popular e variedades culturais. Dentre elas havia uma mulata, alta, belíssima, chamada Mércia, que mostrava uma carteira de estudante em Ciências Sociais da Universidade Federal de Minas Gerais. Nesse tempo havia um vendedor ambulante de livros, o Curió, que assegurava ter vendido várias coleções e enciclopédias às meninas da Leila. Umas intelectuais? (...)



Leila fora a mulher de mais sucesso da Oitenta**. Ali angariara bons e generosos amigos, ganhando condições para montar sua própria casa. Casarão amplo, com alpendres, arcadas, grande salão com dois ambientes, confortáveis sofás, mulheres com roupas habillées, falando baixo, sorrindo. Educadíssimos também eram os garçons, sobretudo o Oliveira, todos de smoking, trazendo a bebida em bandejas de prata. Um primor. (...) 

O baronato de Fortaleza se orgulhava de contar com uma casa de tão alto nível e quanto aqui aportavam cantores, jogadores famosos e artistas de TV, todos, invariavelmente, eram levados à Leila.

A famosa Leila. Crédito: Valeska Ferreira

Mas até a fidalga Leila entrou em decadência. Envelhecida foi abandonada pelos amantes ricos, e terminou por se apaixonar por um de seus garçons, acho que o próprio Oliveira, O cabaré resvalou, rápido, para o fim. Veio o diabetes, vieram as desditas. Restava-lhe por último um apartamento no Edifício Champs Elysées, na Aldeota, onde morava sua filha adotiva, Kátia. Resolveu vender o imóvel e ir embora para o Rio de Janeiro. O genro e a filha não concordavam e entraram com mandato na justiça para impedir a transação. Revoltada com a ação dos parentes, Leila saiu pelas ruas e ficou perambulando pela Praia de Iracema, dormindo ao relento. Quando encontrava um conhecido, pedia um auxílio, mas não aceitava conversar sobre seu drama. Alertada do paradeiro da mãe, Kátia foi apanhá-la. Estava muito doente e precisava ser hospitalizada. (...) ...fechou-se num mutismo com claros sinais de depressão. (...) Destruiu seus álbuns de retratos e não quer falar nada de sua vida. (LEITÃO, 2000, p. 247)

Leila, que não mais está entre nós***, poderia ter tido ou ter sua vida narrada em um romance: tantos textos ficcionais trazem a figura da prostituta para o centro da cena. A Margarida, de A Dama das Camélias, de Alexandre Dumas Filho, Lucíola, de José de Alencar, Nana, de Émile Zola, bem como a Léonie de Aluísio Azevedo, em O Cortiço. Se o esplendor e as misérias de sua biografia não cobrem, porém, detalhadamente as páginas de nenhum livro, em compensação sua presença nos registros sócio-históricos, como os aqui transcritos de Juarez Leitão, é como uma chave para a decifração de como as posturas diante do sexo são fatores importantes para entender a vida em sociedade.

Impossível falar do famoso cabaré, sem lembrar do saudoso humorista Espanta:



¹ O nome verdadeiro de Leila, de acordo com um de seus vizinhos, era Geralda:

Conhecia a Dona Geralda (nome verdadeiro da Leila) pois morávamos no mesmo prédio, localizado no encontro das ruas Costa Barros e Antônio Augusto. Ela andava num Opala Diplomata verde metálico, ela mesmo dirigindo. Morava bem e costumava não receber pessoas em sua casa. Uma mulher muito elegante, educada e caridosa. Teve uma época que uns amigos passaram um sufoco e ela abriu as portas de sua casa e os abrigou até que fosse resolvido o problema. Ela era uma pessoa muito respeitada no condomínio e todos gostavam muito dela" Mário Parente

Antes era a casa do Dr. Pontes Neto.

** Ainda de acordo com o pesquisador Juarez Leitão, o nome Oitenta devia-se “ao número da casa, na rua Governador Sampaio, 80. Era uma casa de certo nível com luz negra, suítes e bom serviço de bar. As mulheres era atraentes, bonitas e já não tinham restrições ou tabus.”.(LEITÃO, 2000, p. 247)

*** Ouvi dizer que a famosa Leila morreu em 1998 de câncer, mas conforme depoimento de Marcos Alves, ela faleceu de complicações vasculares:

"Leila morreu de complicações vasculares, inclusive teve sua perna amputada no IJF. Não lembro ao certo se era diabética, pois faz muitos anos que a tratei no IJF"



Observação: Se você tem foto da Leila, de suas "meninas" ou do seu cabaré, colabore com o site (a foto será creditada, claro!) e envie para: fortalezanobre@gmail.com



Crédito: COUTINHO, Fernanda - Maraponga (Coleção Pajeú) - 2014
Desenho da ilustradora de moda Laura Laine




terça-feira, 22 de setembro de 2015

O “r” do erro - Por Geraldo Duarte


Lembro-me de seu Batista. Amulatado, vesgo, alto e franzino.

Também guardo na memória a festa realizada em sua residência, comemorativa do tempo de serviço para o ingresso na aposentadoria.

Familiares, amigos e vizinhos cumprimentavam o soldador empregado da antiga Usina Evereste.

Proprietários da empresa compareceram e agraciaram o trabalhador com um relógio de pulso e um radiorreceptor, depois de discursos enaltecedores de seus préstimos dedicados à indústria.


Antiga Usina Evereste - Foto de Cláudio Oliveira

No dia imediato, alegre, destinou-se ao extinto Instituto de Aposentadorias e Pensões dos Industriários com o comunicado da fábrica, para à efetivação da inatividade.

Vencidas horas de espera, fato já comum naquela época, foi encaminhado à meia dúzia de funcionários. O documento que portava era carimbado, datado e rubricado por cada um deles. O último forneceu-lhe cartão-protocolo e orientou-lhe retornar após dois meses, tempo do processo voltar da presidência do Instituto, no Distrito Federal, com a expedição do ato oficial.


Antiga Usina Evereste - Foto de Cláudio Oliveira

Portão da antiga Usina Evereste - Foto de Cláudio Oliveira

Em período maior tal ocorreu e o servidor, ao entregar-lhe o documento de aposentado, verificou um erro. Ao invés de “soldador”, veio grafado “soldado”. Faltava a letra “r”. O agente público indicou-lhe o setor especializado na correção, “pois o IAPI¹ não aposenta militar e o engano poderia dar um processo.”.

No guichê indicado, Batista ouviu o atendente dizer a outro segurado que retificação documental não tinha prazo determinado. Às vezes, necessitava recorrer ao Judiciário.

Saiu à francesa, guardou o papel com a profissão de “soldado”, sem jamais haver pisado num quartel, e isso nunca lhe causou problema.


Texto do amigo e colaborador: Geraldo Duarte 
(Advogado, administrador e dicionarista).



¹ Em 02 de janeiro de 1938, instala-se, no Edifício Lopes, na Rua Barão do Rio Branco nº 795, o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Industriários - IAPI, que tem à frente o jornalista Gilberto Câmara. Fonte: Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo.

NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: