Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

sexta-feira, 7 de setembro de 2018

Instituto Educacional Alvorada - Fotos históricas



Encerrando o 7 de setembro com chave de ouro!

O Dia da Independência é um feriado nacional no Brasil, celebrado no dia 7 de setembro de cada ano. A data comemora a Declaração de Independência do Brasil do Império Português no dia 7 de setembro de 1822.

Para comemorar, trago algumas fotos dos desfiles da antiga Escolinha Alvorada no final da década de 60. A escola funcionou na Praia de Iracema e deixou saudades!

O Instituto Educacional Alvorada, inaugurado em 05 de fevereiro de 1966, era dirigido pelas professoras Lucila Fernandes Aguiar e Diva Cavalcante Leitão e durante um dos desfiles, homenageou o pioneirismo de Santos Dumont, representado por uma alegoria das mais bonitas e aplaudidas. Autoridades civis, militares e eclesiásticas prestigiaram o acontecimento, que foi o fecho de ouro das festas da Independência em nossa capital naquela década.
Os desfiles aconteciam nas avenidas Almirante Barroso e Presidente Kennedy.


Fotos dos desfiles de meados dos anos 60:


 1966

Alunos em frente ao antigo Restaurante Lido.



1966












1966


 1966


1966

1966



 
 1966

 Desfile de 1966

Desfile 7 de Setembro de 1968. Primeiros registros em cores.

 


Nessa foto podemos notar a presença de um Robô. Progresso e tecnologia no desfile do Alvorada.

 
 1966


Santos Dumont foi muito aplaudido no desfile do Alvorada de 1968.


Importante salientar que a Escola Alvorada, que a princípio ficava na Praia de Iracema, rua Ildefonso Albano, 262, depois foi para rua José Lourenço e nos últimos anos, antes de encerrar suas atividades, funcionou no Papicu, rua Bento Albuquerque, 1671. Atualmente é o Colégio Espaço Aberto  Sede Cocó/Papicu.

Escolinha na sede Praia de Iracema na década de 60:










Fotos da Sede da rua Prof. José Lourenço:




Atualmente, a antiga sede Papicu é o Colégio Espaço Aberto:



  

Fotos do acervo da Página Oficial do Alvorada


sexta-feira, 31 de agosto de 2018

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quarta-feira, 29 de agosto de 2018

Bairro Benfica - Por Arlene Holanda (Parte II)


Cruzamento da Av. da Universidade com Av. Treze de Maio, anos 70.
Podemos ver a reitoria da UFC e a fonte das sereias.
A chegada da Universidade Federal do Ceará transformou radicalmente o Benfica, as formas de convivência da população com os espaços sociais. A aquisição do palacete Gentil e de imóveis e terrenos circunvizinhos, em meados do século XX, corresponde com a debandada da elite para outras plagas, dessa vez o Meireles e a Aldeota. Os imóveis adquiridos pela Universidade ficaram livres da demolição quase fatal, mas não escaparam das adulterações inevitáveis à adaptação aos novos usos. A presença do Campus impactou no preço dos imóveis e dos aluguéis, expulsou uma fatia significativa da população menos favorecida.


Antigo portão da Reitoria da UFC. Arquivo Jards Nobre
Até hoje os preços do Benfica batem com os da Aldeota, do Meireles e de áreas consideradas mais nobres. Casarões antigos, cujas ações de preservação têm sido negligenciadas pelo poder público, deram lugar a prédios de apartamentos – como é o caso da casa de Rodolfo Teófilo. Atualmente, pode-se afirmar que já não existem casarões cujo uso social seja residências. O tempo e suas urgências transformaram e transformam a paisagem diuturnamente, num ritmo frenético: uma nova fotocopiadora surge, um ponto de venda de celulares e acessórios, sorveteria, pizzaria, american-bar, self-service... Grades florescem da noite para o dia, nos fazendo ver tudo enquadrado, como na canção de Adriana Calcanhoto.

Sim, o Benfica ainda é o bairro universitário, embora nem mais quieto, nem mais bucólico, nem mais tranquilo, talvez nem mais tão alegre. Mangueiras testemunhas da glória dos Gentis teimam em resistir, sufocadas em meio ao asfalto. Cadeiras na calçada – comuns até o fim do século XX –, não vejo mais. 


Estádio Presidente Vargas por volta de 1960. Acervo Marcos Siebra
Em dias de jogo no PV, carnaval de rua, manifestação ou eventos na UFC, trailers disputam lugar nas calçadas. Lembro-me das duas últimas vezes que tomamos cerveja (tomamos é uma maneira de dizer, só Ricardo tomou) e comemos churrasquinho “de gato” no Benfica: uma vez na Waldery Uchôa, esquina com Adolfo Herbster. Era carnaval. Outra na Marechal Deodoro, na curva da antiga Cobal (Companhia Brasileira de Alimentos), ao final de um jogo do Fortaleza contra não sei qual time. Ricardo conversou com os barraqueiros – era seu costume. Perguntava de suas vidas, onde moravam... Quase sempre vinham de bairros bem distantes, vender ali porque a “praça” era boa. Pretendiam zerar o estoque de churrasquinhos, cachorros-quentes, latinhas e refrigerantes de 2 litros vendidos a retalho em copos descartáveis.


Avenida da Universidade - Benfica
E assim vão se costurando histórias, de todo mundo, do mundo todo, de que nem sabe das histórias dos casarões sobreviventes, dos Gentis, dos bondes... Histórias dos milhares que passam na rua, nos ônibus lotados, dos torcedores exaltados, dos que carregam grossos volumes de ensaios fotocopiados, teclam com sofreguidão, matam aula no Pitombeira, namoram nos bancos das praças, se drogam, se enlevam, transgridem, se manifestam, se comovem. Histórias dos que têm saudades, do vivido e do não vivido... E, por isso mesmo, fazem questão de inventar tudo de novo, pela magia das palavras-fada, capazes de eternizar cada instante e... transformá-lo em histórias!


Parte I




Benfica / Arlene Holanda.- Fortaleza: Secultfor, 2015. (Coleção Pajeú)

domingo, 24 de junho de 2018

Igreja Nossa Senhora dos Remédios - Benfica





A igreja de Nossa Senhora dos Remédios de Fortaleza nasceu do sonho de João Antônio do Amaral, primeiro proprietário da chácara Benfica, que acabou por dar nome ao bairro surgido na localidade. O comerciante português já era devoto da Virgem dos Remédios, padroeira da paróquia da Ilha de São Miguel, pertencente ao Arquipélago dos Açores, onde este nasceu e foi batizado. Mas a construção do templo não seria concretizada a tempo deste João ver seu sonho realizado. Iniciadas em dezembro de 1878, as obras ressentiram-se da falta de recursos, talvez pela localidade não ser ainda muito povoada e, consequentemente, não contar com grande número de fiéis que pudessem colaborar com a empreitada. A capela só foi concluída 32 anos depois, em 1910, quando João Antônio do Amaral já havia falecido, sendo decisivos os esforços de sua esposa, Maria Correia do Amaral, que encampou o empreendimento do marido.

Igreja dos Remédios vista dos jardins da chácara de João Gentil, na Visconde de Cauipe, atual Avenida da Universidade. Registro provavelmente dos anos 30.

A construção do templo estimulou o povoamento do seu entorno, fenômeno comum na história dos municípios e bairros cearenses. No ano de 1927 foi entregue aos cuidados de padres da Ordem de São Lázaro. A então capela dos Remédios integrava a paróquia de Nossa Senhora do Carmo, cuja igreja matriz está localizada na Avenida Duque de Caxias, no Centro de Fortaleza. Em 1934 foi criada a Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios, sendo a capela elevada à condição de matriz. Permanecendo aos cuidados pastorais dos lazaristas, quase todos de nacionalidade alemã.


Loteria em favor das obras.
É relevante observar que a época da criação da paróquia dos Remédios corresponde com a “década de ouro” do Benfica, quando o bairro foi eleito como lugar ideal de moradia por figuras da elite cearense, principalmente a família Gentil, que veio a construir um palacete na chácara Benfica. Considerando que o porte da capela não condizia com sua nova condição de sede de paróquia, os padres lazaristas empreenderam campanhas para ampliá-la, tornando-a compatível à sua elevação a matriz. Recolheram donativos junto a seus parentes no exterior, dos paroquianos, realizaram leilões, bingos e quermesses. Doações polpudas passaram a ser ofertadas pelos novos e aristocráticos moradores, notadamente a família Gentil. A condição de matriz de bairro de elite possibilitou ampliações e melhoramentos no decorrer dos anos, transformando a antiga capela dos Remédios em um dos templos mais bonitos de Fortaleza.

De porte é elegante e refinado, tem estilo arquitetônico eclético – como a maioria dos edifícios integrantes do patrimônio histórico cearense – e referências neogóticas. A torre é única, incrustada na parte central da fachada. Guardada por quatro torres em miniatura, abriga sino e relógio, que até hoje marca as horas com seu soar dolente. A fachada ostenta nicho e frontão, encimados por torres menores nas extremidades. O patamar é relativamente amplo, com nível elevado em cerca de um metro em relação à avenida da Universidade. Nas últimas décadas do século XX, a igreja precisou ser protegida por grades de ferro. Os tempos de embate e consequente violência fez os templos fecharem as portas aos fiéis em determinados horários, contrariando o costume de estarem sempre de portas abertas aos necessitados do socorro divino.



Na parte lateral esquerda há um simulacro de capela cuja entrada é guarnecida também por grade. Ao fundo, pode-se ver a imagem de Santa Liduína presa à sua cama, em seu martírio purificador. Nascida no final do século XIV, essa santa holandesa pouco conhecida dos fiéis brasileiros sofreu um acidente cujas sequelas a impediam de caminhar e se alimentar. Teria sobrevivido doze anos sem comer nada, rezando e recebendo a eucaristia com o propósito de expiar os muitos pecados das almas, desencarnadas ou não. Na parte interna existem três naves. A central abriga o altar e o nicho com a padroeira. A imagem da Senhora dos Remédios segura o Menino Jesus, que porta um globo azul simbolizando a Terra. Nas laterais existem nichos com vários santos “reforçando o time” da padroeira, seguindo o estilo dos templos católicos.

Dentre o patrimônio artístico da igreja dos Remédios destacam-se os afrescos da cripta do templo, pintados por Gerson Faria (1889-1943). Representam cenas da paixão de Cristo. As pinturas de Faria chegaram a ser dadas como perdidas, mas foram recuperadas no ano de 2010, por iniciativa do padre Sílvio Mitoso, pároco dos Remédios à época. Segundo Gilmar de Carvalho, a obra foi fotografada e catalogada por ocasião de uma pesquisa documental sobre arte cearense coordenada pelo artista plástico Nilo Firmeza (Estrigas). Em entrevista concedida ao Jornal o Povo, Carvalho afirma que “Trata-se de uma obra valiosa, porque provém de um artista que conta com essas pinturas e é uma exceção para quem quer conhecer um pintor importante do Ceará”.



Edifícios, sinos, mosaicos, imagens, adornos, toalhas rendadas, arranjos de flores, incenso, mirra, ostensório... Do que é feito uma igreja? Que amálgama une diferentes pessoas em diferentes tempos em torno da fé surgida em torno da vida e obra do Jesus Cristo? Pelo que rezariam as senhoras da elite das décadas de 1930 e 1940? Que graças pediriam a Senhora dos Remédios? No entanto, o corpo de devotos não era formado só por pessoas da elite.


Segundo informação contida no site da Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios, “Os padres Lazaristas esforçaram-se bastante para que os leigos participassem dos movimentos da paróquia e sempre houve grande preocupação com as camadas mais pobres dos paroquianos”. O primeiro vigário, Padre Guilherme Vaessen, notabilizou-se pela ação social no bairro durante o logo tempo em que esteve à frente da paróquia. Foram fundadas a Casa da Mãe Solteira e a escola Padre João Vaessen, destinada à educação de crianças pobres. O Padre Vaessen era caridoso, intercedia pelos fiéis em problemas cotidianos e encomendava sem cobrar nada as almas dos falecidos na “escolinha” da comunidade, que funcionava como um salão de velórios.

8 de setembro –  Festejos da padroeira - Procissão, leilão e barraquinhas com venda de comidas típicas no patamar da igreja. Apesar das buzinas e barulhos inerentes ao burburinho urbano do Benfica, é possível ouvir as badaladas do sino dos Remédios. Parodiando Ernest Hemingway: por quem dobram esses sinos?



Benfica / Arlene Holanda.- Fortaleza: Secultfor, 2015. (Coleção Pajeú)

quarta-feira, 13 de junho de 2018

Bairro Benfica - Por Arlene Holanda


Acervo Assis Lima
Um dos primeiros a fincar residência no lugar posteriormente conhecido como Benfica, foi o português-açoriano João Antônio do Amaral. As escassas fontes “contam” ser ele comerciante, natural do arquipélago de Açores, depois habitante da aldeia de Benfica, atual bairro de Lisboa. Viera fugido de perseguição religiosa? Estaria sendo ameaçado por credores? Teria tido uma desilusão amorosa? Desconhecidas são as razões da migração extemporânea deste patrício para terras fortalezenses.
Grupo Escolar do Benfica em 1960 - Isabel Goulard
Foto de 1976. Alunos deixando o então Colégio Paulo VI.
Nesse local já funcionou o Matadouro Modelo.
Em frente a lagoa do Taupe, aterrada para o surgimento
do bairro Benfica. Acervo Lucas
O fato é que o Benfica de Portugal e o Benfica de Fortaleza têm histórias muito parecidas. O de Portugal era uma aldeia de camponeses da região Saloia. No século XV, foi promovida à sede de julgado do Termo de Lisboa, contando com dois juízes privativos. Algumas ordens religiosas se instalaram no local, sendo as mais importantes as Irmandades de Nossa Senhora do Amparo, Santo António e São Sebastião. No século XVIII, a região começa a atrair pessoas de classes abastadas. Seduzidas pela beleza da paisagem; ali se instalam em quintas, muitas das quais integram hoje o patrimônio histórico lisboeta.
Com o nosso Benfica não foi diferente. Em Fortaleza Belle-Époque, o historiador Sebastião Rogério Ponte enfoca o processo do embelezamento da capital cearense, ocorrido a partir dos fins do século XIX, nos moldes das reformas do Rio de Janeiro e de outras cidades da época, por sua vez inspiradas no remodelamento de Paris, promovido por Haussmann entre 1852 e 1870.
Enriquecida com o comércio de algodão e cera de carnaúba, a cidade sofreu reformas que disciplinaram os espaços públicos: praças e passeios foram remodelados, surgiram equipamentos e prédios com arquitetura rebuscada onde predominavam elementos neoclássicos e art nouveau. Sobrados e casarões proliferaram nas outrora ruas Formosa, da Palma, da Amélia, das Trincheiras... No entanto, poucas décadas depois acabaria a lua de mel das elites com o Centro. Começa então a debandada para o Benfica, Jacarecanga, Aldeota, lugares considerados salubres e aprazíveis, longe da algazarra e da inconveniência dos mendigos, vendedores ambulantes, pedintes e outros tipos indesejáveis, segundo a ótica da elite fortalezense.
Benfica - Avenida da Universidade. Acervo Assis Lima
Notícias da Fortaleza antiga
Como já informado, em fins do século XIX, João Antônio do Amaral “fundeou” aqui em Fortaleza sua chácara, dando-lhe o nome do bairro lusitano. Transportar nomes de Portugal para o Brasil era prática comum entre os “portugas”. Talvez uma forma de amenizar as saudades da terra que deixaram pra trás, de se reinventarem em seus banzos e delírios colonizadores. No Ceará, temos muitos exemplos: os municípios de Crato; Sobral; Viçosa; os antigos Monte-Mor, o Velho (atual Pacajus) e Monte-Mor, o Novo da América (Baturité); Soure (Caucaia); e outros que me escaparam à memória. Temos ainda as localidades de Espinho (em Limoeiro do Norte) e Arronches (atual bairro de Parangaba, em Fortaleza).


Notícias da Fortaleza antiga
Em meio ao mangueiral oriundo de mudas trazidas talvez de Goa, talvez de Cochim – no sonhado e achado caminho das Índias –, João Amaral fincou sua chácara, demarcando seu “bem-ficar”*. Tinha o projeto de construir ali um templo consagrado à senhora dos Remédios, mas seus anos findaram antes. A tarefa acabou sendo executada por sua esposa, Maria Correia do Amaral, zelosa no cumprimento do desejo do marido.
Bonde prefixo 126, Benfica, lotado em 1940. Acervo Lucas
Igreja N. S. dos Remédios
João Nogueira, em Fortaleza Velha, não faz menção à chácara de João Antônio nem ao Benfica português. Nos capítulos em que escreve sobre o Benfica, ressalta que a elite fortalezense queria um lugar para “bem-ficar”, atribuindo a isso a origem do nome do bairro. O fato é que a região, ocupada desde fins do século XIX – inicialmente por poucas chácaras –, experimentou rápido crescimento. Num processo similar ao da grande maioria dos municípios cearenses, o bairro Benfica teve em uma igreja – no caso, a de Nossa Senhora dos Remédios – a principal referência aglutinadora. No entorno do templo foram se construindo moradias, surgindo novas ruas, vielas, caminhos. Tanto que nas primeiras décadas do século XX o bairro já estava bem povoado. No Boulevard Visconde de Cauipe, hoje avenida da Universidade, palacetes, sobrados e casarões de variados estilos arquitetônicos competiam em beleza e imponência. O memorialista Vanius Meton Gadelha Vieira nos conta em Ideal Clube – História de uma sociedade que nas vizinhanças da Igreja Nossa Senhora dos Remédios localizava-se o ponto terminal da linha de bondes do Benfica, no fim da avenida Visconde de Cauipe, atual Avenida da Universidade. A partir deste trecho, começava o Caminho de Arronches, atual bairro de Parangaba, onde passava boi, boiada e tanta coisa mais nos rumos da serra e do sertão. Posteriormente pavimentado, esse caminho passou a se chamar “estrada de concreto”, denominada em 1930 de avenida João Pessoa.
Cartão postal do Benfica no início do Seculo XX. Acervo Carlos Augusto Rocha Cruz
Os bondes desaguavam em frente à igreja dos Remédios, de onde voltariam para o ponto principal na Praça do Ferreira. Em Coisas que o tempo levou, Raimundo de Menezes nos conta que o último bonde – uma espécie de corujão ainda puxado a burros – saía do Benfica para a Praça do Ferreira às 21h30m. Quase não havia passageiros nesse horário. Os muares é que decidiam pela hora da partida, alertados pelas batidas do relógio da Intendência, localizado nas cercanias da coluna da hora, sua rival instalada na Praça do Ferreira em 1932. A essa altura, os dois funcionários do coletivo – boleieiro ou condutor e ajudante – dormiam o sono dos justos. Depois dos bondes puxados a burro, vieram os elétricos e, finalmente, as linhas de ônibus. Inicialmente somente circulavam no Centro, estendendo-se posteriormente ao Benfica e ao vizinho bairro do Prado, onde hoje se localiza o Estádio Presidente Vargas.
Casa de cultura Francesa no Benfica. Acervo MAUC. Foto do início dos anos 60
A década de ouro do Benfica parece ter sido a de 1930. Chácaras com quintais ensombrados por filas de mangueiras, jardins magníficos e ruas pavimentadas compunham um cenário bucólico e tranquilo, tão caro à elite da época. A senhora Beatriz Filomeno Gomes, em entrevista concedida ao Diário do Nordeste, destaca que o Benfica era “o bairro mais rico de Fortaleza”. Essa época áurea correspondeu com a presença da família Gentil no bairro. A partir do palacete que deu origem ao atual prédio da Reitoria, o domínio desse clã consolidou-se a ponto de criar um enclave dentro dos limites do Benfica – a Gentilândia. Os limites não oficiais desse sítio são as atuais avenidas dos Expedicionários, 13 de maio, da Universidade e Eduardo Girão. A partir do palacete José Gentil foram construídas vilas de casas para aluguel, além de outros casarões.
Final da linha do Bonde do Benfica e o início da Avenida João Pessoa. Acervo Carlos Augusto
Avenida da Universidade vendo-se ao longe o bonde Benfica
O “feudo” dos Gentis tinha identidade muito bem delineada, a ponto de demarcar local no imaginário da população. Além das mansões e palacetes, tinham clube social e time – o Gentilândia Atlético Clube. Fundado em 1934, chegou a disputar o campeonato da Associação Desportiva Cearense, competindo em pé de igualdade com os grandes da época. No Clube Social Gentilândia aconteciam festas dançantes, matinês e piqueniques à sombra das frondosas mangueiras. Na atualidade, muita gente ainda considera Benfica e Gentilândia bairros diferentes. Oficial, porém, só a nomeação da praça principal do Benfica, que preserva original campinho onde os peladeiros de plantão são obrigados a driblar as mangueiras majestosamente fincadas no campo.
Outras famílias da elite fortalezense da época também se fixaram e escolheram o bairro para fincar suas mansões. Mas nem só de glamour vivia o Benfica. Casas geminadas, bem mais modestas, iam preenchendo as ruas com suas portas avarandadas, janelas e gradis. Por vezes uma entrada lateral espremia um jardim singelo: pés de jasmim-de-leite, rosa-prata, boa-noite. Nos tacos de terrenos menos disputados, vulneráveis a alagamentos ou na beirada dos caminhos iam multiplicando-se casinhas modestas, amparadas umas nas outras em solidário cinturão de cores desmaiadas. Feirantes, lavadeiras, engraxates, cambistas, ambulantes vão demarcando seu lugar no bairro, criando enclaves, sítios, territórios alguns dos quais ainda sobrevivem.

Continua...

*A origem da toponímia do bairro português tem diferentes versões circulantes na tradição oral. Reconto aqui a do cronista Fernão Lopes, anotada no livro Crónica de El-Rei D. Pedro I: Maria Rousada vivia na aldeia de Benfica. Era casada, mas antes do matrimônio, o marido a “rousara” – termo correspondente a estuprara –, vindo daí o apelido “rousada”. Apesar da violência sofrida inicialmente, consta no relato de Fernão Lopes que Maria e o agressor, agora marido, viviam em harmonia – o casal e os vários filhos que tiveram. O crime de estupro, no entanto, era motivo de condenação à morte no Portugal da época. Mesmo tendo o agressor desposado sua vítima, não o isentava de tal punição. Mas como nunca tinha havido denúncia alguma, o marido de Maria ficara impune.Anos se passaram. O assunto era quase sepultado, quando um dia o Rei, em visita a aldeia, ao ouvir o nome da tal mulher ficou curioso e perguntou o motivo do apelido. Os aldeões contaram-lhe a história e imediatamente o soberano exigiu que a lei fosse cumprida, ordenando o enforcamento do esposo da Maria Rousada. A mulher e os filhos rogaram em vão por clemência. Chegado o dia da execução, foi grande a comoção de Maria e seus rebentos, carpindo dolorosamente em cortejo ao condenado. O chororô foi tanto que chocou alguns membros da comitiva real; chegaram a insinuar que o Rei teria sido rigoroso demais. Condoeram-se pela mulher, comentando o quanto ela ficara mal. O Rei não apreciou ser contestado (como todo rei), e em resposta disse: BEM FICA!”. Arranjou um casamento para Maria Rousada e deu-lhe um dote considerável, de modo que ela e seus filhos “bem ficaram”. E a partir desse evento, o lugar passou a ser conhecido pelas palavras proferidas pelo soberano: “BEM FICA”.



Benfica / Arlene Holanda.- Fortaleza: Secultfor, 2015. (Coleção Pajeú)

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