Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

domingo, 24 de junho de 2012

Crédito Popular São José


O Crédito Popular São José foi uma cooperativa fundada pela Igreja em 17 de novembro de 1920 para “favorecer a pobreza oprimida pela desenfreada usura dos tempos”. 

Almanach Estatístico, Administrativo, Mercantil, Industrial 
e Literário do Estado do Ceará para o anno de 1921.

O Crédito popular São José foi a primeira cooperativa de crédito fundada no Ceará. Instalada a 17 de novembro de 1920 sob os auspícios do Exmo. Sr. Dom Manuel da Silva Gomes, arcebispo Metropolitano, iniciou suas operações com o pequeno capital de 22:000$000, que logo se elevou a 70:895$.

Foi seu primeiro presidente o Sr. Ildefonso Araújo, de saudosa memória.

Hoje essa cooperativa é indubitavelmente, a maior do Estado. Seu capital se eleva, pelo último balanço, a Rs. 305:872$500.

Seus depósitos já se apresentam com a elevada soma de Rs. 2.942:070$716 sendo que a maior parte é a prazo fixo, na importância de 2.165:935$938.


Esse estabelecimento, de orientação católica, foi fundado para auxiliar as classes populares. Nesse sentido estabeleceu uma tabela de empréstimos de importância até 1:200$000, com juros excepcionais, destinados a socorrer os pequenos tomadores.

Antônio Ildefonso de Araújo

Sob a presidência do Sr. Antônio Ildefonso de Araújo, o mesmo estabelecimento levou a efeito a construção da Vila Operária, "Dom Manuel" composta de 32 casas no Bairro da Prainha, nesta cidade, para venda em pequenas prestações mensais.

O bairro da Prainha - Arquivo Nirez

Também construiu o "Quarteirão Santa Teresa", no Outeiro, com boas casas, igualmente vendidas a prestações.

Rua 25 Março no antigo bairro do Outeiro

O atual presidente desta cooperativa é o Dr. Manuel Antônio de Andrade Furtado, professor da Faculdade de Direito e Jornalista católico.

Texto do Álbum Fortaleza 1931 

Manuel Antônio de Andrade Furtado

A foto ao lado é de 1926 da Rua General Bezerril.
O prédio da esquerda, foi demolido e em seu lugar foi levantado o do Banco de Fortaleza - Banfort. Antes, o velho prédio já abrigava o Crédito Popular São José, Sociedade Cooperativa de Responsabilidade Ltda., fundada em 1920 sob a responsabilidade do Arcebispado de Fortaleza, transformando-se, em 1939, em Banco Popular de Fortaleza S/A. A árvore ao lado é o famoso 
Oitizeiro do Rosário.

As habitações populares no início da década de 1920, começaram a sofrer as intervenções estatais dentro da zona urbana – com base na política sanitária e controle das epidemias. Foi nesse período que se iniciaram os incentivos para a construção de vilas de acordo com as normas de higiene e saúde pública em vigor. Em 1922, uma lei concedia isenção de impostos prediais e municipais para construção de casas populares nos bairros menos habitados da cidade. Dois anos depois, o Crédito Popular São José também conseguiu a mesma isenção para construir e vender casas em Fortaleza com valor que não excedesse dez contos de réis.

Em meados dos anos 1920, a disposição de casas para os trabalhadores começa a ser ensaiada no Círculo São José. A diretoria do Círculo conseguiu em 1924, na gestão do Desembargador Moreira, isenção de impostos para as casas da Vila Operária Dom Manoel. O projeto que previa ampliação edificou, com financiamento do Crédito Popular São José, 31 casas “arejadas e higiênicas” a serem vendidas a pequenos comerciantes associados ao Círculo Operário. Apesar de as casas serem vendidas em parcelamentos de até quinze anos, eram destinadas aos comerciantes, certamente porque a maioria dos circulistas tinha
ganhos descontínuos, não podendo pagar rigorosamente todos os meses. As prestações variavam entre 27 e 47 mil réis e as casas eram de três tipos (A, B e C), dependendo da área construída e do número de cômodos.

Círculo de Operários e Trabalhadores Católicos São José

Fatos Históricos

  • 17 de novembro de 1920 - Instala-se, em Fortaleza, o Crédito Popular São José, sociedade cooperativa de responsabilidade limitada, na sede do Círculo Católico de Fortaleza, sob direção de Antônio Ildefonso de AraújoDepois iria para prédio na esquina da Rua Guilherme Rocha nº 15 (antigo, atual 17) com Rua General Bezerril nº 177 (antigo). Depois se transformou no Banco Popular de Fortaleza S/A - Banfort

  • 22 de abril de 1926 - Adquirido a Carlota Gouveia de Miranda Cavalcante, pelo Crédito Popular São José, o terreno na Rua da Aldeiota (hoje Rua Nogueira Acioli), na Praça Benjamin Constant (Popularmente do Cristo Rei), para construção da residência dos padres jesuítas. A mesma proprietária doou parte do terreno para ser construída a Igreja do Cristo Rei

  • 03 de fevereiro de 1938 - O Crédito Popular São José, passa a denominar-se Banco Popular de Fortaleza S/A - Banfort, em vista de autorização concedida pelo governo federal, através da Carta Patente nº 169 de 25/01/1938.


x_3c9b3b43
Fontes: Álbum Fortaleza 1931, Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo, Arquivo Nirez e o artigo “Obreiros Pacíficos”: O Círculo de Operários e trabalhadores Católicos São José. (Fortaleza, 1915 – 1931) de Ana Cristina Pereira Lima

sábado, 23 de junho de 2012

A antiga Rua Franco Rabelo



 
A foto antiga data de aproximadamente 1948. O muro que está em primeiro plano ficava na antiga rua Franco Rabelo. Arquivo Nirez

Na antiga Rua Franco Rabelo, só existiam pensões de mulheres, cabarés e os "chatôs", hoje chamados de motéis, além de um posto policial. A rua começava na então Travessa Baturité e se estendia até a Praça do Cristo Redentor, seguindo com o nome de Avenida Monsenhor Tabosa.

A rua já recebeu o nome de Rua Treze, mas não durou muito.

Com a abertura da Avenida Marechal Castelo Branco, que ficou conhecida popularmente por Leste-Oeste, a Rua Franco Rabelo praticamente desapareceu, restando apenas uma de suas placas, pois suas casas do lado Sul passaram a ser da avenida e as do outro lado foram demolidas. 


 
Praça do Cristo Redentor. Foto colhida pela objetiva da Aba Film no ano de 1938. A partir da esquerda, a mansão que foi de Luiz Borges da Cunha e Maria Pio de Castro, que ficava na Rua Franco Rabelo, em frente à Praça, seguida da casa construída por José Pio de Morais e Castro e Angélica Borges Pio de Castro, depois ocupada pelo inglês Francis Reginald Hull (Mr. Hull), meio encoberta por uma árvore; a Avenida Monsenhor Tabosa, a Igreja de Nossa Senhora da Conceição e o Seminário Arquidiocesano. Na frente, a praça, com a torre que lhe deu o nome.

 
Em primeiro plano, na esquina da Rua Franco Rabelo com rua Almirante Jaceguai, a casa  construída no século passado pelo senhor José Pio de Farias, que era agente do Loyd Brasileiro. A casa tinha uma torre de onde ele observava a saída e chegada de navios. 

Na década de 70 iniciaram-se as obras de construção da Avenida Leste-Oeste que absorveu a Rua Franco Rabelo, unindo lado leste ao oeste da Cidade.
As casas que ficavam na Rua Franco Rabelo foram demolidas para darem lugar hoje ao Centro Dragão do Mar de Arte e Cultura.


Esta era a delegacia da Rua Franco Rabelo, antro de prostituição que foi absorvido pela Avenida Leste-Oeste. Ficava entre a travessa Baturité e a Praça do Cristo Redentor. Arquivo Nirez

Rua Franco Rabelo, que hoje fica no leito da Avenida Leste-Oeste. Lá se concentrava o baixo meretrício, ou seja, era um tipo de cabarés da mais baixa classe. Na rua ficava uma delegacia de polícia para resolver os problemas constantes ali surgidos. Foi escola para muitos jovens que ali iniciaram sua vida sexual. Essas jovens que aí estão eram prostitutas e os jovens eram clientes. Arquivo Nirez

Espaço hoje ocupado pelo Dragão do Mar. Foto da década de 20/30 - Arquivo Nirez

Fatos Históricos


  • 14 de fevereiro de 1915 - Inaugura-se o Teatro São José, na Rua 25 de Março entre a Rua Rufino de Alencar, a Rua Franco Rabelo e a Rua Boris, com frente para Praça do Cristo Redentor. Hoje, com a abertura da Avenida Marechal Castelo Branco (Leste-Oeste), desapareceu a Rua Franco Rabelo que ficou no leito da avenida.


Vista aérea da década de 20/30 - Arquivo Nirez


  • 24 de outubro de 1920 - Lançamento da pedra fundamental do edifício do Círculo de Operários e Trabalhadores Católicos São José, com a presença do Arcebispo Metropolitano Dom Manuel da Silva Gomes e do Presidente do Estado, Justiniano José de Serpa (Justiniano de Serpa), na Praça Senador Machado (hoje Praça do Cristo Redentor), ficando o prédio com frente para a Rua 25 de Março, os fundos para a Rua Boris, o lado esquerdo para a Rua Franco Rabelo e o direito para a Rua Rufino de Alencar nº 362.


  • 10 de julho de 1952 - Publicada no Diário Oficial do Município - Diom nº5.467, a Lei nº 491, de 30/06/1952, que muda a denominação da Rua Franco Rabelo para Rua Treze. O nome não permaneceu. 

  • 13 de julho de 1965 - O pequeno espaço existente ao lado do Círculo Operário São José, no encontro da Rua 25 de Março com Rua Franco Rabelo, recebe o nome de Largo Padre Guilherme Waessen. Com a abertura da Avenida Marechal Castelo Branco (Avenida Leste-Oeste), a praça desapareceu.

  • 27 de março de 1967 - A Biblioteca Pública do Estado inaugura sua nova sede, na Rua Franco Rabelo nº 317, na Praça Cristo Redentor, o prédio da hoje Biblioteca Pública Menezes Pimentel, como parte das comemorações do centenário daquela instituição. A antiga Rua Franco Rabelo sumiu e hoje existe a Avenida Marechal Castelo Branco (Avenida Leste-Oeste). Os arquitetos foram Aírton Ibiapina Montenegro Júnior e Francisco Célio Falcão Queirós. O endereço hoje é Avenida Marechal Castelo Branco nº 255. 

  • 09 de agosto de 1973 - Inicia-se a derrubada de antigos imóveis situados na Avenida Alberto Nepomuceno, no cruzamento com a Avenida da Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção, que corre ao lado da 10ª RM, para dar lugar às obras de construção de um dos primeiros viadutos de Fortaleza, que ligará a Avenida Marechal Castelo Branco (Leste-Oeste) à Rua Franco Rabelo.


Arquivo Nirez

Após sua inauguração recebeu o nome oficial de Viaduto da FEB, mas ficou conhecido popularmente como "Tatasão", alusão a conhecido homossexual de Fortaleza.

Quem foi Franco Rabelo:

Marcos Franco Rabelo, nasceu em Fortaleza, 25 de abril de 1861, filho de Antônio Franco Aives de Melo e Ana Franco Rabelo.

Seguiu carreira militar, começando pelo 15° batalhão de Infantaria, sediado em Fortaleza, de onde ruma para a Escola Militar da Corte. Fez os cursos de. Infantaria e Cavalaria (terminado em 1882) e o de Artilharia (1884). Bacharel em Matemática e Ciências Físicas (1886). Serviu em Belém e Manaus, Fortaleza e Rio de Janeiro (Professor da Escola Militar da Corte, Escola Superior de Guerra e Escola do Estado Maior do Exército). Posto em disponibilidade em 1910, exerceu cargo de chefe do serviço de Estatística da Estrada de Ferro Central do Brasil.

Em julho de 1912 assumiu o governo do Estado do Ceará, pondo fim ao domínio de Antônio Pinto Nogueira Accioli; postando-se contra os interesses do Marechal Hermes da Fonseca, Presidente da República; enfrentou grandes adversidades e dificuldades. Franco Rabelo buscou enfraquecer as lideranças regionais do Ceará, entre elas Padre Cícero, que foi deposto do cargo de prefeito de Juazeiro do Norte por Rabelo. Em 1914, Floro Bartolomeu convocou uma sessão extraordinária da Assembleia Legislativa do Ceará a ser realizada em Juazeiro. Ao tomar conhecimento, Franco Rabelo determinou a invasão da cidade, dando origem ao conflito chamado de Sedição de Juazeiro, que culminou com a deposição de Franco Rabelo. Foi um dos fundadores da Academia Cearense de Letras.



x_3c9a6012
Fontes: Cronologia Ilustrada de Fortaleza de Miguel Ângelo de Azevedo, 

1001 Cearenses Notáveis - F. Silva Nobre e Nirez

sexta-feira, 22 de junho de 2012

Manuel Morcego e Tristeza



Com o mesmo panorama dos demais locais da nossa Cidade, personagens na época compunham o cenário da urbe com fatos ou feitos, perpassando algumas décadas por cenas dantescas. Algumas vezes, até modificando hábitos, pois havia casos em que apelidos se transformavam em nomes de família. Na ficção, por exemplo, Machado de Assis, com laivos de humor e ironia, transformou em sobrenome o apelido "Cubas" e ainda lhe deu uma origem nobre, nas Memórias Póstumas. Inúmeras são as famílias que ainda hoje são descendentes ou originárias de alcunhas. Mas disso não fazem menosprezo.

Mané Morcego

Manuel Morcego era um homem rústico, nascido nessa Cidade de Fortaleza de Nossa Senhora da Assunção. Era tido por todos como um fiel amigo, cuja descendência de escravos, trazia toda humildade da senzala por onde se abrigara no peito da mãe, quando esta o amamentara. Era estimado por famílias gradas e sua afeição se expandia como verdadeiro servo, ou amo como era mais reconhecido. Era recebido nas casas e tratado como pessoa da própria família, não sofrendo distinção por quem quer que fosse.


Alguns fatos

Famílias generosas, quando tinham a felicidade de adotar um desses "amos"; conservavam e passavam estima e consideração, fazendo-os assim como um verdadeiro parente de sangue. Muitas vezes o eram verdadeiramente, pois fruto de transgressões que, de modo até rotineiro, ocorriam nas casas que se serviam do regime de escravidão.


Ouvir falar de alguns casos assim. Manuel, operário desde muito jovem, passou a fazer parte de uma família como se membro fosse. Todos tinham por ele a mais alta consideração. Sabia de tudo que se passava no casarão do meu bisavô. Cuidava dos filhos menores, como companheiro, instrutor, amigo, zelador e segurança familiar (guardião). Assim todos o apreciavam, nada lhe era negado ou cobrado. Era um servo honesto e por todos muito estimado.

A labuta
Na adolescência à juventude, resolveu trabalhar na Construção da nossa Catedral da Sé. Tornou-se um audaz servente e chegou a ser pedreiro da . Sua habilidade não chegou a tanto, porque designado para trabalhar na construção da torre da Igreja, certa vez, escorregou de um andaime que falseara com o vento, logo veio a cair das alturas. Tamanha foi à destreza e agilidade, que, ao cair rolando altura a baixo, deu de encontro às estroncas segurando a uma delas, como se dizia, "agarrando-se com unhas e dentes", enfrentando o medo de morrer ao cair daquelas alturas. Salvou-se graças a ajuda dos demais operários que, num átimo, o socorreram rapidamente.

Daí em diante passou a ser conhecido pelo epíteto de "Manuel Morcego", estendendo para acrescentar ao cognome (alcunha) de "Morcego" ao da família. Com a origem o apelido de "Manuel Morcego" estendeu-se à família, passando a ser conhecida como Família do Manuel Morcego. Nas residências onde trabalhava, "Manuel Morcego" era considerado como membro da própria família - pessoa de casa e para tudo era chamado e consultado. Assim quando lembrava o episódio que fora vitima na construção da Catedral da Sé, cuja queda da torre da igreja se salvara por milagre dizia: "quem duma escapa cem anos vive". Só do apelido não escapou até morrer

A rota
Cresceu, viveu, casou na casa do meu bisavô Joaquim Dias da Rocha; era empregado do seu armazém "Firma Dias da Rocha & Cia", local onde se ergueu o Edifício Jangada, na Rua Major Facundo esquina com a Rua Senador Alencar. Manuel Morcego, cujo epíteto verdadeiro era Manuel Ba(pis)tista Assun(pis)ção tinha certa dificuldade de soletrar o próprio nome, era uma pessoa sem instrução, escrevia o nome, porque tinha queda para desenho depois de muito exercitar a grafia.Casou constituindo família, com filhos de bons costumes, conservaram as amizades do pai por toda a existência. Esses tipos de pessoas povoaram com laços de afetos familiares se perpetuando com amor às antigas famílias de nossa Cidade nos tempo que o piano, violino e violoncelo faziam orquestra de pau e corda, sem preocupação de metais, entoando lindos fados, valsas vienenses, Strauss, polcas e mazurcas nas salas de visitas de gradas famílias fortalezenses, portugueses, estrangeiros de outras plagas. Nossa família, a começar por meu bisavô, Joaquim Dias da Rocha, português, antiescravista, nunca houve escravo. Pertencia ao Partido Libertador, formado pelos portugueses aqui residentes

Vulgarmente conhecida por "Tristeza", morava no Curral das Éguas. Era uma pobre coitada que não sabia se vivia. Quase não falava e pedia a todos quando dela achegava quantia de RS 500 (quinhentos réis) para tomar uma "bicada" ou "douradinha". Prestava serviços a "grinfas" do Arraial Moura Brasil, carregando lata d'água na cabeça para fornecer os banhos noturnos ou, senão, matinais.

Ladeira onde nascia a rua General Sampaio formando a bucólica praia Formosa. Hoje, nada existe dessas casas. O avanço do mar a Leste Oeste modificaram por completa esta paisagem. Hoje neste local está o viaduto que dar acesso a Leste Oeste e também ao hotel Marina Park. Foto da década de 40. Arquivo Nirez


As casas das "borboletas noturnas" eram situadas na descida da Rua General Sampaio, terreno em ladeira da descida aos fundos da Estação Central e Cadeia Pública, hoje Emcetur (1ª quadra); abrigava as mais chiques damas da noite do "Curral das éguas", cujas quadras com descidas íngreme formadas por vários chalés, germinados pertencentes a várias damas do fado, cujo estilo arquitetônico chalés geminadas, facilitava o acesso dos convidados ao amor momentâneo sem maiores compromissos com amor do cupido por ser efêmero e passageiro - era o amor à doidivanas cujos momentos de afagos com Vênus pagos sob compromisso de ficar freguês das carícias embora compensados por certa quantia as blandícias trocadas na alcova sob promessas vãs em troca do vil metal.


 
Rua Franco Rabelo, que hoje fica no leito da Avenida Leste-Oeste. Lá se concentrava o baixo meretrício, ou seja, era um tipo de cabaré da mais baixa classe. Na rua ficava uma delegacia de polícia para resolver os problemas constantes ali surgidos. Foi escola para muitos jovens que ali iniciaram sua vida sexual. Essas jovens que aí estão eram prostitutas e os jovens eram clientes. Arquivo Nirez


O cadastramento
O compromisso maior de cada "horizontal" era com o Serviço de Vigilância de Secretaria de Policia e Segurança Pública, Serviço de Ordem Social, por se encarregar de abrir um "Fichário Profissional" cadastrando cada uma - e convocando a vir passar o "visto" na Ficha Cadastral, visado pela autoridade sanitária, policial - Delegado ou Comissário do dia e exame por médico sanitarista para saber o estado de saúde de cada prostituta.

Esta era a delegacia da Rua Franco Rabelo, antro de prostituição que foi absorvido pela Avenida Leste-Oeste. Arquivo Nirez

Havia policiais atentos para esse serviço de vigilância pública, evitando que se alastrasse o "vírus da gonorreia", "esquentamento", "piolho de púbis" ou outro tipo de doença venérea comum na juventude. Mas tudo isso, são coisas que o tempo levou e não há inclusive saudades para esse tipo de recordação, porque a Elixir 914 e o óleo de "Fígado de Bacalhau" deixavam radicalmente curado, bem como injeção de bismuto.

Dois redutos
Por essa razão o Curral e a Cinza era temidos por jovens que chegava à puberdade e eram naturalmente levados a manter relações sexuais. Mesmo assim existiam as escapulidas secretas dos jovens mancebos com as serviçais. E por fim, era o Curral refúgio dos amores libertinos afastados do seio da família, até a purgação do pecado ou nódoa manchando a reputação da honra da família que não admitia tal comportamento. 

A força simbólica dos nomes próprios
Para os egípcios da Antiguidade, o nome da pessoa era mais do que um signo de identificação. Tratava-se, em verdade, da dimensão do indivíduo, uma vez que os egípcios acreditavam no poder criador e coercitivo do nome. O Dicionário de Símbolos, de Chevalier e Gheerbrant (Rio de Janeiro: José Olympio, 1989, p. 640 a 642) afirma que, no nome de alguém, encontram-se todas as características de um símbolo: é ele carregado de significação; escrevendo ou pronunciando o nome de uma pessoa, faz-se com que ela viva ou sobreviva, o que corresponde ao dinamismo do símbolo; o conhecimento do nome proporciona poder sobre a pessoa - aspecto mágico, liame misterioso do símbolo. O conhecimento do nome intervém nos ritos de conciliação, de feitiço, de aniquilação, de possessão. Por isso é que todos prezam por seu nome. E a mais radical das sentenças é afirmar que o nome de alguém já não mais estará entre os vivos.
Zenilo Almada




Matéria publicada no Jornal Diário do Nordeste

Fortaleza - Os tipos de uma época


A cidade de Fortaleza, dos anos de 1940 a 1990, foi infestada por tipos excêntricos

Perambulando nas ruas centrais, chamando atenção dos transeuntes de classe média - funcionários públicos (federal, estadual ou municipal), que se deslocavam para suas repartições, quando se ia ao comércio com fácil acesso. A maioria dessas pessoas não utilizava outros transportes, a não ser o "velho bonde", percorrendo todos os bairros. Ironicamente, como uma das personagens trágicas da Grécia Arcaica - à proporção que caminhava diminuía, sem sequer perceber, a rigor, o tempo de sua extinção.

No tempo do bonde

Ao sentir essa aproximação, quer dizer, quando o progresso com a sua força avassaladora apontava novas opções de deslocamentos por ruas e novas avenidas na cidade de Fortaleza, os usuários, ante a constatação de que as coisas caminham, inexoravelmente, para a corrosão, comprimiam, no peito, as imorredouras saudades do elétrico da Ceará Light, que, aos solavancos, alertava, com a sineta o término de um percurso, com aproximação do final da linha em nossa Cidade.


O bonde Soares Moreno

A cidade de Fortaleza era, em verdade, muito bem parecida com aquela "Cidadezinha Qualquer", que o poeta mineiro, de Itabira, desenhou para os brasileiros em seu livro de estreia, "Alguma Poesia" (1930), em versos simples, cheios de elipses mentais, destilando humor e ironia, um desconsolável desencanto, sintetizando a vida besta:


Casas entre bananeiras


mulheres entre laranjeiras

pomar amor cantar.

Um homem vai devagar.

Um cachorro vai devagar.

Um burro vai devagar.

Devagar... as janelas olham.

Êta vida besta, meu Deus.


Os singulares

No contexto desse passado - apenas nítido na memória de alguns ou estampados em documentos, sejam jornais ou quaisquer outros tipos de conservação das manifestações da passagem - sempre breve - do homem entre os seus e o seu tempo -, imprimem-se sempre as figuras das pessoas excêntricas, isto é, os antissociais, os que, em síntese, não foram convidados a participar do banquete industrial ou - o que mais verdadeiramente ocorre - sequer tomaram conhecimento de sua engrenagem. Inseridos na diferença, seus comportamentos tanto recebem a leitura da ciência - a sociologia, a psicologia, a psiquiatria - ou se incorporam nas explicação místicas: muitas vezes pagam dividas cometidas n'outras vidas, voltam para resgatá-las os pecados cometidos, contra a dignidade e pudor ou, com a própria vida que ficou como garantia de orgulho, tibieza, incompreensão, que reduz a força espiritual causando diferença entre fortes.

Ainda que as figuras dos excêntricos - estes aqui representando não só os cientificamente assim classificados, mas, também, todos os que, de uma maneira ou de outra, põem-se à deriva do que a sociedade entende como normalidade: padrão de comportamento, cumprimento de deveres, exigência de direitos etc. -, melhor direi, ainda que as figuras dos excêntricos já percorram as páginas dos romances e dos cantos épicos, foi, sem dúvida, a partir da estética realista-naturalista que ganhou mais força e, de modo mais frequente, percorreu tanto a poesia quanto a ficção.

Quem não se lembra dos alunos do Colégio O Ateneu, do romance homônimo de Raul Pompeia?; do Dr. Bacamarte, protagonista de "O Alienista", de Machado de Assis? E o major Quaresma, cuja vida foi, pouco a pouco, destruída por seus desmedido amor à pátria, de tal sorte que a mesma pátria a que ele tanto amou, ironicamente, condenou-o - e por esse mesmo amor - à morte? Sem falar no coronel Ponciano de Azeredo Furtado, de "O coronel e o lobisomem", de José Cândido de Carvalho ou mesmo do Capitão Vitorino Carneiro da Cunha, do romance Fogo-Morto, de José Lins do Rego.



O bonde Jacarecanga


A Fortaleza real

Nesse apanhado das figuras que se tornaram populares no cotidiano de nossa cidade, destacaremos, dentre tantas, apenas algumas.

Para tanto, utilizaremos, na composição de seus retratos, a leitura dos valores que eram os daquela época. Desse modo, não imprimimos, nesse percurso, juízos de valores nossos, ainda mais se considerarmos que, agora, os tempos são outros, e outras são as compreensões das coisas do mundo. Nada mais mutável, adaptável aos tempos do que os princípios do que seja ou não normalidade. Nesse sentido, os comportamentos transgressores somente podem assim ser entendidos de acordo com os valores e os juízos que regem uma época. Vamos, pois, em busca de algumas personagens excêntricas de nosso passado.

Beatriz

Chamado de "Bia" por todos os que lhe eram íntimos, tratava-se de uma figura de avantajada estatura, espadaúdo, tez escura azeitonada, telúrio - preto acinzentado, gestos adamados, faltando-lhe apenas (e somente como um detalhe a mais) o balaio na cabeça, ou, cantar o "tabuleiro da baiana tem... vatapá, oi, caruru, mugunzá..." para encarnar um típico representante da Bahia do famoso acarajé.

Os alunos do Liceu do Ceará, quando o viam iniciavam com intrépida galhofada, insultos, carregados por estrondosa vaia que chamava a atenção dos moradores da Praça de uma das mais importantes instituições de ensino de toda uma época, cuja imagem - hoje - revela o avesso de uma glória. Hoje não se sabe mais qual o paradeiro do Beatriz. Se vivo for deve estar perto dos 90 (noventa) anos. Se morto, não deve ter saído do limbo, vagueando por esse mundo.

Bernardo

Homossexual, morava na Rua Senador Castro e Silva, entre a Avenida do Imperador bem próximo da Avenida Tristão Gonçalves, onde também negociava. Era exímio doceiro e boleiro, cozinhava com perfeição, fornecia algumas marmitas para almoço.

Era tipo pacato e mantinha-se reservado dos seus hábitos. Não bebia nem fumava. Sua voz de acentuado tatibitate nasalizada, denunciador de voz feminina. Não fazia cerimônia dos seus jeitos. Era acima de tudo grande respeitador do seu ambiente de trabalho e todos o tratavam com o mais alto respeito.

Se por ventura mantivesse algum caso amoroso era sigiloso e não dava a perceber a quem quer que fosse. No seu estabelecimento era tudo muito respeitoso e sem liberdade ou falta de respeito por parte dos fregueses e de Bernardo.

Acerca da força destruidora do tempo

O passado inexorável se encarrega de botar impiedosamente de lado esse feixe de tempo, (o dos bondes, dos passeios nas praças, das cadeiras nas calçadas, dos verdureiros e carniceiros nas calçadas) misturado de saudade, amarrado na lembrança, como se estivesse registrado na mente cinematográfica, até em preto e branco para dar maior clareza e nitidez de um passado que se destruiu com o passar dos anos, e, pouco a pouco vai se desfazendo na nossa mente, como neve que desloca no firmamento dando lugar ao sol e lua, sem voltar nunca mais ao ponto de partida, envolvida na tristeza pela ausência da alegria daquilo que não volta mais, deixando vazia a beleza da nuvem, cujos flocos agigantados se entrelaçam, assim, harmoniosamente no firmamento, brilhando com a luz das estrelas dão mais esplendor ao espetáculo celestial.

Zenilo Almada


Matéria publica no Jornal Diário do Nordeste

quinta-feira, 21 de junho de 2012

Milton Morais


Manoelito Soares Moraes, mais conhecido como Milton Morais, nasceu em Fortaleza, a 4 de setembro de 1930.

Desde garoto gostava muito de arte. Começou a carreira aproveitando uma carona de uma caravana circense que passou por Fortaleza, mas ela se desfez chegando na Bahia. Aos 19 anos, ele pegou então um ônibus e foi para o Rio de Janeiro tentar a carreira de ator.

Procurou companhias de teatro e ingressou na montagem teatral “Rua Nova” (1947). Em 1948, estreou um espetáculo escrito por Amaral Gurgel. E Milton Moraes conseguiu trabalhar ao lado de grandes atores, como Fernanda Montenegro e Paulo Autran.  
Em 1957, junto ao Teatro Nacional de Comédia, protagonizou a bem sucedida montagem “Pedro Mico”. Entre as mais de 100 peças em que atuou, destacam-se “Festival de Ladrões” (1979), “O Canto da Cotovia”, “Casa de Chá do Luar de Agosto”, “A Venerável Madame Goneau”, “Um Edifício Chamado 200”, entre outras.

Peça Pedro Mico - Multiply In Memorian

"TV Walita" - Década de 60 - Multiply In Memorian

Atuando em cinema desde os anos 50, o ator conta com cerca de 30 longas em sua carreira.

Ficou conhecido por seus tipos malandros, boêmios e despreocupados, refletindo a condição dos marginalizados e da população de classe média baixa.

No teatro seu maior sucesso foi a montagem de Um Edifício Chamado 200 que ficou anos em cartaz e com a qual viajou pelo Brasil. Na TV seus melhores trabalhos foram nas novelas Bandeira 2, O Espigão e Escalada. Também participou de outros sucessos, como Dancin Days, a primeira versão de CaboclaÁgua Viva, Final Feliz e a minissérie Anos Dourados. Seu último papel foi na novela O Dono do Mundo, em 1991.

Novela Bandeira 2 em 1971  - Multiply In Memorian

Novela Bandeira 2 em 1971 - Multiply In Memorian

Foi casado com as atrizes Glauce Rocha e Norma Blum. Se casou mais duas vezes com Mara Regina e Carlota Pauline

Glauce Rocha e Norma Blum

Curiosidade: Em seu primeiro trabalho no teatro, deveria subir ao palco com sapatos de verniz, comprados com dinheiro adiantado pela produção. Apaixonado pelos cavalos, perdeu tudo nas corridas e precisou entrar em cena com um par de galochas, o que lhe valeu por muito tempo o apelido de Milton Galocha. Depois, acabou tornando-se proprietário de mais de 20 cavalos no Jockey Club do Rio.

 
Foto de 1972 - Multiply In Memorian

Trabalhos no cinema:

Os Trapalhões e o Rei do Futebol (1986) .... Dr. Barros Barreto
Aguenta, Coração (1984)
O Trapalhão na Arca de Noé (1983) .... Morel
Beijo na Boca (1982) .... pai de Celeste
Pra Frente, Brasil (1982) .... Policial
O Sequestro (1981) .... Argola
Bonitinha Mas Ordinária ou Otto Lara Rezende (1981) .... Peixoto

Bonitinha mas ordinária - Multiply In Memorian

Os Paspalhões em Pinóquio 2000 (1980)
A República dos Assassinos (1979)
O Amante de Minha Mulher (1978)
Barra Pesada (1977) .... Florindo
Um Marido Contagiante (1977) .... Mário

Um marido contagiante - Multiply In Memorian

O Homem de Papel (1976) .... Carlos
Ninguém Segura Essas Mulheres (1976) .... Gil

Ninguém segura essas mulheres - Multiply In Memorian

Um Edifício Chamado 200 (1973) .... Gamela
Os Homens que Eu Tive (1973) .... Torres
Sagarana, o Duelo (1973)
Os Devassos (1971)
O Barão Otelo no Barato dos Bilhões (1971) .... alquimista
Os Senhores da Terra (1970)
É Simonal (1970)
A um Pulo da Morte (1969)
Maria Bonita, Rainha do Cangaço (1968) .... Lampião
Perpétuo contra o Esquadrão da Morte (1967) .... Perpétuo
Mineirinho Vivo ou Morto (1967) .... Arubinha
Nudista à Força (1966)
A Montanha dos Sete Ecos (1963)
Gimba, Presidente dos Valentes (1963)
Assassinato em Copacabana (1962) .... Pascoal
A Estrada (1956)

Um Edifício Chamado 200 - Multiply In Memorian

No teatro

Boca de Ouro, de Nelson Rodrigues;
O Berço do Herói, de Dias Gomes;
Um Edifício Chamado 200, de Paulo Pontes.

Boca de Ouro 1960 - Foto Carlos/ Cedoc-Funarte

Boca de Ouro 1962 - Multiply In Memorian

Teledramaturgia

1991 - O Dono do Mundo - Lopes Resende
1990 - Rainha da Sucata - Vicente
1988 - Abolição - Coronel Hipólito Macedo Tavares
1986 - Anos Dourados - Cláudio
1985 - De Quina pra Lua - José João Batista
1985 - A Gata Comeu (participação especial)
1984 - Amor com Amor se Paga - Barreto
1983 - Louco Amor - Sérgio
1982 - Final Feliz - Alaor
1982 - O Homem Proibido - Getúlio
1982 - Caso Verdade
1981 - O Amor É Nosso - Roberto
1980 - Plumas e Paetês (participação especial)
1980 - Coração Alado - Ângelo
1980 - Marina - Mário
1980 - Água Viva - Sérgio
1979 - Cabocla - Joaquim

Cabocla 1979 - Multiply In Memorian

1979 - Feijão Maravilha
1978 - Dancin' Days - Jofre
1977 - Espelho Mágico - Vicente Drummond
1976 - Duas Vidas - Alexandre
1976 - Saramandaia - Carlito Prata
1975 - Escalada - Armando
1974 - O Espigão - Lauro Fontana
1973 - Cavalo de Aço - Carlito

Cavalo de Aço 1973 - Multiply In Memorian

1972 - O Bofe - Sérgio Marreta
1971 - Bandeira 2 - Quidoca
1969 - Enquanto Houver Estrelas - Gílson
1969 - O Retrato de Laura - Júlio
1965 - 22-2000 Cidade Aberta

Milton Morais faleceu aos 63 anos, de insuficiência cardíaca no Rio de Janeiro, em 15 de fevereiro de 1993.

 
Na foto, com Teresinha Sodré em 'O Homem de Papel', de Carlos Coimbra - Multiply In Memorian

Milton Morais foi ator, roteirista e cenógrafo.Foi um dos principais atores de seu tempo, atuando em inúmeros filmes, peças teatrais e
telenovelas.


x_3c9880d4
Fontes: Wikipédia, Museu da TV e Multiply In Memorian

quarta-feira, 20 de junho de 2012

Figuras que se perderam no tempo


Voltamos às ruas do passado, visando a um passeio pela cidade de Fortaleza e suas curiosas personagens

Tanto a prosa de ficção quanto à poesia - apenas para que nos concentremos em uma de nossas manifestações em arte - imprimem, na construção de suas respectivas realidades, a presença de personagens que, de uma maneira ou de outra, tornam-se figuras emblemáticas, convertendo-se em metonímia da própria condição humana. Assim, tanto em memoráveis romances quanto em poemas vigorosos elas imprimem em nós a sua marca. Quem não se lembra do capitão Vitorino Carneiro da Cunha, na obra Fogo Morto, de José Lins do Rego? Ou, ainda, de Inês de Castro que, na épica de Camões, foi rainha depois de morta?


A cidade de Fortaleza, em sua expressão viva, isto é, a partir de pessoas que aqui viveram e que se inscreveram em nossa memória pelos motivos os mais diversos, sempre foi muito pródiga em tipos. Nesse sentido, continuamos, aqui, a nossa viagem por ruas e praças suspensas no tempo, em busca dessas personagens, resgatando-lhe atitudes, comportamentos, visando, assim, a um retrato o mais nítido possível de uma época que ainda permanece muito viva na memória de alguns e que agora repassamos a uma gama maior de pessoas.


Burra Preta


Era exótico e espalhafatoso e vadiava por nossa Cidade. Corpulento de cor azeitonada, telúrio (preto acinzentado), grande estatura, pesando aproximadamente mais de 120 (cento e vinte) quilos, quadris arredondados, cintura fina, rebolado feminino apressado, pouco falava, diziam ser pernambucano. Para outros, no entanto, era identificado como natural da Bahia.


Percorria a Praça do Ferreira, sem dar atenção aos gracejos por sobre ele lançavam. É como se as palavras ou os insultos se reduzissem a nada, pois, a rigor, ao que visava, antes de tudo, era a colheita de um sucesso diante do público. Apareceu em nossa Fortaleza, trabalhando em hotéis ou pensões familiares dos anos 50/60. Depois, entregou-se à ociosidade, passando a desfilar pelas ruas do centro nos começos e fins de expedientes nos horários mais movimentados. O que, evidentemente, provocava um certo movimento em termos das reações dos passantes, quer se dirigindo ao trabalho, ou mesmo deste retornando.


A performance


Os passeios de "Burra Preta" aconteciam durante as manhãs e a tarde depois das 17 horas. Percorria defronte o Cine São Luis, quando a vaia se expandia até a garapeira da Leão do Sul. Caminhava a passos largos, na Praça do Ferreira, sem dar ou travar conversações com as pessoas; quando muito, pedia cigarro ou "merenda". Usava costumeiramente bermudão de tecido de "veludo", alternados por cores em tonalidade preta, azul marinho ou "Bordeaux", com suspensórios que seguravam a calça pelo cós, assim como uma espécie de bermudão. Era, por assim dizermos, uma fantasia fora de época.


As reações


Quando adentrava a Praça do Ferreira, surgia inevitavelmente outra vaia prolongada com galhofadas em tom compassado. A multidão, então, altercava em ritmo bem sonoro: Bur-ra Pre-ta!!! Bur-ra Pre-ta!!! Bur-ra Pre-ta!!! Bur-ra Pre-ta-ta-ta!!! As vozes iam, aos gritos, de um lado para outro. E, mesmo que as pessoas - em especial, os jovens rapazes - estribilhassem com estrondo _ Bur-ra Pre-ta!!!, a ele tal era absolutamente indiferente, não lhe causando, portanto, o menor atordoamento. Parece que, no íntimo, gozava o sucesso que fazia, via-se, portanto, ovacionado.


Sem dar a menor atenção ao que ouvia, colocava os dedos nas atacas das calças e dos suspensórios, balançando as ancas, freneticamente, andando serenamente por entre as árvores, passando, então, por entre os que se apinhavam em ruas ou praças. Riam quebrando a monotonia de quem se apressava para apanhar condução em direção às suas residências, tornando hilariante e pitoresco aquele logradouro por momentos agradáveis e prazerosos a todos quanto a essas cenas assistiam.


Um enigma


Isso tornava o ambiente citadino mais festivo abrindo ânimo, sorriso dos vendedores de tecidos que se movimentava para mais uma jornada diária nas lojas da Praça do Ferreira, abrindo com alegria o dia de trabalho.


Não se podia, em verdade, avaliar-lhe o humor, pois, consoante já afirmamos, praticamente não se comunicava com os outros. A impressão que impunha, a partir de seus comportamentos, era a de quem se exibia a um público imenso, de um palco distante, mas que por sobre este pousassem olhos fixos, atentos. Causava, desse modo, um exuberante espetáculo circense.


Castorina do Aracati


Falante exuberante, exótica, trata-se de uma pessoa muito conhecida em nossa Cidade de Aracati, exatamente por uma singularidade: a de colocar apelido nas pessoas. "Castorina" seu verdadeiro nome de batismo era Castorina Chaves Pinto, nasceu em Aracati no dia 24 de Janeiro de 1883, sendo filha de Francisco do Carmo Pinto Pereira e Cândida Chaves Pinto. Única mulher de uma família composta de dezesseis irmãos. Morreu inupta. Naturalmente alegre e altamente irreverente. Era primordialmente conversadora loquaz, desembaraçada no seu linguajar e rapidez de raciocínio. Não titubeava, tinha resposta para tudo que fosse investigada.

"Castorina do Aracati" era irmã do proprietário de um bar, pousada, hotel no Aracati por nome de Teófilo.


Figura emblemática


Quem, no século passado, fosse à cidade de Aracati, e não conhecesse uma das mais ilustres cidadãs daquela vila, era mesmo que ir à Roma e não ver o Papa. Ela em todos provocava a dimensão da curiosidade e o medo de trazer consigo um apelido, uma vez que ela os aplicava com a precisão de uma lâmina. Era tão repentina, certeira e mordaz que, as mais das vezes, o apelido caía por sobre uma pessoa, como se houvesse sido escolhido após um longo trabalho, já que, quase sempre, implicava uma caricatura perfeita de quem, agora, era transformado em vítima. Com rapidez, ante o apelido, a pessoa era logo identificada; e a alcunha, certeira. Utilizava figuras de relevo constituídas por atingi-las em sua compleição física, posição social, eclesiástica, política, econômica. Valia o realce que os apelidos pudessem exercer sobre os mesmos para notoriedade imediata. A começar por maiores figuras do Clero como Dom Manuel de Silas Gomes, de "Bolo Enfeitado"; Dom Antônio de Almeida Lustosa, de "Envelope Aéreo", Dom Hélder Câmara, de "Pombinha do Céu", Menezes Pimentel, de "Carretel de linha preta" ou "Noite Ilustrada", David Bastos, de "Cabeça de Queijo do Reino", cuja cabeça pelada crânio vermelho, que mais se parecia com queijo enlatado (borboleta), (flamengo) logo à primeira vista.


Verso e reverso


Certa vez se sentiu ultrajada quando um grupo de amigos, entre risos e folguedos, indagou por que ela falava de modo tão incessantemente; um dos rapazes lhe perguntou se era ela uma "sariema fora do bando". Então, o feitiço se voltou conta a feiticeira, e ela ganhou a alcunha de "Sariema fora do bando".


Zenilo Almada


x_3c97f0ab
Matéria publicada no Diário do Nordeste


NOTÍCIAS DA FORTALEZA ANTIGA: