Um dos mais audaciosos concorrentes de Luiz Severiano Ribeiro chamava-se Henrique Mesiano. Nascido a 15 de março de 1887, Henrique Mesiano era filho de italianos e entrou no ramo de exibição cinematográfica no ano de 1912, ao assumir o Cine Rio Branco, que era de propriedade da extinta “Empresa Muratori & Cia”, da qual fazia parte.
Com o truste(²) de 1916, Henrique Mesiano tem de fechar o
Cine Rio Branco, voltando à atividade em 1917, quando, além da reabertura desta sala, mais duas, de sua propriedade, são inauguradas, o Cinema da Estação e o Cine Tiro Cearense, que, apesar da iniciativa empreendedora de Henrique Mesiano, duram pouco tempo. O Cine Rio Branco é fechado em 21 de fevereiro de 1919, por meio de um contrato.
Henrique Mesiano
Luiz Severiano Ribeiro consolidava-se como um poderoso concorrente. O contrato firmado com Henrique Mesiano afastava-o por dez anos da atividade cinematográfica, em troca de uma renda fixa mensal.(³)
Com os Cines Riche, Polytheama e Majestic-Palace, Luiz Severiano Ribeiro irá consolidar em Fortaleza seus empreendimentos na área cinematográfica. Os seus concorrentes foram superados por meio de contratos de fechamento, foi assim com a família Júlio Pinto, com José de Oliveira Rola e com Henrique Mesiano.
Cine Moderno em 1937
Na década de 1920, o Cine Riche é fechado em 11 de novembro de 1921 e o Cine Moderno é inaugurado em 7 de setembro de 1921 (O Cine Riche é fechado com a inauguração do Cine Moderno pois este era melhor estruturado). Além disso, a 19 de março de 1922, ocorre a reinauguração do Polytheama.
Com os Cines Majestic-Palace, Moderno e Polytheama, de propriedade de Severiano Ribeiro, só restavam alguns cinemas ligados à associações religiosas e leigas. Dos cinemas pioneiros, os que permaneceram nos anos de 1920 foram os seguintes: o Cine Polytheama, adquirido em 1922 por Luiz Severiano Ribeiro; o Cine São José, do Circulo de Operários e Trabalhadores Católicos e o Cine - Theatro Majestic Palace.
Nesta década, dos cinemas que foram inaugurados, apenas o Cine Moderno e o Cine Polytheama (reinaugurado) eram de propriedade de Severiano Ribeiro. No entanto, os demais cinemas recebiam os filmes de uma única empresa distribuidora, exatamente a de
Luiz Severiano Ribeiro. Os anos de 1920 são a década de Luiz Severiano Ribeiro, decênio em que este monopoliza a distribuição dos filmes em Fortaleza. Se, por um lado, ele havia eliminado os concorrentes do centro, como Júlio Pinto, José de Oliveira Rola e Henrique Mesiano, por outro lado, se beneficiava com a existência dos cinemas mantidos por associações religiosas e os de bairro(4), pois estes adquiriam os rolos de filme diretamente de sua empresa.
Com a Primeira Guerra Mundial, o mercado cinematográfico exibidor e distribuidor brasileiro irá sofrer grandes mudanças. É justamente neste momento que Severiano Ribeiro passa a atuar na atividade cinematográfica com domínio na distribuição de filmes. O cinema europeu, em virtude da guerra, entrou em decadência com a redução do seu mercado externo. Tal situação favoreceu a ascensão da indústria cinematográfica norte-americana. No Brasil, em 1915, são instaladas subsidiárias da Universal e da Fox. No ano seguinte, a Paramount abre uma filial no Rio de Janeiro e posteriormente a MGM, a United e a First Nacional também marcam presença no mercado brasileiro. Aproveitando-se da dificuldade de exportação no mercado europeu, as produtoras/distribuidoras dos Estados Unidos passaram a trazer os melhores filmes europeus, comprometendo, desse modo, a atuação dos produtores e importadores brasileiros que adquiriam os filmes diretamente no
mercado europeu antes da guerra, sem a presença de intermediários. As distribuidoras norte-americanas inovaram também nas técnicas de distribuição cinematográfica ao
utilizar, por exemplo, o recurso da “linha de exibição”, que consistia em um filme dessas distribuidoras seguir uma linha de salas de exibição com o seu lançamento sendo realizado exclusivamente em uma única sala, preferencialmente a que possuísse ingressos mais caros.
Na capital cearense, sendo a Empresa Luiz Severiano Ribeiro a única distribuidora cinematográfica local, o método da “linha de exibição” realizado pelas distribuidoras norte-americanas passa a ser adotado nos cinemas de Fortaleza. Se pautando na relação centro – periferia, capital – interior, utilizada na forma de distribuição feita pelas distribuidoras dos Estados Unidos, a Empresa Luiz Severiano Ribeiro definiu os cines Majestic e Moderno como as salas “lançadoras” da cidade. Desta feita, somente após o lançamento dos grandes filmes nestas duas salas, estes poderiam ser exibidos nas demais.
Antes do monopólio de Severiano Ribeiro, vários grupos faziam a distribuição, como por exemplo, a firma J.R.Staffa, do Rio de Janeiro, que distribuía as fitas para o Cinema Júlio Pinto. No Cine Rio Branco, Henrique Mesiano mantinha contrato de exclusividade com a dinamarquesa Nordisk Film e a francesa Pathé Fréres. O Cine - Theatro Polytheama, quando de propriedade da Empresa Rola & Irmão, possuía contrato com as produtoras norte-americanas. Tal contrato foi feito no ano de 1912 com a firma Angelino Staurile & Ca., do Rio de Janeiro, e possibilitava que a Empresa Rola & Irmão fosse a única no Estado do Ceará a receber as fitas das fábricas Vitagraph e Biograph, dos Estados Unidos. Em 1913, chega à Fortaleza a Companhia Cinematographica Brasileira que possuía sede na cidade de São Paulo e um capital de 4.000.000$000 (quatro milhões de réis). A citada empresa, criada em 1911 e pertencente a Francisco Serrador, veio para fazer contratos com os proprietários das salas de exibição cinematográfica locais, visando realizar lançamentos simultâneos de grandes filmes. No Cine Rio Branco, por exemplo, foi exibido o filme italiano Quo Vadis?, enquanto nos cinemas Júlio Pinto e Polytheama foi apresentado o
também italiano Branco contra Negro.
O próprio Severiano Ribeiro, quando ainda não era um grande exibidor cinematográfico e detentor do monopólio distribuidor, recorria à firmas distribuidoras como a J. R. Staffa, detentora do filme exibido na inauguração do Cine Riche, em 23 de dezembro de 1915(5).
Cine Polytheama e Majestic ao lado da Praça do Ferreira
No período de 1905 à 1915, temos no Brasil a presença do representante exclusivo de empresas brasileiras ou os representantes das produtoras – distribuidoras estrangeiras já citadas. Estes homens eram imigrantes europeus como Paschoal Segreto, Francisco Serrador e Jacomo Staffa, responsáveis pela importação tanto de películas quanto de equipamentos cinematográficos. Com o término da Primeira Guerra Mundial, a importação de produtos procedentes da Europa ficou comprometida, possibilitando a ocupação do mercado cinematográfico brasileiro pelas produtoras e distribuidoras norte - americanas.
O mencionado Jacomo Staffa chegou a comprar com os próprios recursos financeiros filmes estrangeiros em Paris. Posteriormente, ele adquire o direito de exclusividade na revenda dos filmes das produtoras Itália e Film D’art. Além disso, em 1910, ele obtém a exclusividade com a produtora dinamarquesa Nordisk, que era uma das mais importantes empresas cinematográficas deste período quando a supremacia norte-americana ainda não era tão intensa. Este exibidor se fez presente em várias cidades brasileiras, com escritórios em São Paulo, Porto Alegre e Recife, chegando a estabelecer em Nova York e em Paris
escritórios para aquisição de fitas.
Interior do Cine Majestic Palace
Quando Jacomo R. Staffa falece, Luiz Severiano Ribeiro estava expandindo sua atuação no mercado
cinematográfico do Rio de Janeiro. Na década de 1920, Severiano Ribeiro comanda o mercado exibidor e
distribuidor cinematográfico local e parte para outras cidades, com destaque para o Rio de Janeiro, a
Capital Federal. Nesta década, os grupos distribuidores, como o de J. R. Staffa, são substituídos por um
distribuidor exclusivo em Fortaleza, a Empresa Luiz Severiano Ribeiro.
Ao se mudar para o Rio de Janeiro, em 1926, ele conseguiu ratificar o monopólio distribuidor local.
Como a capital federal tinha em Francisco Serrador, o artífice da Cinelândia, o
grande monopolizador dos cinemas de qualidade, atuando de forma autônoma e
independente, Luiz Severiano Ribeiro ganha pouco a pouco credibilidade e
ingressa na associação da Metro-Goldwyn, First National e Empresas
Cinematográficas Reunidas, criando em 1926 uma nova e poderosa frente para a
distribuição de filmes no Brasil. Batalhador tenaz, estabelece-se a seguir como
agente locador de películas trazidas ao Brasil pela Agência Paramount (que
representava à época a Metro – Goldwyn e a First National) e a Cinematográfica
Brasileira. É um dos fundadores, em 1926, da sociedade cooperativa de
exibidores denominada “Circuito Nacional de Exibidores”. No mesmo ano,
estabelece um acordo com as firmas exibidoras Ponce, Pontes & Cia. e Noriz &
Frota, tornando-se a seguir único proprietário do circuito a elas pertencentes. Já
era então reconhecido pelo controle dos cinemas do Norte do Brasil, quando em
agosto de 1926, adquiriu no Rio o controle acionário de inúmeros cinemas,
dentre eles, o Atlântico e Ideal, e fazia sociedade com o Íris, de J. Cruz, Jr
.
A aposta na distribuição como importante elemento impulsionador do desenvolvimento e êxito da
atividade cinematográfica foi priorizada também por Severiano Ribeiro. Na capital cearense, nos anos de
1920, ele exerceu o domínio na distribuição, ampliando tal prática para outras cidades do Brasil até tornar-se um dos maiores nomes do cinema brasileiro, concentrando suas atividades na cidade do Rio de Janeiro,
de onde comandava seus negócios.
Por meio de acordos com empresas estrangeiras, em especial norte-americanas, Severiano Ribeiro adquiria
o direito de exibir filmes destas produtoras. Ao pagar aos fornecedores norte-americanos, ele obtinha
exclusividade de exibição, possibilitando que os filmes fossem lançados no Cine-Theatro Majestic
Palace, no Cine Moderno e no Cine Polytheama, para posteriormente serem exibidos nos outros cinemas,
no caso, os de bairro e os ligados à associações religiosas. Quanto mais salas de exibição cinematográfica
tivessem nos bairros e no interior do Estado, melhor para Severiano Ribeiro, pois ele estava aumentado
seus rendimentos e ampliando seu domínio sobre o mercado cinematográfico. Tal tática era utilizada tanto
no mercado local quanto em outras cidades do Brasil.
² Com relação ao truste de 1916, temos poucas informações. Mas ao que parece foi uma forma de Severiano Ribeiro centralizar em suas mãos gradativamente o controle da exibição cinematográfica local. Algumas salas ficaram fechadas como foi o caso do Cine Rio Branco, recebendo uma parte do lucro obtido pelas salas em funcionamento. Os cinemas que permaneceram funcionando foram o Polytheama de José Rola e o Riche de Severiano Ribeiro. Para maiores informações ver: LEITE, Ary Bezerra. Op. Cit., pp. 282-285. De acordo com o Mini Aurélio Século XXI, truste se define por “ acordo ou combinação entre empresas, em geral com o objetivo de restringir a concorrência e
controlar os preços”.
³ Na década de 1930, Henrique Mesiano voltou à atividade de exibição cinematográfica na capital cearense, após ter ficado toda a década de 1920 impedido de exibir filmes devido ao contrato firmado com Severiano Ribeiro. Não possuindo mais sua própria sala de exibição cinematográfica, Henrique Mesiano chegou a utilizar o Teatro José de Alencar: “Cinema no Theatro José de Alencar - O conhecido cinematografista Sr. Henrique Mesiano acaba de obter mediante aluguel o Theatro José de Alencar e ali exibirá o grandioso filme ‘Itália’, película natural sobre a vida italiana, suas cidades, panoramas e monumentos. Aguardemos com ansiedade o enunciado filme que certamente fará sucesso em Fortaleza.” O Povo, 28 de janeiro de 1932.
4 Foram inaugurados neste período, além do Cine Moderno, os seguintes cinemas: Cine-Theatro Pio X, em 1922; o Cine Beira Mar, em 1924; o Cine -Theatro Centro Artístico Cearense, em 1926; o Cinema União de Moços Católicos, em 1927; o Cine Grêmio Dramático Familiar, em 1928; o Recreio-Iracema também denominado Cine Recreio, no ano de 1928; o Cinema Paroquial, em 1930; o Cine Merceeiros e o Cine Phenix, ambos em 1930.
5 O filme exibido na inauguração do Cine Riche foi 'O jockey da Morte', da Vay – Film, de Milão,com argumento, direção e interpretação de Alfred Lind.
Fonte: Nas telas da cidade: salas de cinema e vida urbana
na Fortaleza dos anos de 1920 - Márcio Inácio da Silva e Arquivo Nirez