Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Liga Contra os Chapéus nos Cinemas e Teatros





































O ano era 1917...

Desde o aparecimento dos primeiros cinemas, na Europa e nos Estados Unidos da América, os empresários dessas casas viram-se obrigados a promover campanhas educativas, através de projeções fixas de avisos e recomendações.
Mensagens do tipo - “Por favor não fume! È desagradável para senhoras.”, “Damas! Retirem gentilmente seus chapéus!", “Favor ler os títulos para si mesmo. Ler alto perturba o vizinho!”, “Não cuspa no chão!” - são lidos,mundo à fora, em todos os idiomas.

E numa época em que os chapéus femininos eram obrigatórios, ditados pelo império da moda, foram estes uma fonte de constante protesto. O semanário cearense, "Perfil", ano II, agosto de 1917, dá noticia da criação em Fortaleza da “Liga contra os Chapéus nos Cinemas e Teatros":

LIGA CONTRA OS CHAPÉUS NOS CINEMAS E TEATROS

“Por todo êste mês será fundado nesta cidade a “Liga contra os Chapéus nos Cinemas e Teatros”. Excusado é entrarmos em minudencias quando todo mundo, pelo título, sabe os fins a que se destina a novel e justa sociedade.

Efetivamente é um suplício pior do que o de Tantalo ou mesmo do Conde Ugolino a gente ter de assistir uma sessão de cinematógrafo ou teatro com um chapéu "dreadnought” em nossa frente. Achamos “trop chic, excessivement chic” o chapéu na mulher, mas achamos “trop grave, excessivement grave” quando elas o conservam no alto da sinagoga.

Calculem as nossas gentilíssimas leitoras um homem pequeno sentado por trás de uma mulher de grande chapéu.

Já o nosso velho amigo e confrade Mário de Almeida, escrevia, com todo o
"humour", há pouco o seguinte trecho que bem vale ser lido: Entre as nossas elegantes apareceu um chapéu enorme, um chapéu desabado, onde a costumada pluma à Gainsborough é substituido por uma simples rosa chá, minúscula, pendida naquela imensa roda maciça de carro minhoto. Tinha razão “à bessa” o escritor alfacinha classificando de “roda de carro minhoto” aos modernos chapéus. Tem, também, carradas de razão, o amigo carioca que o apelidou de “dreadnought".

Que um doutor José Silveira, um tenente Pedro Bittencourt, um doutor W. Watson, um José Vianna, um Pedro Barboza (Pedrão) e outros tenham à sua frente uma roda de carro minhoto, vá lá, mas, um homem pequeno é que não está direito.

Por um formidando “furo” sabemos que a “Liga”será composta dos seguintes
cavalheiros: o primeiro tenente dr. Àlvaro Rêgo, o doutor Benjamin Moura, o jornalista H. Firmesa, o acadêmico Edgar Pinto, o comerciante Cassiano Rocha, o senhor Álvaro Cabral (Cabralzinho), o senhor José Porto (Portinho), o senhor Miguel Xavier, o dentista \/irgílio Morais (Moraisinho), o comerciante Bernardino Proença (Proencinha), o senhor Hypolito Lima, o senhor Carlos Costa (anão do 'Diário do Estado'), os Irmãos Patrício, o senhor Raimundo João, o doutor Domingos Solon, o senhor Christovam Guerra, o caricaturista Roman Scall, o doutor Carlos Alberto e o senhor Francisco Vasconcelos.

(Grafia da época) 

Nós cá de casa secundamos à ideia e estamos às ordens da futura “Liga".

Fonte:  Livro Fortaleza e a Era do Cinema de Ary Bezerra Leite


sexta-feira, 16 de agosto de 2013

Cine Luz - 1931 - Parte II


Assim foi noticiada a inauguração do novo Cine Luz, no periódico “Gazeta de Noticias” (23/02/39) :

INAUGURA-SE HOJE O CINE-LUZ
A PELÍCULA "TRÊS PEQUENAS DO BARULHO"
FOI A ESCOLHIDA PARA ESSA INSTALAÇÃO

Conforme noticiamos em edições anteriores, a Empreza Severiano Ribeiro fará inaugurar hoje mais um cinema sonoro, o Cine Luz, para cujo aparelhamento não mediu esforços, dotando Fortaleza com mais uma excelente casa de diversões cinematográficas.

È o antigo salão existente com aquela denominação à Praça Castro Carreira, canto da rua General Sampaio, o qual adaptado às projeções sonoras passou por remodelação geral, internamente tornando-se de aspecto agradabilissimo.


A antiga Praça Castro Carreira - Arquivo Nirez

A maquinaria sonora é das mais modernas, foi confeccionada pela marca nacional Cinetom que se vem tornando conhecida em todo o pais pela excelencia de seus aparelhos, por isso mesmo contando com grande numero de instalações congêneres em todo o território brasileiro.

Ontem à noite houve uma experiência dos ótimos aparelhos do Cine-Luz e hoje, às 19 horas, com a inauguração do novo salão, o nosso público terá de verificar que improficuos não foram os esforços da Empreza Ribeiro, oferecendo à nossa capital um esplendido cinema que irá servir os habitantes das imediações onde se encontra o mesmo instalado.



Consoante os cartazes da dita emprêza será passado, na tela inaugural do Cine Luz, o grandioso filme de Deanna Durbin, “Três Pequenas do Barulho”, tão aplaudido nas suas apresentações anteriores.

Os preços do aludido cinema serão populares, sendo cobrados os ingressos, nos dias úteis, à razão de 1$600 e nos dias de domingo, 2$200, quando entrarão programas especiais.

(Grafia da Época)

Nessa fase, vivenciei uma única visita ao velho cinema, quando em vesperal superlotada, graças à dupla Laurel e Hardy, imortalizada no Brasil como “o gordo e o magro”, era exibida a agradável versão cômica da opereta “Fra Diavolo” (Fra Diavolo; Metro Goldwyn Mayer, 1933, 90 minutos, direção de Hal Roach e Charles Rogers, opereta de Auber, argumento de Jeanie McPherson, direção musical de Le Roy Shield, fotografia de Art Lloyd e Hap Depew, com Stan Laurel, Oliver Hardy, Dennis King, Thelma Todd e James Finlayson).



O Cine Luz teve um novo período de existência, de doze anos, após a sua nova sonorização, transformando-se inevitàvelmente em cinema popular, com público simples que podia assumir o custo de seus ingressos de baixo preço. Foi finalmente desativado por volta de 1951.

Ary Bezerra Leite


Parte I



Fonte:  Livro Fortaleza e a Era do Cinema de Ary Bezerra Leite


domingo, 28 de julho de 2013

Cine Luz - 1931


O Cine Luz fundado em 1931, na Praça Castro Carreira - Ary Bezerra Leite

O mais popular de nossos cinemas, frequentado por pessoas simples e humildes, provavelmente tenha sido o Cine Luz, principalmente nos seus últimos anos de funcionamento. A razão dessa frequência nitidamente popular, advinha de sua localização na Praça Castro Carreira ou Praça da Estação, na esquina das ruas General Sampaio com Castro e Silva, no lado oposto da Estação Central dos trens da Rede de Viação Cearense.

Marciano Lopes, no seu livroRoyal Briar, comenta essa característica do Cine Luz, na década de 40, em contraste com outro cinema da mesma rua - o Rex: "Também na General Sampaio, ficava o Cine Luz, contudo na esquina da Praça da Estação. Nivelava-se, socialmente, ao Majestic, e era preferido pelos moradores do Arraial Moura Brasil, do “Curral” e das "Cinzas”, devido à proximidade com aqueles aglomerados humanos."

Quando de sua inauguração, entretanto, o Cine Luz propunha-se a ser um cinema destinado a um público do melhor nível social, tendo como destaque ter sido o primeiro dos pequenos cinemas que surgiram já sonorizados, ainda no período do processo Vitaphone.

O Cine Luz era localizado à rua General Sampaio, 526, esquina com rua Castro e Silva, e tinha outro acesso pela Praça Castro Carreira, 85. Foi inaugurado pela Empresa Cine Luz Ltda., de Bernardino Proença Filho e José Bezerra Rocha, no dia 28 de março de 1931, com o filme, distribuído pelo Programa Matarazzo, "Dama Escarlate (The Scarlet Lady; Columbia Pictures Corp., 1928, 7 rolos, direção de Alan Crosland, produção de Harry Cohn, argumento de Bess Meredithedição de Frank Atkinson, com Lya de Putti (Ao lado), Don Alvarado e Wamer Oland).

O surgimento do Cine Luz foi acolhido pela imprensa, tendo aGazeta de Noticias” (27.03.31) publicado:

CINE LUZ - SUA INAUGURAÇÃO AMANHÃ

Conforme anunciamos há dias, acaba de ser instalado mais um cinema nesta capital.

Trata-se do Cine Luz, de propriedade da  Empreza Cine Luz Ltda.", constituída pelos Srs. Bernardino Proença Filho e José Bezerra da Rocha.

O Cine Luz funcionará no prédio da antigaFábrica Proença, à rua General Sampaio nº48, esquina com a Praça Castro Carreira, e se acha confortavelmente instalado, de acordo com os requisitos indispensáveis a um cinema moderno. O salão de projeções é amplo e arejado e está muito bem mobiliado, de maneira a satisfazer as exigências do público em matéria de conforto.

A Fábrica Proença (em destaque) na Praça Castro Carreira - Nirez

A Empreza Cine Luz possue instalações de Electrola e Alto-falantes dynamicos da "Radio Corporation Company, de New York, para a synchronização motivada de todos os films a exhibir.

A inauguração do Cine-Luz, realizar-se-á amanhã, sábado, com um lindo programa escolhido a capricho e em duas sessões: às 18 1/2 e às 20 1/2.

Nessas sessões será focalizada a excelente pelicula "A Dama Escarlate", do Programa Matarazzo, com os queridos artistas Lya de Putty, Don Alvarado e Wamer Oland.

Completará o programa, um jornal noticioso.
É de se esperar, pois, que a inauguração do Cine-Luz constitua um acontecimento social com a afluencia numerosa dos elementos mais distinctos da sociedade cearense.

(Grafia da Época)

A respeito do novo cinema, o periódico católicoO Nordeste (28.03.31) dedica a seguinte nota:

MAIS UM CINEMA EM FORTALEZA

Inaugura-se, hoje, às 18:30, à rua General Sampaio nº48, esquina com a praça Castro Carreira (prédio da antiga "Fábrica Proença") mais um cinema em Fortaleza.
Trata-se do "Cine Luz”, de propriedade da “Empreza Cine Luz Ltda."constituida pelos Srs. Bernardino Proença Filho e José Bezerra da Rocha.

Essa nova casa de diversões se apresenta com instalações modernas e confortáveis, dispondo de electrolas e alto falantes dynamioos, da “Radio Corporation Company", de Nova York, para a syncronização motivada dos seus filmes.
O ato inaugural constará da fita “A Dama Escarlate”, em duas sessões, uma às 18:30 horas e outra às 20 horas.

Durante toda a Semana Santa o "Cine-Luz” exhibirá o primoroso film sacro "A Vida de Christo" colorida, com syncronização movida, última cópia da "Pathé Fréres", de Paris, recebida, directa e exclusivamente pela “Empreza Cine Luz Ltda”.

(Grafia da Época)

Os proprietários do Cine Luz, nesse primeiro ano de existência, tudo fizeram para assegurar um nível comparável aos melhores cinemas da Empresa Ribeiroconsiderando-se inferior apenas ao Cine Moderno, como atesta uma notícia do Correio do Ceará" (08.06.31):

A EMPREZA CINE LUZ OS NOVOS FILMS A SEREM EXHIBIDOS

O Cine Luz, da Empreza Cine Luz Ltda., de propriedade exclusiva dos Srs Bernardino Proença Filho e José Bezerra da Rocha, cavalheiros conceituadíssimos em nosso meio social, vem se estabelecer, no intuito de melhor servir aos seus numerosos frequentadores, várias soirées onde se exhibem as melhores cintas que se projectam nesta capital.

Às terças feiras funccionam as soirées d'art; às quintas e aos sabbados realizam-se as sessões populares com films appropriados e a preços accessiveis à bolsa de todos; aos domingos têm lugar as sessões Chics onde se apresentam films escolhidos.

Com esta organização os Srs Bernardino Proença Filho e José Bezerra da Rocha que já dotaram a nossa capital com excellente salão de projecção, o mais moderno de quantos existem e só inferior ao Moderno, procuraram servir ao nosso povo, correspondendo aos anseios de progresso que o caracteriza e justa é a preferencia que lhes tem dispensada.

(Grafia da Época)

O cinema com seus 800 lugares, divididos entre cadeiras e geral, conseguiu algum sucesso de público. Seu primeiro aniversário foi comemorado com brindes para os frequentadores. O Correio do Ceará" (28.03.32), noticia:

O 1°ANNIVERSÁRIO DO CINE LUZ

Hoje transcorre o primeiro anniversário do conceituado centro de diversões da Praça Castro Carreira, Cine Luz.

Em sua missão de agradar o número avultado de habitués deste aprazível cinema, a empresa organizou um atrahente programma, comemorando o feliz acontecimento.

Será levada a scena a revista burleta em 3 actos, Ultimo dia de Carnaval"Entre as senhoras e senhoritas que comparecerem a alegre noitada de hoje, serão sorteados trez brindes, no valor de 145$000.
Até o geral fará hoje a "sua independência”.

A conceituada Empreza de Cigarros Iracema Ltda.", distribuirá nelle grande numero de brindes.
E, para completar a atração da noite de hoje os preços das entradas serão minimos, contentando a todos.
As cadeiras a 2$200 e a geral a $500.
E, terminando, felicitamos a Empreza do Cine Luz, que tão bem tem sabido contentar a nosso ultra-exigente publico.

(Grafia da Época)

A tentativa de fazer um cinema ou um circuito Independente em Fortaleza, a partir do Cine Luz, com lançamentos próprios, também se frustou. Incorporado ao Grupo Severiano Ribeiro, em 1933, no que pese a existência de Investimentos para remodelação do prédio, assumiu gradualmente o status de “poeira", cinema para público menos exigente. Com uma geral na frente, próxima à tela, de bancos corridos, separada da área de cadeiras por uma grade. 
A noticia da reforma do prédio aparece no “Correio do Ceará” (27.06.33):

O "CINE LUZ" PASSA POR COMPLETA REFORMA

O velho e antigo casarão da Praça Castro Carreira, antiga Fábrica Proença, onde se aloja atualmente o popular salão de projecõees Cine-Luz, passa por completa reforma, adaptando-se a uma apreciável casa de diversões como as exigências do público que o frequenta está a pedir.

A Fábrica Proença (em destaque) na Praça Castro Carreira - Assis Lima

Assim é que, a “Empreza Ribeiro”proprietária desse salão e locataria do alludido predio, fal-o passar por uma pintura geral, transforma o seu velho piso, remodela-o enfim de modo a tornar esse centro de diversões procurado pela população amante do cinema, que lhe fica
nas imediações.

Cena do filme Três Pequenas do Barulho de 1936

A popular casa de exibição prosseguiu em sua programação de filmes mudos, até desaparecer em agosto de 1936. Não definitivamente. A 23 de fevereiro de 1939 é reinaugurado, agora equipado com projetores sonoros, exibindo na sessão inaugural a película Três Pequenas do Barulho (Three Smart Girls; Univesal Pictures Corp., 1936, 86 minutos, direção de Henry Koster, produção de Joseph Pastemak, argumento e cenário de Adele Comandini, edição de Ted Kentmúsica de Charles Previn, canções de Kus Kahn, Walterdusmann e Bronislau Kaperfotografia de Joseph Valentine, com Deanna Durbin, Barbara Reed, Binnie Bames, RayMilland, Nan Grey, Alice BradyCharles Winninger, Mischa Auer, Ernest Cossart e Hobart Ca vanaugh).

(Grafia da Época)


Continua...


Fonte:  Livro Fortaleza e a Era do Cinema de Ary Bezerra Leite

sexta-feira, 19 de julho de 2013

As Tabuletas de Reclame dos Cinemas em 1916


Pintura de Juracy Montenegro retratando a Praça do Ferreira da década de X

Há evidências, pela leitura de nossos jornais das primeiras décadas do século, que o centro vital de nossa cidade, a Praça do Ferreira, enquanto crescia o interesse do público pelos espetáculos cinematográficos, tornava-se vitima de grave poluição visual. Todos os recantos e espaços estratégicos eram ocupados por propaganda de filmes, na guerra pela preferência de nossa população.

Propaganda do filme Alvorada de Maio com Lila Lee

Praça Marquês do Herval

Consequência dos protestos de defensores da estética urbana, o Prefeito da cidade, coronel Casimiro Montenegro, resolveu regulamentar a exposição dos então chamados reclames, fazendo baixar o seguinte ato:

EDITAL Nº 5

"De ordem do sr. Prefeito Municipal, Coronel Casemiro Ribeiro Brasil Montenegro, faço público para conhecimento dos interessados que os logares designados pelo Sr. Prefeito, para a exposição das taboletas de annuncios dos cinemas, são os seguintes: Praça Marquez de Herval e Praça José de Alencar."

Secretaria da Prefeitura Municipal de Fortaleza, em 27 de janeiro de 1916.

Praça Marquês do Herval

O Amanuense

Alberto Campos de Goes Telles

Comentando o ato municipal, disciplinador da públicidade dos cinemas, e que afastava a Praça do Ferreira da intensa exploração publicitária, o “Diário do Estado”, edição de 1° de fevereiro, publicou:

CARTAZES DE CINEMA

Em destaque um "reclame" na Praça do Ferreira

"O Edital nº5 da Prefeitura. -Em edital sob o número 5, publicado no Diário do Estado, em dias da semana passada, a Prefeitura de Fortaleza fez saber aos senhores proprietários de cinema desta capital que, de ordem de nosso digno prefeito, coronel Casimiro Montenegro, os mesmos senhores só poderão expor sua “taboleta” de reclame nas praças Marquês de Herval e José de Alencar, unicamente.
Isso quer dizer que a Prefeitura, mui justamente, proibe que a Praça do Ferreirao coração da cidade, seja invadida pelas tais “taboletas”, como o tem sido sempre.
Parece, porém, que o Edital n°5 não chegou ainda ao conhecimento dos senhores proprietários de cinemas, pois a Praça do Ferreira continua a ser afeiada pelos enormes cartazes."


Fotos da então Praça José de Alencar, hoje Waldemar Falcão

Portanto, a medida tomada pelo Prefeito Casemiro Montenegro não surtiu o efeito desejado.

Além das “taboletas de reclame”, como afirma o cronista Otacílio de Azevedo, havia outro tipo de propaganda: “Quando o freguês se sentava para assistir a uma fita já sabia dos principais lances da história, pois tinha lido o programa, com um resumo, distribuído à entrada, ou mesmo na rua, de casa em casa. Os programas porém não contavam o fim da fita, o que não fazia muita diferença, pois todos sabiam que o bandido era sempre castigado e a heroína casava com o mocinho.”

Em destaque um "reclame" 

Fonte: Fortaleza e a era do cinema de Ary Bezerra Leite

sexta-feira, 28 de junho de 2013

O Cinema de Arte do Cine Diogo





Era sábado. Exibição do Cinema de Arte do Diogo. O filme em questão: um surrealista de Luís Buñuel (Foto ao lado). De repente, diante dos espectadores, no filme projetado, inexplicavelmente surge uma galinha em primeiro plano – se tratando de um filme surrealista, isso não é de surpreender tanto. Um casal de namorados que assistia ao filme, ansioso para entender as tramas de Buñuel, começa a cochichar, tentando entender o significado existente no aparecimento da galinha. De repente, Augusto Pontes, que estava sentado em uma das poltronas da fileira atrás da que se encontrava o casal, se impacienta com o colóquio e, com uma voz lúgubre diz: “Isto não é uma galinha, é um símbolo”. Os jovens silenciam-se assustados diante da interrupção do diálogo cinematográfico comum nas salas de cinema. 
Olham para trás e, de repente, parecem compreender tudo. 
Cenas adiante, a tal da galinha que havia despertado interesse discursivo do jovem casal de namorados aparece novamente. Neste momento, a jovem moça cutuca o namorado e, num ato de demonstração de entendimento da obra cinematográfica, diz: “Olha aí, o símbolo!”. E, novamente, começa o burburinho intelectual diante do filme, agora contextualizado com uma nova forma de visualizá-lo. Posto irritado, Augusto, faz “fervilhar” ainda mais a confusão epistemológica dizendo: “Agora não é símbolo, é só uma galinha.” ¹
O cotidiano vivido dentro – e fora – do cinema pode parecer cena de filme. A atitude de frequentar o Cinema de Arte (CA) representava certa distinção social e para se fazer inserir no universo pertencente a este grupo, era necessário a utilização de certos preceitos, como por exemplo, o de discutir e entender cinema filosoficamente. É essencial ao grupo que frequentava o CA demonstrar o caráter intelectual que representava ser um frequentador das sessões de arte.


Sala de exibição do Cine Diogo - Arquivo Ary Bezerra Leite

Se, nas salas de cinema comercial, não se exige do público um conhecimento cinematográfico mais amplo, na sessão de arte do Cine Diogo, se tratando de um espaço exibidor no qual é possível ter acesso a um cinema de autor e a ciclos de filmes clássicos, não é suficiente somente assistir ao filme, mas, saber a que experiência estético/filosófica ele está vinculado. E isso se dava no ato de discussão pós-filme, bem como no status de cinéfilo ou de entendido de cinema. Esse status era comumente representado entre a juventude que frequentava o Cinema de Arte que, no ato de assistir a filmes alternativos se diferenciavam dos jovens “menos politizados” da cidade. A narrativa que vimos acima exemplifica a necessidade de exprimir conhecimento e de se fazer parte do universo marcado pela fruição de uma mídia de massa alternativa. 


Panorama da cidade vendo-se o prédio do Cine Diogo - Acervo Carlos Juaçaba

O Cinema de Arte do Cine Diogo surgiu a partir de uma iniciativa de sócios do Clube de Cinema de Fortaleza (CCF), entre eles, Tavares da Silva e Frota Neto, além de Darcy Costa, que pensaram que Fortaleza deveria ter um circuito de exibições cinematográficas que fosse semelhante ao Cine Paissandu², no Rio de Janeiro – comercial, porém com exibições de filmes de autor, alternativos às exibições convencionais das salas de cinema existentes na cidade. O objetivo seria também incluir a juventude no circuito de exibição “de arte”, pois o Clube de Cinema de Fortaleza não era tão frequentado pela mocidade da época. 
O conveniente agora, para a concretização do projeto, seria procurar alguma casa de cinema que aceitasse exibir filmes alternativos – também ditos “de arte”. Após um longo período de negociações entre Darcy Costa e o Grupo Severiano Ribeiro, o entusiasta cultural, usando de sua influência conferida pelo reconhecimento no setor comercial consegue autorização do grupo exibidor para realizar exibições cinematográficas, em uma única sessão, 
aos sábados, às 10h da manhã. 
Nos dias de sábados à tarde, o CCF realizava uma reunião com sua diretoria – o Clube tinha uma formação social institucionalizada, com estatuto, diretor, secretário, tesoureiro, etc. 
Quando foi comunicado o consentimento das exibições, muitos não acreditaram que seria 
possível que alguém fosse ao cinema no centro da cidade, no sábado de manhã. E já na 
primeira sessão, o cinema lotou. As notas também incentivavam a presença do espectador – 

principalmente de jovens – nas sessões de arte, exaltando-as:


"Ontem, o Cine Diogo foi bastante concorrido na sua sessão de 10 horas dedicada ao CINEMA DE ARTE. Muitos jovens presentes e isso é um bom sinal, pois onde há jovem, há probabilidades do movimento crescer. Amanhã o Cine Familiar³ apresenta nas duas sessões noturnas dedicadas ao CINEMA DE ARTE, a fita de Anselmo DuarteO Pagador de Promessas(Foto ao lado), premiado em Canes. Espera-se o comparecimento em massa dos admiradores da arte de Lumière, tão bem equacionada pelos diretores do CINEMANOVO."
(AUTO, Francisco. Gazeta de Notícias. 5 de março de 1967).


Cine Familiar - Arquivo Nirez

Sala de exibição do Cine Familiar

"Depois de um longo período de interrupção, voltou ontem às 10 horas a funcionar o CINEMA DE ARTE, promoção do Clube de Cinema de Fortaleza em colaboração com a Empresa Luiz Severiano Ribeiro. Como etapa preliminar, o CA vai funcionar no Cine Diogo. Para iniciar essa segunda fase, a qual esperamos que não venha a sofrer nova interrupção, foi apresentado “A Noite”, segundo filme da trilogia de Michelangelo Antonioni sobre o tédio reinante nas altas esferas sociais da burguesia contemporânea. Os filmes selecionados para o CINEMA DE ARTE que funcionará nas manhãs de sábado no Cine Diogo, obedecem a um rigoroso critério seletivo e já podemos assegurar para o próximo sábado uma película inédita e considerada pela imprensa do Rio de Janeiro como a melhor do ano passado." 
(Antônio Girão Barroso. Gazeta de Notícias. 5 de março de 1967).


Edifício Diogo, na Rua Barão do Rio Branco - Arquivo Nirez

Durante o período de um ano – o corrente ano de 1967 – o Cinema de Arte do Cine Diogo exibiu 44 filmes, sendo retratados em jornais em notas pré-exibição ou em críticas após as exibições. Por vezes, era retratado nas colunas a presença dos espectadores e o êxito 
alcançado pela iniciativa cinematográfica. 
Podemos entender, entretanto, que o Cinema de Arte do Diogo tratava-se também de um cineclube, tendo apenas algumas características que o diferenciavam do Clube de Cinema de Fortaleza, que eram, em primeiro lugar e, principalmente, o fato do consumo cinematográfico se dá em uma atitude capitalista. O consumo, enquanto fruição cultural, nesse caso, necessitava de uma disponibilização financeira do espectador. No Clube, assistir filme era gratuito, bastava interessar-se em participar. Poderia haver assiduidade ou não. 
Outra distinção entre as duas iniciativas culturais era o fato do CA do Diogo não requerer filiação social. Para participar das sessões do Clube não era necessário ser filiado. 
Entretanto, para ter voz e voto dentro da entidade, associar-se era fundamental. 
Outra característica das exibições em cineclubes e ausente nas sessões de arte do Cine Diogo eram os debates pós-exibições, que aconteciam em espaços  fora do cinema não engajando o público em um todo, sendo uma atitude isolada a grupos mais politizados. 

A prática social de ir ao Cinema de Arte do Diogo não se limitava apenas à sala de cinema e aos corredores do prédio exibidor. O ciclo de convivência extrapolava o ambiente cinematográfico e partia para as ruas. O espaço cedido pelo Grupo Severiano Ribeiro não permitia a realização de debates após os filmes, pois logo após a exibição, os espectadores deveriam desocupar a sala para a realização da nova sessão de cinema, agora do circuito comercial habitual da sala exibidora. Os “cinéfilos engajados” discutiam, então, em espaços da cidade. Lanchonetes, bares, lojas ou clubes tornavam-se espaço de convivência e "extensão” da obra cinematográfica. 
Dessa forma, a prática de ver cinema de arte provocou novas práticas sociais em novos espaços, no caso, a ocupação de outros lugares:

“Quando acabava a exibição dos filmes, não podíamos ter discussão dentro do cinema, pois tinha hora para vagar o cinema. A empresa tinha que limpar a sala para ter a primeira sessão da tarde, a vesperal, e agora, comercial. As pessoas iam, então, para essa lanchonete em frente – lá tinha um chope ou uma coisa assim – ou iam para o Clube dos Advogados, meio quarteirão depois. Aí iam comer a feijoada do Clube. Nosso ‘Cine Paissandu’ era no meio da rua, dia de sábado, em baixo do Sol cearense. Então, esse período foi essencial.” 
(Augusto César Costa, em entrevista concedida no dia 22 de abril de 2009).


O Clube dos Advogados, local de reunião dos cinéfilos.

A experiência do Cinema de Arte do Cine Diogo teve importante influência no cotidiano da cidade de Fortaleza e incutiu uma cultura cinematográfica ao público diverso cearense. Talvez fosse uma atitude isolada, reservada a pequenos grupos sociais – sabemos, contudo, que as sessões de arte lotavam o Cine Diogo, que dispunha de 995 poltronas – porém, parte da juventude universitária e secundarista frequentou as sessões de cinema:

“O Cinema de Arte estava sendo um catalisador de pessoas e idéias, de convergência de interesses. Acontece a Casa Amarela e o Cinema de Arte do Center Um, cria do Clube de Cinema. Aí já é a migração da cidade, do centro para os bairros. Esvaziar a cidade, esparramada. Nós somos umas das poucas cidades do mundo que não temos referência do centro da cidade, que não vive o centro.” 
(Augusto César Costa, em entrevista concedida no dia 22 de abril de 2009).


 Casa Amarela - Arquivo O Povo

Center Um - Arquivo O Povo

O Cinema de Arte do Cine Diogo pulsou em Fortaleza até o ano de 1972. Neste ano, a 
programação de televisão já era comumente abordada nos jornais. Sua grade era divulgada e comentada e o cinema perdeu o espaço de crítica nas páginas jornalísticas, restando apenas a 
divulgação dos principais filmes que estavam sendo exibidos na cidade.


Cíntia Mapurunga
(recém-graduada em Comunicação Social, com habilitação 
em Jornalismo pela Universidade de Fortaleza)

 (13220 bytes)¹Os dados dessa história foram narrados por Augusto César Costa, mas aparece em 
várias lembranças dos cinéfilos da época. Augusto Pontes, publicitário, músico e pensador, funcionou como uma espécie de “guru” da geração dos anos 60. Faleceu no dia 15 de maio de 2009.

 (13220 bytes)² No final dos anos 60, tempo de ditadura militar, amantes de cinema, intelectuais e estudantes cultuavam “filmes de arte”, em sessões noturnas (22h30 e 0h30, às quintas, sextas e sábados), no Cine Paissandu, situado no bairro do Flamengo/Rio de Janeiro. Os frequentadores mais assíduos representavam o que passou a se chamar de 
Geração Paissandu”, superlotando fielmente a grande sala para, entre um e outro debate político, assistir, idolatrar e discutir filmes de diretores como Godard, Glauber Rocha, Bergman, o neo-realismo italiano, ViscontiAlain Resnais, Eisenstein, Bresson, Pasolini, entre quase todos os outros diretores de filmes alternativos. A 
Geração Paissandu era formada por estudantes, jornalistas e profissionais ligados às áreas artísticas e também por jovens advogados, bancários, químicos, comerciários e por qualquer pessoa com um mínimo de gosto pela arte e com certa necessidade de exprimir-se. Podemos dizer que nem todos eram os considerados cult, mas todos gostariam de o ser.

 (13220 bytes)³ O Cine Familiar também dedicava-se à exibição de filmes de arte, tendo surgido em 1966, sob iniciativa de Tarcísio Tavares e Maurílio Arraes, localizado no bairro de Otávio Bonfim. O Cine Familiar não se localizava, portanto, no “olho” das salas exibições cinematográficas fortalezenses, que era o centro da cidade. A imprensa retratava semanalmente as duas sessões de Cinema de Arte existentes em Fortaleza, a do Cine Diogo e a do Cine Familiar.

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Fonte: O culto ao Cinema de Arte na geração de sessenta em Fortaleza

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