sexta-feira, 31 de agosto de 2018
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quarta-feira, 29 de agosto de 2018
Bairro Benfica - Por Arlene Holanda (Parte II)
Cruzamento da Av. da Universidade com Av. Treze de Maio, anos 70. Podemos ver a reitoria da UFC e a fonte das sereias. |
Antigo portão da Reitoria da UFC. Arquivo Jards Nobre |
Sim, o Benfica ainda é o bairro universitário, embora nem mais quieto, nem mais bucólico, nem mais tranquilo, talvez nem mais tão alegre. Mangueiras testemunhas da glória dos Gentis teimam em resistir, sufocadas em meio ao asfalto. Cadeiras na calçada – comuns até o fim do século XX –, não vejo mais.
Estádio Presidente Vargas por volta de 1960. Acervo Marcos Siebra |
Avenida da Universidade - Benfica |
Parte I
Benfica / Arlene Holanda.- Fortaleza: Secultfor, 2015. (Coleção Pajeú)
domingo, 24 de junho de 2018
Igreja Nossa Senhora dos Remédios - Benfica
A igreja de Nossa Senhora dos Remédios de Fortaleza nasceu do sonho de João Antônio do Amaral, primeiro proprietário da chácara Benfica, que acabou por dar nome ao bairro surgido na localidade. O comerciante português já era devoto da Virgem dos Remédios, padroeira da paróquia da Ilha de São Miguel, pertencente ao Arquipélago dos Açores, onde este nasceu e foi batizado. Mas a construção do templo não seria concretizada a tempo deste João ver seu sonho realizado. Iniciadas em dezembro de 1878, as obras ressentiram-se da falta de recursos, talvez pela localidade não ser ainda muito povoada e, consequentemente, não contar com grande número de fiéis que pudessem colaborar com a empreitada. A capela só foi concluída 32 anos depois, em 1910, quando João Antônio do Amaral já havia falecido, sendo decisivos os esforços de sua esposa, Maria Correia do Amaral, que encampou o empreendimento do marido.
Igreja dos Remédios vista dos jardins da chácara de João Gentil, na Visconde de Cauipe, atual Avenida da Universidade. Registro provavelmente dos anos 30.
A construção do templo estimulou o povoamento do seu entorno, fenômeno comum na história dos municípios e bairros cearenses. No ano de 1927 foi entregue aos cuidados de padres da Ordem de São Lázaro. A então capela dos Remédios integrava a paróquia de Nossa Senhora do Carmo, cuja igreja matriz está localizada na Avenida Duque de Caxias, no Centro de Fortaleza. Em 1934 foi criada a Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios, sendo a capela elevada à condição de matriz. Permanecendo aos cuidados pastorais dos lazaristas, quase todos de nacionalidade alemã.
Loteria em favor das obras. |
De porte é elegante e refinado, tem estilo arquitetônico eclético – como a maioria dos edifícios integrantes do patrimônio histórico cearense – e referências neogóticas. A torre é única, incrustada na parte central da fachada. Guardada por quatro torres em miniatura, abriga sino e relógio, que até hoje marca as horas com seu soar dolente. A fachada ostenta nicho e frontão, encimados por torres menores nas extremidades. O patamar é relativamente amplo, com nível elevado em cerca de um metro em relação à avenida da Universidade. Nas últimas décadas do século XX, a igreja precisou ser protegida por grades de ferro. Os tempos de embate e consequente violência fez os templos fecharem as portas aos fiéis em determinados horários, contrariando o costume de estarem sempre de portas abertas aos necessitados do socorro divino.
Dentre o patrimônio artístico da igreja dos Remédios destacam-se os afrescos da cripta do templo, pintados por Gerson Faria (1889-1943). Representam cenas da paixão de Cristo. As pinturas de Faria chegaram a ser dadas como perdidas, mas foram recuperadas no ano de 2010, por iniciativa do padre Sílvio Mitoso, pároco dos Remédios à época. Segundo Gilmar de Carvalho, a obra foi fotografada e catalogada por ocasião de uma pesquisa documental sobre arte cearense coordenada pelo artista plástico Nilo Firmeza (Estrigas). Em entrevista concedida ao Jornal o Povo, Carvalho afirma que “Trata-se de uma obra valiosa, porque provém de um artista que conta com essas pinturas e é uma exceção para quem quer conhecer um pintor importante do Ceará”.
Edifícios, sinos, mosaicos, imagens, adornos, toalhas rendadas, arranjos de flores, incenso, mirra, ostensório... Do que é feito uma igreja? Que amálgama une diferentes pessoas em diferentes tempos em torno da fé surgida em torno da vida e obra do Jesus Cristo? Pelo que rezariam as senhoras da elite das décadas de 1930 e 1940? Que graças pediriam a Senhora dos Remédios? No entanto, o corpo de devotos não era formado só por pessoas da elite.
Segundo informação contida no site da Paróquia de Nossa Senhora dos Remédios, “Os padres Lazaristas esforçaram-se bastante para que os leigos participassem dos movimentos da paróquia e sempre houve grande preocupação com as camadas mais pobres dos paroquianos”. O primeiro vigário, Padre Guilherme Vaessen, notabilizou-se pela ação social no bairro durante o logo tempo em que esteve à frente da paróquia. Foram fundadas a Casa da Mãe Solteira e a escola Padre João Vaessen, destinada à educação de crianças pobres. O Padre Vaessen era caridoso, intercedia pelos fiéis em problemas cotidianos e encomendava sem cobrar nada as almas dos falecidos na “escolinha” da comunidade, que funcionava como um salão de velórios.
8 de setembro – Festejos da padroeira - Procissão, leilão e barraquinhas com venda de comidas típicas no patamar da igreja. Apesar das buzinas e barulhos inerentes ao burburinho urbano do Benfica, é possível ouvir as badaladas do sino dos Remédios. Parodiando Ernest Hemingway: por quem dobram esses sinos?
Benfica / Arlene Holanda.- Fortaleza: Secultfor, 2015. (Coleção Pajeú)
quarta-feira, 13 de junho de 2018
Bairro Benfica - Por Arlene Holanda
Acervo Assis Lima |
Grupo Escolar do Benfica em 1960 - Isabel Goulard |
Foto de 1976. Alunos deixando o então Colégio Paulo VI. Nesse local já funcionou o Matadouro Modelo. Em frente a lagoa do Taupe, aterrada para o surgimento do bairro Benfica. Acervo Lucas |
Com o nosso Benfica não foi diferente. Em Fortaleza Belle-Époque, o historiador Sebastião Rogério Ponte enfoca o processo do embelezamento da capital cearense, ocorrido a partir dos fins do século XIX, nos moldes das reformas do Rio de Janeiro e de outras cidades da época, por sua vez inspiradas no remodelamento de Paris, promovido por Haussmann entre 1852 e 1870.
Enriquecida com o comércio de algodão e cera de carnaúba, a cidade sofreu reformas que disciplinaram os espaços públicos: praças e passeios foram remodelados, surgiram equipamentos e prédios com arquitetura rebuscada onde predominavam elementos neoclássicos e art nouveau. Sobrados e casarões proliferaram nas outrora ruas Formosa, da Palma, da Amélia, das Trincheiras... No entanto, poucas décadas depois acabaria a lua de mel das elites com o Centro. Começa então a debandada para o Benfica, Jacarecanga, Aldeota, lugares considerados salubres e aprazíveis, longe da algazarra e da inconveniência dos mendigos, vendedores ambulantes, pedintes e outros tipos indesejáveis, segundo a ótica da elite fortalezense.Benfica - Avenida da Universidade. Acervo Assis Lima |
Notícias da Fortaleza antiga |
Notícias da Fortaleza antiga |
Bonde prefixo 126, Benfica, lotado em 1940. Acervo Lucas |
Igreja N. S. dos Remédios |
Cartão postal do Benfica no início do Seculo XX. Acervo Carlos Augusto Rocha Cruz |
Casa de cultura Francesa no Benfica. Acervo MAUC. Foto do início dos anos 60 |
Final da linha do Bonde do Benfica e o início da Avenida João Pessoa. Acervo Carlos Augusto |
Avenida da Universidade vendo-se ao longe o bonde Benfica |
Outras famílias da elite fortalezense da época também se fixaram e escolheram o bairro para fincar suas mansões. Mas nem só de glamour vivia o Benfica. Casas geminadas, bem mais modestas, iam preenchendo as ruas com suas portas avarandadas, janelas e gradis. Por vezes uma entrada lateral espremia um jardim singelo: pés de jasmim-de-leite, rosa-prata, boa-noite. Nos tacos de terrenos menos disputados, vulneráveis a alagamentos ou na beirada dos caminhos iam multiplicando-se casinhas modestas, amparadas umas nas outras em solidário cinturão de cores desmaiadas. Feirantes, lavadeiras, engraxates, cambistas, ambulantes vão demarcando seu lugar no bairro, criando enclaves, sítios, territórios alguns dos quais ainda sobrevivem.
Continua...
*A origem da toponímia do bairro português tem diferentes versões circulantes na tradição oral. Reconto aqui a do cronista Fernão Lopes, anotada no livro Crónica de El-Rei D. Pedro I: Maria Rousada vivia na aldeia de Benfica. Era casada, mas antes do matrimônio, o marido a “rousara” – termo correspondente a estuprara –, vindo daí o apelido “rousada”. Apesar da violência sofrida inicialmente, consta no relato de Fernão Lopes que Maria e o agressor, agora marido, viviam em harmonia – o casal e os vários filhos que tiveram. O crime de estupro, no entanto, era motivo de condenação à morte no Portugal da época. Mesmo tendo o agressor desposado sua vítima, não o isentava de tal punição. Mas como nunca tinha havido denúncia alguma, o marido de Maria ficara impune.Anos se passaram. O assunto era quase sepultado, quando um dia o Rei, em visita a aldeia, ao ouvir o nome da tal mulher ficou curioso e perguntou o motivo do apelido. Os aldeões contaram-lhe a história e imediatamente o soberano exigiu que a lei fosse cumprida, ordenando o enforcamento do esposo da Maria Rousada. A mulher e os filhos rogaram em vão por clemência. Chegado o dia da execução, foi grande a comoção de Maria e seus rebentos, carpindo dolorosamente em cortejo ao condenado. O chororô foi tanto que chocou alguns membros da comitiva real; chegaram a insinuar que o Rei teria sido rigoroso demais. Condoeram-se pela mulher, comentando o quanto ela ficara mal. O Rei não apreciou ser contestado (como todo rei), e em resposta disse: “BEM FICA!”. Arranjou um casamento para Maria Rousada e deu-lhe um dote considerável, de modo que ela e seus filhos “bem ficaram”. E a partir desse evento, o lugar passou a ser conhecido pelas palavras proferidas pelo soberano: “BEM FICA”.
Benfica / Arlene Holanda.- Fortaleza: Secultfor, 2015. (Coleção Pajeú)
domingo, 10 de junho de 2018
O Bom Jardim de José Mapurunga - Parte II
Na década de 50, com a expansão demográfica da cidade, Fortaleza ganhava a avenida Perimetral, obra do prefeito Cordeiro Neto, que hoje, em seu trajeto, tem várias denominações e margeia o Bom Jardim na altura do Posto Carioca. Cortando matas que iam do Mucuripe a Barra do Ceará, passando por Messejana, Mondubim, Siqueira e Barro Vermelho (atual Antônio Bezerra), a Perimetral, hoje indispensável, era duramente criticada por políticos e jornalistas de oposição, como obra dispendiosa e sem nenhuma utilidade. Estes a denominavam avenida das onças.
Nesse período, deu-se a compra acelerada de sítios e fazendas existentes nas áreas ainda rurais de Fortaleza, tendo em vista a instalação de loteamentos que atendessem a enorme demanda por moradias. Um estudo de caso do sociólogo Francisco Giovani Pimentel Moreira, focando o capital imobiliário e a produção urbana em Fortaleza entre 1950 e 1970, mostra que no período em foco três grandes imobiliárias praticamente monopolizavam o comércio de lotes nos arredores da cidade: A Imobiliária Waldir Diogo (Praia do Futuro), Grupo Empresarial Patriolino Ribeiro (atual Dionísio Torres e Água Fria) e o grupo comandado por João Gentil (Região do Grande Bom Jardim).
O trabalho de Giovani oferece informações sobre as compras de algumas propriedades que hoje compõem o território do Grande Bom Jardim, pela imobiliária comandada por João Gentil: a compra, em abril de 1957, da propriedade rural de aproximadamente 42 hectares, pertencente a Zeferino Oliveira de Araújo, que foi transformada no loteamento Parque Santo Amaro; a compra a Vicente Souza, em setembro de 1957, de propriedade rural de aproximadamente 08 hectares, que originou o loteamento São Vicente; a compra da Fazenda Bom Jardim, situada no distrito de Parangaba, com uma área de 250 hectares, adquirida do comerciante José Augusto Torres Portugal e transformada no loteamento Granja Portugal.
Na trajetória de seus investimentos imobiliários rumo ao sudoeste de Fortaleza, a imobiliária da família Gentil adquiriu, na segunda metade da década de 1940, os terrenos que deram origem ao loteamento que originou o bairro Pan Americano. Em seguida, em 1949, adquiriu o sítio de propriedade da família da escritora Rachel de Queiroz e implantou o loteamento Pici. Mais tarde, foi a vez do loteamento Bonsucesso. Mais ao sul do Bonsucesso, além das propriedades já citadas, outras foram adquiridas na década de 1950 e início da década de 1960, daí surgindo loteamentos com nomes comerciais, como Granja Bom Jardim, Parque Santa Cecília e Parque Santa Rosa. Tomamos conhecimento que, além de João Gentil, Ivan Carioca também loteou na área terrenos que integravam a fazenda de sua família que hoje compõem o território do Grande Bom Jardim.
Avenida João Pessoa |
Alma Sertaneja
Sobre os primeiros moradores do Bom Jardim, com base nas informações sobre a evolução demográfica de Fortaleza, podemos afirmar, com pouca possibilidade de erro, que eram sertanejos pobres que vieram para Fortaleza nos anos de 1950, uma década escassa de chuvas para as lavouras. Ou vieram diretamente do sertão para o loteamento ou tinham passado por outras periferias da cidade antes de adquirirem seus lotes. Eram, portanto, acostumados aos rigores de uma vida sem energia elétrica e água encanada. Chegavam para morar mais próximos das fábricas e de postos de trabalho inexistentes no sertão e que estavam relativamente perto do Bom Jardim, principalmente em Parangaba. Vinham, também, diretamente de sertões próximos e distantes, ou até mesmo de áreas rurais circunvizinhas, buscando um lugar no que adivinhavam ser futuramente parte da cidade. Tornavam-se, assim, quase pracianos, embora mantivessem a alma sertaneja ainda hoje latente na periferia de Fortaleza.
Em análise dos contratos de promessas de compra e venda dos loteamentos iniciais da área, feita por Francisco Giovani, a categoria ocupacional mais citada era a operária. Segundo o mesmo autor, a maioria dos que compraram terrenos tinha salário fixo, de modo que poderiam pagar as prestações do terreno. João Edmilson e Edgar, verdadeiramente podem ser incluídos entre os primeiros moradores do bairro.
Parte I
Fonte: Bom Jardim, José Mapurunga - Fortaleza: Secultfor, 2015 (Coleção Pajeú).
quarta-feira, 6 de junho de 2018
O Bom Jardim de José Mapurunga
Pelo começo da década de 1960, por algum motivo que não me recordo, pus, pela primeira vez, os pés no Bom Jardim. Provavelmente fui com meu pai, que nessa época gostava de comprar lotes de terra nos bairros que iam surgindo em Fortaleza. Eu devia ter uns oito ou nove anos, e as lembranças me chegam hoje como se fossem fragmentos de um sonho recente. Lembro-me de uma casinha de taipa, de um dia ensolarado, e que fiquei exausto depois de uma longa caminhada de ida e volta através de um carnaubal que parecia não ter fim. Lembro-me que a aparência do local contrariou minha expectativa infantil, que era a de um imenso jardim repleto de flores. Depois, mais ou menos em 1969, voltei ao Bom Jardim pela segunda vez com alguns jovens secundaristas do movimento estudantil para uma reunião na casa de um militante residente na área. Dessa época, as mesmas lembranças esparsas de um ambiente rural, pontilhado de casinhas.
Nos anos seguintes, passava ao lado, na ponte sobre o rio Siqueira, quando ia com minha família ou com amigos tomar banho na Cascatinha ou na Pirapora, em Maranguape. Ao olhar à direita, vendo a curvinha que saía da estrada e adentrava na rua Oscar Araripe, eu sentia que ali era a entrada de um mundo especial, algo fora do espaço da cidade onde eu morava e fora dos parâmetros do interior conhecidos por mim.
No início da década de 1980, como assessor da Federação de Bairros e Favelas de Fortaleza em um projeto de alfabetização pelo método Paulo Freire, fui algumas vezes ao Bom Jardim. Aí tive oportunidade de visitar pessoas, caminhar pelas ruas, participar de reuniões e conversar com lideranças comunitárias. Entre estas, dona Débora, uma senhora então quase octogenária, que nas décadas de 1930 e 1940 tinha sido uma destacada e perseguida militante do Partido Comunista Brasileiro. Ela residia em uma casa ladeada por amplo terreno, mais ou menos próxima da pista para Maranguape, atual Osório de Paiva. Escancarando um sorriso sincero, dona Débora nos recebeu, hospitaleira, servindo-nos café e biscoitos em uma longa reunião que tivemos à sombra das árvores do seu aprazível quintal.
As lembranças mais recentes evocam dias de 2008, quando cheguei ao Bom Jardim com o intuito de obter informações para um texto sobre circos que fazem temporadas pela periferia de Fortaleza. Assim, tomei conhecimento que três desses circos naquele momento estavam na área. Visitei um deles. Era um belo exemplo de grupo circense de parcos recursos, constituído por três gerações de uma mesma família, todos multifuncionais, ora atuando como malabaristas, ora contracenando com o palhaço, e fora de cena vendendo roletes de cana aos expectadores. São grupos circenses cujas tralhas são puxadas pelos bairros por Opalas da década de 1970, de poderosos motores. Provavelmente um raro lazer para os moradores da periferia, ao preço de um real a entrada. A lona estava armada no alto de um descampado de onde se avistava serranias de Maranguape, tão próximas e, ao mesmo tempo, inacessíveis.
Sobre a origem do bairro, sabe-se que remonta aos anos de 1961 e 1962, quando um empreendimento imobiliário dividiu uma área rural em lotes. Só isso bastou para que os terrenos começassem a ser vendidos. Foi quando a vasta área foi cortada por largas ruas de barro, que eram tomadas pelo mato no inverno, quando não por crateras provocadas pelas enxurradas. Ou por poças que dificultavam o trânsito de pessoas e dos poucos carros que iam ao bairro. Eram ruas abertas pela prefeitura, pois, conforme a legislação urbana da época, essa tarefa não cabia à imobiliária. Entre o loteamento e as áreas urbanas mais próximas, caso Parangaba, um mundo de matas pontilhados aqui e acolá por casas de sítios ou de fazendas.
Fortaleza, à época, era uma cidade onde os arranha-céus existentes se contavam com os dedos e orgulhavam seus habitantes. A capital cearense era ainda uma cidade onde as lojas, armarinhos e magazines se concentravam no centro e, assim como as muitas bodegas existentes nos bairros, fechavam na hora do almoço. Bairros como Montese, Itaoca, Quitandinha, Parque Americano, Urubu (atual Carlito Pamplona) eram subúrbios imersos em dias que transcorriam iguais, embalados por uma melancólica amplificadora com um repertório de tristonhas canções de amor. Esses bairros, embora não muito afastados do coração da cidade, eram distantes quanto ao padrão urbano em relação ao centro e seus arredores. Era aí que se concentravam cinemas, teatros, escolas, serviços de saúde e companhias imobiliárias, como a que deu origem ao Bom Jardim. Hábito comum entre os moradores dos subúrbios e do centro era colocar cadeiras na calçada e falar bem ou mal da vida alheia.
Um dado interessante é que, pelo censo de 1960, Fortaleza possuía cerca de 500 mil habitantes. No censo de 1950, tinha cerca de 270 mil habitantes. Em dez anos, portanto, quase que dobrou sua população. Esse rápido crescimento demográfico foi empurrado pelos anos secos da década de 1950, o que levou um número significativo de sertanejos a correr para Fortaleza. Foi época de grandes empreendimentos imobiliários para alojar tanta gente vinda do interior. No Bairro de Fátima, avenida Bezerra de Menezes e na Aldeota lotes iam sendo vendidos aos mais ricos, então desiludidos com o interior e atraídos pelo que a cidade grande podia oferecer: universidade para os filhos (a UFC foi criada nesse tempo), clubes elegantes, cinemas luxuosos, além da aproximação física com o poder político. Já o enorme contingente de pobres mais pobres, movido pela necessidade de sobreviver, ia ocupando terrenos na Colônia, Floresta, Ububu, Casas Populares (atual Henrique Jorge), Pan Americano, Pici, Bonsucesso.
Aí está, portanto, o motivo do loteamento que deu origem ao bairro do Bom Jardim, que começou com um empreendimento imobiliário da família Frota Gentil, destinado aos sertanejos pobres que trocavam a agricultura pelo trabalho na indústria e em outras atividades urbanas. Gente que se transferia para Fortaleza na década de 1950 e gente que continuava a chegar às décadas seguintes.
Fonte: Bom Jardim, José Mapurunga - Fortaleza: Secultfor, 2015 (Coleção Pajeú).
quarta-feira, 9 de maio de 2018
Lavadeiras do Pici
Praça da Parangaba e a Lagoa. Acervo Assis Lima |
Início de 1941. Vila Marupiara, hoje Demócrito Rocha, e áreas vizinhas testemunharam grandes mudanças no viver rotineiro de suas populações. Dava-se a construção da Base Aérea do Pici ou Pici Field, aeródromo da Marinha dos Estados Unidos (US Navy).
Fez-se a pavimentação asfáltica do trecho entre a Avenida João Pessoa e o portão de entrada da unidade militar (atual Avenida Carneiro de Mendonça).
O consumo de água, dado o empreendimento, exigiu escavação de muitos poços artesianos no local das obras e, até, na Lagoa de Parangaba.
Avenida João Pessoa 1919. Foto O. Justa |
Dos acontecimentos, o marcante deu-se no modo vivencial dos residentes. Ouviram língua desconhecida. Viram veículos estranhos. Conheceram homens diferentes. Receberam um dinheiro esquisito. Tudo se tornou surpreendente e, por vezes, gerador de desconfianças. Mas, o tempo, devagar e sempre, arrumou direitinho as coisas e a vida.
Dona Maria do Chicão, lavadeira de nossa casa, contava que a mãe “lavava e engomava para uns soldados. Aprendeu o bodejado deles, ganhou muito, comprou terreno e construiu morada.”.
Bar Avião. Arquivo Nirez |
O pai, mecânico, era tarefeiro. Bebia uísque, fumava cigarros Camel e trocava dólar no Bar Avião, quando recebia.
Dizia que, foi não foi, uma moça ia a um baile e voltava “Coca-Cola”.
Geraldo Duarte
(advogado, administrador e dicionarista).
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