Fortaleza Nobre | Resgatando a Fortaleza antiga
Fortaleza, uma cidade em TrAnSfOrMaÇãO!!!


Blog sobre essa linda cidade, com suas praias maravilhosas, seu povo acolhedor e seus bairros históricos.

quarta-feira, 6 de outubro de 2021

As atividades de lazer em Fortaleza na época da Belle Époque ´Parte III

 

As praças, os cafés e os bondes


A transição do século XIX para o século XX trouxe consigo mais inovações e equipamentos de lazer para Fortaleza, embora alguns já existissem como é o caso do Passeio Público, mas além dele a capital dispunha de:

Praças remodeladas, jardins públicos, ruas alinhadas com bondes, transeuntes, sobrados e estabelecimentos comerciais, Passeio Público e Parque da Liberdade e seus elegantes frequentadores, Estação Central Ferroviária, mansões e fachadas art noveu, cafés, templos, escolas, portos, praias, lagos, etc. (PONTE, 2010, p.141).

Em outras palavras, um conjunto de equipamentos que representavam o lazer e cotidiano dos habitantes. Dentre estas inovações estavam a remodelação das três principais praças da cidade – a do Ferreira, Marquês de Herval (atual José de Alencar) e a da Sé, entre os anos de 1902 e 1903, receberam amplos e vistosos jardins com gradil, recheados de estatuas de inspiração clássica, canteiros de flores e plantas ornamentais, coretos, longos bancos, chafarizes e vasos importados.

Praça do Ferreira e seu jardim no início do século XX, resultado da primeira urbanização da praça. O Jardim 7 de Setembro foi inaugurado em 1902, por obra do intendente Guilherme Rocha.Era rodeado por grades, muito arborizado e florido, um lugar construído para a prática de atividades ao ar livre ou para passeios ao entardecer.

Pontes faz uma menção de como ficaram as três praças depois de sua remodelação comparando-as como réplicas do Passeio Público:

Para se ter uma ideia, os jardins eram como réplicas em menor proporção do Passeio Público encravadas, no centro daquelas praças. Isto é: além do próprio Passeio Público, a cidade agora tinha, em seus três principais logradouros, ilhas paradisíacas e seguras, onde os citadinos mais distintos pudessem se sentir como se estivessem em Paris, enquanto assistiam ao espetáculo do movimento urbano desenrolar-se em torno. (PONTE, 2007, p.181).

Segundo o historiador Ponte, a remodelação das praças teve também como intuito não só o embelezamento da cidade, mas criar um espaço de utilização pública onde a população, principalmente as crianças e os jovens pudessem praticar exercícios e atividades esportivas ao ar livre. (PONTE, 2010).

Isto se devia ao fato de que naquele momento a pratica de esportes estava começando a ser adotada pela sociedade e esta prática representava a saúde que as medidas saneadoras tanto buscavam alcançar.

A Praça do Ferreira, um dos logradouros referenciais da cidade até os dias de hoje era a principal área do comércio local, conhecida também como o coração da cidade, foi palco para a construção dos quatro cafés mais elegantes da cidade – O Java, o Comércio, o Elegante e o Iracema, todos construídos em estilo chalet francês, localizados nos quatro cantos da praça.

Café Java - Acervo Lucas

Foi no Café Java, o preferido da boemia e dos intelectuais jovens, que surgiu a ideia da criação de uma agremiação literária, conhecida como Padaria Espiritual, que se destacou pela sua inovação e irreverência. Este local foi ponto de encontro dos escritores Antônio Sales que foi o fundador da agremiação, Adolfo Caminha e Rodolfo Teófilo. (CORDEIRO, 2007).

Segundo Ponte “Boêmios e janotas deviam sentir-se como que em Paris enquanto sentavam nas mesas ao ar livre desses cafés e contemplavam fascinados o belo jardim no centro da praça” (PONTE, 2009, p.75).

Nas figuras abaixo, imagens dos quiosques do Café Comércio, Elegante e do Café Iracema respectivamente.

Café do Comércio

Café Elegante em 1908

Café Iracema em 1910. 

Nas palavras de Adolfo Caminha, no romance A Normalista o autor faz a seguinte afirmação:

[O]s cafés conviveram romântica e harmoniosamente com o pouco e lento movimento de cabriolets e bondes puxados a burro em torno da Praça, mas já não se coadunavam com o agitado séquito de pedestres, automóveis, bondes elétricos e caminhões dos frenéticos anos 20. (PONTE, 2010, p.65).


Loja Torre Eiffel.
Arquivo Nirez

Era nas praças que a sociedade se reunia para encontros nos bancos, um bate papo com os amigos e conhecidos, para admirar as vitrines das lojas que por sua vez tinham nomes franceses ou pelo simples fato de passar o tempo e imaginar-se na Europa.

Se a Praça do Ferreira passou por reformas no inicio do século XX, o mesmo ocorreu com a então Praça Marques de Herval, atualmente Praça José de Alencar, conforme afirma Silva e Filho (2004):

Em 1903, a praça é reformada na gestão do intendente municipal Guilherme Rocha, e ganha um belo jardim ornado de bancos, vasos, colunas, estatuaria, iluminação a gás e um coreto. Como preito ao chefe da oligarquia local, passa a chamar-se Jardim Nogueira Acioly. (SILVA E FILHO, 2004, p. 54).

Em seguida, alguns anos depois entra em cena na reforma da Praça Marques de Herval (Ponte, 2010) um novo equipamento que proporcionou encanto e impressionou a população, o Theatro José de Alencar.

O Theatro era a maior obra arquitetônica de Fortaleza de então e densa de significados artísticos e culturais. Era considerado um dos mais belos do país, sua estrutura toda metálica em estilo art noveau, ficou a cargo da empresa escocesa Walter McFarlane & Co., o teatro representava progresso e era símbolo da modernidade que se instalara na capital, até os oposicionistas do então presidente do Ceará, Nogueira Accioly, “tiveram que reconhecer a beleza da nova casa de espetáculos [...]”. (PONTE, 2007, p.181).

Estes logradouros tiveram um grande papel na representação daqueles belos tempos, porém quando este período entra em decadência na década de 20, na gestão do prefeito Godofredo Maciel, os jardins e os cafés tiveram que ser demolidos para que as ruas pudessem ser ampliadas e o espaço urbano remodelado novamente para dá passagem aos automóveis e demais equipamentos.


Parte I

Parte II


Crédito: Artigo 'As atividades de lazer na Fortaleza Belle Époque' de Kamylla Barboza Evaristo


sábado, 2 de outubro de 2021

Mulheres da borracha – Núcleo do Porangabussu

Composição com recortes fotográficos. Foto Aba-Film, Fortaleza, 1943.
Foto: Acervo MAUC - UFC.

“Fumar e chorar eram os meus únicos confortos desde que você foi embora”

Era assim que D. Elcídia Galvão se queixava em carta escrita ao marido, soldado da borracha, sobre a proibição de fumar imposta no Núcleo de Famílias do Porangabussu (atual Rodolfo Teófilo).

Os milhares de trabalhadores nordestinos recrutados para trabalhar na região amazônica na extração da borracha, em 1943, assinaram um contrato de encaminhamento. Neste, eles poderiam optar pela assistência que o Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia, SEMTA, oferecia para suas famílias que ficavam no nordeste. Muitas mulheres e filhos desses trabalhadores permaneceram em hospedarias improvisadas, chamadas de “Núcleos” esperando o momento em que iriam novamente reunir suas famílias, como foi o caso do Núcleo de Famílias do Porangabussu.

Sede do SEMTA, Foto Aba-Film, Fortaleza, 1943.
Foto: Acervo MAUC - UFC.

Longe dos maridos, entre pessoas estranhas e tendo que seguir normas específicas, estas mulheres escreveram cartas a seus esposos. Cartas contando sobre angústias sofridas, revelando saudades e desejos, pressionando o retorno dos seus maridos e com várias queixas, como é o caso da carta de D. Elcídia, a qual denuncia a proibição de fumo dentro do núcleo, feita pelo médico responsável e a perda de um de seus únicos consolos.

Cine Diogo. Foto Aba-Film, Fortaleza, 1943.
Foto: Acervo MAUC - UFC.

O Serviço Especial de Mobilização de Trabalhadores para a Amazônia - Semta foi um órgão brasileiro criado em 1943, como parte dos Acordos de Washington, tinha como finalidade principal o alistamento compulsório, treinamento e transporte de nordestinos para a extração da borracha na Amazônia, com o intuito de fornecer matéria-prima para os aliados da II Guerra Mundial.

O Semta fazia parte do Departamento Nacional de Imigração (DNI), do governo de Getúlio Vargas. Era financiado por um fundo especial da Rubber Development Corporation, um fundo criado com o selamento dos Acordos de Washington.

Cine Diogo. Foto Aba-Film, Fortaleza, 1943.
Foto: Acervo MAUC - UFC.

Tinha como objetivo principal o recrutamento, encaminhamento, colocação e à assistência de trabalhadores (e famílias destes) nos seringais da região Amazônica.

Sediado no nordeste, em Fortaleza, funcionou no Palácio do Comércio a sua sede administrativa. Já os campos de alojamento ficavam no Prado (atualmente Benfica) e no Alagadiço (atualmente São Gerardo). 

Já para as mulheres e famílias dos homens casados, existia um alojamento que ficava no Porangabussu, local da construção do antigo Hospital das Clínicas, hoje Hospital Universitário Walter Cantídio.

Cine Diogo. Foto Aba-Film, Fortaleza, 1943.
Foto: Acervo MAUC - UFC.

O Ceará foi escolhido como centro operacional deste serviço por diversas razões. Entre elas: A safra agrícola cearense de 1942/43 estava perdida devida a seca de 1942/43.

O governo Vargas e o governo estadual temiam manifestações em massa da população do interior cearense, como a Invasão de Flagelados na seca de 1915, ou o movimento político-social-religioso do Caldeirão de Santa Cruz do Deserto da década de 30, bem como a reimplantação da trágica estratégia dos Campos de Concentração no Ceará (mais conhecidos como Os Currais do Governo) de 1932/1933.

Praça José de Alencar - Saída de um comboio para Amazonas em 1943. Acervo Ivan Gondim

Os cearenses se adaptariam melhor com a população local do Norte e com os índios, pelo fato de um grande contingente de cearenses já havia imigrado para a Amazônia no Primeiro Ciclo Econômico da Borracha (final do século XIX e começo do século XX), e o fato de que a população cearense teve quase nada da influência da cultura da escravidão (diga-se, racialismo integralista que via nos mamelucos do interior cearense maiores similaridades com os mamelucos e nativos da Amazônia ocidental, ao contrário de outros lugares do Nordeste e mesmo do Sudeste também).

Os soldados da borracha ao lado do Teatro José de Alencar. Assis Lima

Segundo o historiador Frederico de Castro Neves, tudo parece crer que a política de migração para o Norte foi uma estratégia governamental para desafogar os equipamentos urbanos da enorme pressão exercida pelos milhares de retirantes sem teto, sem alimento, sem saúde. Nesse aspecto, a migração se mostrava como uma forma de apaziguar os problemas causados pela seca no Nordeste, além de se constituir como outra forma de exploração da mão-de-obra retirante.

Dessa forma, para recrutar mão-de-obra e transportá-la para os seringais, a CME institui o SEMTA. Ele não estava ligado diretamente nem ao Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio nem ao Ministério da Agricultura, funcionou durante 12 meses, dirigido por Paulo Assis Ribeiro, engenheiro e geógrafo, e em 14 de setembro de 1943 foi substituído pelo CAETA (Comissão Administrativa de Encaminhamento de Trabalhadores para a Amazônia).


Caminhões do SEMTA estacionados na Praça José de Alencar em 1943. Detalhe para a Igreja do Patrocínio e o antigo edifício da Fênix Caixeiral. Arquivo Assis.

Experiências de migração entre o Nordeste e Norte podem ser bastante observadas mesmo antes da Segunda Guerra Mundial. Porém, o SEMTA era um serviço especial sob o formato administrativo do Estado Novo inaugura um novo discurso de migração, a mobilização dos trabalhadores para outro front da guerra, os seringais.

Continua...


Fonte: Rodolfo Teófilo/Leila Nobre - Fortaleza: Secultfor, 2016. (Coleção Pajeú)


sexta-feira, 1 de outubro de 2021

O histórico Mondubim


No final do século XIX, na recém-inaugurada Estrada de Ferro de Baturité, a “Maria Fumaça” passa próxima às margens da lagoa do Mondubim e traz consigo pessoas, mercadorias, comércio e desenvolvimento à região com o mesmo nome. 

Primeira viagem do Trem Turístico do Ceará. O maquinista Vicente e o auxiliar Dario posam ao lado da velha "Maria Fumaça" de Baturité. Acervo O Povo.

Primeira Estação do bairro

Praça Venefrido Melo, a praça do Mondubim
em 1937. Arquivo Nirez
A lagoa do Mondubim, principal atração do bairro, faz parte da bacia do Rio Ceará, onde os índios habitantes do local pescavam e caçavam. Ao lado da Lagoa foi construído uma capela e depois, no centro da então vila, a Igreja de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, em 1908, e em frente a igreja, um chafariz. Em 1875, foi construído a estação de trem da Estrada de Ferro de Baturité, o que estimulou a economia desta localidade que ficou baseada em orlarias. Infelizmente, a primeira estação de trem do bairro já foi demolida.

Mondubim. Arquivo Assis Lima

O Mondubim, de acordo com o turismólogo Gerson Linhares, já constava em mapas antigos de Fortaleza, utilizados por portugueses após a expulsão dos holandeses do Ceará. 

O Mondubim Velho, como é conhecido o núcleo original do bairro, apresentava disposição espacias simples, de cidade interiorana, com um canteiro (Praça Venefrido Melo) no centro e habitações ao seu redor. No início, a região era ocupada por chácaras e fazendas.Este desenho foi alterado nos anos 1970 do século XX, quando as duas ruas ao lado do canteiro foram usada como vias da Av. Perimentral.

De acordo com o IBGE, Mondubim é um distrito de Fortaleza, criado em 04 de dezembro de 1933*, pelo Decreto Estadual n.º 1.156.



O jornal O POVO, de 1948, traçava o perfil de um bairro para “aonde levávamos em veraneio a família e cujos ares devem ter a mesma tonicidade daquela frutinha oleaginosa que, no Piauí e outros estados no Norte, se chama mudubim e é, ao final das contas, o amendoim baiano...” O texto também descreve um bairro de “climas estáveis e das temperaturas que acomodam a própria alma”.

Interessante salientar que, foi nas proximidades da linha férrea, que foram erguidas as mais antigas construções do bairro.


o Núcleo Central do bairro fica entre os trilhos do Metrofor e o conhecido “balão do Mondubim” - localizado no cruzamento das avenidas Wenefrido Melo (Perimetral) e Godofredo Maciel.


Mondubim nos anos 50. Acervo Carlos Juaçaba

É nesse perímetro que está localizada a capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro. Antes, possuía uma bela praça em frente a entrada principal. “Eu relembrarei o pátio gramado da igreja, verde o ano inteiro, que vinha do patamar, pregueado de degraus solícitos e se estendia molemente para as bordas da linha-férrea”, descreve Mário Sobreira de Andrade no texto Velho Mondubim, publicado na seção Literatura de ontem e de hoje, em 1944.

Conjunto Mondubim financiado pelo IAPC - Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Comerciários, em 1955. Na época, os comerciários de Fortaleza associados aos sindicatos vinculados ao IAPC, desde os estudos preliminares, se mostraram contra a localização do Conjunto em área tão distante do centro comercial, tida em meados de 1950, como zona rural. Localização: Avenida Presidente Costa e Silva, 1807. Acervo William Beuttenmuller


Em 2001, a antiga igrejinha perde o posto para a nova matriz, mais ampla e batizada com o mesmo nome. Porém, o templo mais antigo do bairro é a Capela de Santo Antônio, construída em 1879 e, hoje, localizada ao lado do Cuca do Mondubim.

Aos poucos, o bairro foi crescendo... 


Noticias do Mondubim do passado:




*De acordo com o livro Cronologia Ilustrada de Fortaleza, de Miguel Ângelo de Azevedo (Nirez), o Mondubim é elevado a condição de distrito em 1951 e a sub-prefeitura é instalada em 1957.


Fonte: O Povo/ Cronologia Ilustrada de Fortaleza / Hemeroteca Digital Brasileira.


domingo, 12 de setembro de 2021

As atividades de lazer em Fortaleza na época da Belle Époque - Parte II


Passeio Público - Álbum vistas do Ceará de 1908.

A Belle Époque mudou o cotidiano e os hábitos dos fortalezenses no final do século XIX e isso representou um novo modo de lazer inspirados também nos modelos europeus, mais especificamente Paris que era a capital modelo.

Em 1880, é inaugurado o Passeio Público na então Praça dos Mártires,

O Passeio Público, por sua vez, surgiu para satisfazer o desejo por uma área exclusiva de lazer público que Fortaleza carecia e outras grandes cidades brasileiras já possuíam. Deveria ser um espaço florido, arejado, reservado apenas para fruição daqueles “belos tempos”[...]. (PONTE, 2007, p.170).

Passeio Público - Álbum vistas do Ceará de 1908.

Neste momento, o Passeio Público torna-se “obrigatório no cotidiano da vida fortalezense” (CORDEIRO, 2007, p.138). Isso porque foi um equipamento construído para representar este período e o afrancesamento da cidade, nas palavras de Sebastião Ponte, “um éden a servir de passarela para o desfile de elegantes e palco para o exercício de uma sociabilidade europeizada”. (PONTE, 2009, p.73)

Como afirma o autor Silva e Filho em seu livro Fortaleza imagens da cidade, o Passeio Público representava “indícios da influência europeia nas formas de lazer e interação social de Fortaleza”.

Ainda seguindo esta afirmativa, de acordo com Ponte (2010):

Localizado no perímetro central e com ampla vista para o mar, o Passeio tornou-se de pronto a principal área de lazer e sociabilidade, até que despontassem outras tentadoras opções a partir do século XX, como o Theatro José de Alencar (1910) e os cine Majestic e Moderno (1917 e 1921, respectivamente). 


Passeio Público - Álbum vistas do Ceará de 1908.

De fato o logradouro era a principal referencia de lazer da cidade naqueles anos, afirmação que pode ser confirmada pelo autor Oliveira Paiva, que faz referencias ao lazer no romance A Afilhada mencionando as “novenas na Prainha e a ida ao Passeio Público” (OLIVEIRA PAIVA apud CORDEIRO, 2007, p.138).

Casal Zé de Góes e Beatriz
no Passeio Público em 1928.
Acervo Sérgio Roberto

Naqueles últimos anos do século XIX, a cidade tinha ganhado a iluminação a gás, sinônimo de progresso e modernização que nas palavras de Raimundo Menezes até “os mais letrados achavam que aquilo era um enorme surto de progresso para a nossa capital, que marchava, a passos largos, na retaguarda das grandes cidades do país” [...]. (MENEZES apud, SILVA E FILHO, 2004, p.90).

Chama-se atenção para o fato de a iluminação a gás ter sido de grande importância para iluminar os principais logradouros da cidade, principalmente o Passeio Público, considerado a mais elegante área de lazer urbano do período. 

A influência do passeio público pode ser percebida no romance A Normalista de Adolfo Caminha, o autor faz algumas menções do logradouro e numa delas ele afirma:

Toda uma geração nascente, ávida de emoções, cansada d’uma vida sedentária e monótona, ia espairecer no Passeio Público aos domingos e quintas-feiras, gratuitamente, sem ter que pagar dez tostões por uma entrada, como no teatro e no circo. [...]. 

Apenas quem não tivesse dois vinténs estava proibido de sentar-se, porque nesses dias, as cadeiras eram alugadas, havia assinaturas baratas. (CAMINHA, 1997, p.89).

Passeio Público em 1893. Vemos os membros de uma expedição científica britânica da Royal Astronomical Society. Acervo Carlos Augusto

O autor Sebastião Ponte também faz menção a esta particularidade do passeio, quando afirma que este era uma:

Atração imperdível às quintas e domingos, o Passeio lotava-se de gente elegante para mostrar as últimas modas chegadas do dernierbateau (último navio) vindo da Europa. A banda municipal embalava os namoros, os flertes e o borboletear de um lado para o outro dos passantes.(PONTE, 2007,p. 170).

Foto de 1908 do Passeio Público - Avenida Caio Prado.

A propósito, tamanha era a influência do Passeio Público no lazer da cidade, que logo cedo se tornou um dos mais conhecidos cartões postais de Fortaleza.

Foi no Passeio que se desenvolveram atividades como o footing (passeio a pé), o meeting (encontro entre pessoas) e flert (flerte, paquera), aliás não só estas atividades mas também as atividades esportivas tinham prática assegurada nas dependências do logradouro, especialmente a patinação (graças à construção de uma pista adequada, o skating- rink) e corridas de bicicletas. 

Pista de patinação construída no Passeio Público durante a administração do Major Tibúrcio Cavalcante.

No entanto, apesar de o Passeio Público representar o ponto de encontro da sociedade de Fortaleza e local para prática de suas atividades de lazer, o logradouro deixava claro que havia ali uma separação entre classes. O Passeio possuía três planos, sendo que o primeiro plano, o mais embelezado ficou como palco para deleite das elites, enquanto o segundo e o terceiro (menos aformoseados) foram ocupados, respectivamente pelas camadas médias e populares. 

Estamos em 1962/1964, vendo-se o 2º plano do Passeio Público ainda não ocupado pelo Quartel da 10ª RM. Acervo Iphan

Ao fundo vemos o anexo da Sefaz em construção-Iphan

Embora destinado ao lazer, o Passeio mantinha normas que disciplinavam seus frequentadores, como a exigência de belos trajes e boas maneiras. Sua própria constituição espacial significa um permanente exercício de discriminação simbólica, pois as diferentes classes sociais ocupavam planos separados no jardim. 

Esta divisão do Passeio se dava por meio das alamedas, denominadas avenidas, eram elas: Caio Prado, Carapinima e Mororó. A primeira, Avenida Caio Prado, ficava de frente para o mar, era o lado das elites, já a Avenida Carapinima ficava de frente para a Santa Casa enquanto que ultima era mais próxima do calçamento da Rua João Moreira.

Passeio Público - Álbum vistas do Ceará de 1908.

No romance A Normalista o autor chama a atenção para esta divisão das avenidas em alguns trechos do livro e também descreve um pouco do cotidiano das três. Um destes trechos diz o seguinte em relação a Avenida Caio Prado:

A avenida Caio Prado tinha o aspecto fantástico d’um terraço oriental onde passeassem princesas e odaliscas sob um céu de prata polido, com sua filas de combustores azuis, encarnados e verdes, com suas esfinges... Senhoras de braço dado, em toillettes garridas, iam e vinham no macadame, arrastando os pés, ao compasso da música, conversando alto, entrechocando-se, numa promiscuidade interessante de cores, que tinham reflexos vivos ao luar. D’um lado ed’outro da avenida estendiam-se duas alas de cadeiras ocupadas por gente de ambos os sexos, na maior parte curiosos que assistiam tranquilamente ao vaivém continuo dos passeantes. (CAMINHA, 1997, p.86).

Quanto a Avenida Carapinima o autor faz a seguinte descrição:

E dirigiram-se para a avenida Carapinima, ensombrada pelos castanheiros, que formavam uma como abobada compacta de ramagens através da qual o luar coava-se aqui e ali, pelas clareiras.

Puseram-se por ali a esperar, em pé defronte dos gnomos de louça, à beira dos reservatórios d’água onde cruzavam gansos e marrequinhas vadias que grasnavam alegremente inundadas de luar ou, caminhando devagar, iam contando os minutos, enquanto a música, no coreto, executava trechos alegres de operetas em voga. (CAMINHA, 1997, p.88).

Passeio Público - Avenida Mororó. Álbum Vistas do Ceará em 1908.

Já a última alameda, denominada Avenida Mororó o autor confirma que esta era destinada as camadas mais populares:

Na Mororó, mais larga que as outras, havia uma promiscuidade franca de raparigas de todas as classes: criadinhas morenas e rechonchudas, com os seus vestidos brancos de ver a Deus, de avental, conduzindo crianças, filhas de famílias pobres em trajes domingueiros, muito alegres na sua encantadora obscuridade; mulheres de vida livre sacudindo os quadris descarnados, com ademanes característicos, perseguidas por uma troça de sujeitos pulhas que se punham a lhes dizer gracinhas insulsas. (CAMINHA, 1997, p. 88).

Passeio Público - Avenida Padre Mororó em 1925.

Enfim, apesar de toda esta segregação de classes o Passeio foi durante muito tempo o logradouro referencia do lazer e sociabilidade de todas as classes até os anos 30, até que começou a sofrer concorrência de outras atrações como o cinema, os clubes e os banhos de mar. Mas é impossível deixar de reconhecer a importância que este logradouro teve por muitos anos na capital e que este foi símbolo da Belle Époque, construído exclusivamente para representar este período.

Continua...


Veja a Parte I AQUI

Parte III


Crédito: Artigo 'As atividades de lazer na Fortaleza Belle Époque' de Kamylla Barboza Evaristo

sexta-feira, 13 de agosto de 2021

As atividades de lazer em Fortaleza na época da Belle Époque ´Parte I

 

Lagoa do Garrote no Parque da Liberdade. Arquivo Nirez

Em 1865 e 1870, entra em cena um novo código de posturas de Fortaleza, estes tinham por objetivo prever normas disciplinares a população e impor medidas saneadoras, principalmente aos mais pobres, que era vistos como os agentes insalubres da cidade.

O código de 1870, era um instrumento de disciplina e permitia vislumbrar os efeitos limitados da remodelação espacial no controle das condutas.

Algumas medidas que o código impôs foram mencionadas por Campos, no código de 1865, além de mencionar “alinhamento, limpeza, desempachamento das ruas, praças”, traz também disciplinarização de “os curtumes, salgadeiras, estabelecimento de fabricas, depósitos, manufacturas, e tudo quanto possa alterar a salubridade pública”. (CAMPOS COSTA, 2002 p.67).


Lagoa do Garrote nos anos 30

Além disso, o código de 1870 trazia um artigo com o título: “Medidas Preventivas”, que mencionava sobre “bulhas, vozerias obscenidades e ofensas a moral” e proibia as pessoas de se banharem a luz do dia na lagoa do Garrote ou no Pajeú, por exemplo, ou outros lugares expostos sob pena de punição.

De fato, afastar os pobres era o principal objetivo das elites, pois estas os viam como:

Ignorantes, sujos doentes e perigosos e por isso os discriminavam. Os ricos achavam que a população pobre enfeava o embelezamento e a modernização que estavam realizando em Fortaleza para o próprio bem estar, lazer e cultura. Aos pobres era dificultado o acesso aos melhoramentos implementados nas cidades naquele período. (SOUZA; PONTE; LOPES, 2007, p.80).


Riacho Pajeú - Acervo O Povo

É exatamente neste cenário que o afrancesamento invade totalmente a cidade e muda completamente o cotidiano de seus habitantes...

Como outras cidades que se desejavam civilizadas, Fortaleza tinha Paris como referencia de modernidade. Assim, a capital foi arrebatada por uma febre de afrancesamento. Ser moderno era acompanhar as modas vindas de Paris, usar expressões em francês, abrir lojas com nomes franceses [...]. (PONTE, 2009, p.76)

Era comum que as pessoas usassem expressões em francês para se cumprimentarem, as lojas tinham nomes franceses, as roupas eram totalmente inspiradas na moda francesa. Um fato curioso chama a atenção para esta onda de afrancesamento na cidade. Havia no centro da cidade um quiosque de vender garapa de cana-de-açúcar. Seu dono era conhecido como Bembém Garapeira, famoso por sua irreverência e humor. Com o afrancesamento da cidade por todos os lados, de tanto ouvir falar na França, Bembém resolveu ir até lá e conferir de pertinho o porque de todo aquele alvoroço em Fortaleza. Juntou dinheiro e viajou até Paris. O relato mais famoso da viagem de Bembém foi feitor por Otacílio de Azevedo e diz o seguinte:

Bembém foi e voltou radiante. Lamentava apenas ter ido tarde, não podendo assistir à decapitação de Maria Antonieta... “Aquilo é que é cidade! Dizia entusiasmado – No hotel onde me hospedei todo mundo falando fui obrigado a escrever meu nome. Como a língua era outra, escrevi:’ BienBien’ e, mais embaixo: ‘Garapiére’. E completava: ‘Olhe, lá eu só andava com um homem chamado Cicerone, que sabia português como eu. Terra adiantada aquela: todo mundo falando francês, até mesmo os carregadores Chapeados, as mulheres do povo e as crianças! ‘Bembém não se cansava de falar da França e completava declarando que lá, a única palavra que ouvira em português fora ‘mercibocu’... A conselho de um intelectual ‘perverso’, mandou imprimir um cartão para distribuir com amigos e fregueses: BIEN – BIEN – GARAPIÉRE – Fortaleza – Ceará. (AZEVEDO apud PONTE, 2010, p.156).


Registro de 1907, da antiga Praça José de Alencar, com a Garapeira do Bembém e o Mercado de Ferro. Hoje é a conhecida Praça dos correios (Praça Waldemar Falcão).

No Rio de Janeiro o aformoseamento e embelezamento dos logradouros fez com que o governo tomasse como medida o Bota- Abaixo, expulsando os pobres dos cortiços, que em seguida foram demolidos. Esta medida foi vista como símbolo de civilização, e em todos os cantos circulava a manchete “o Rio civiliza-se”, este fato em Fortaleza é semelhante com as construções dos Asilos da Mendicidade e da Parangaba, para abrigar mendigos, refugiados, loucos e outras figuras que representassem insalubridade a cidade e pudessem afastá-los do perímetro central, que agora estava reservado ao desfrute das elites que começavam a criar o hábito de sair de casa. Com isso pretendia-se manter os pobres sob o olhar vigilante da repressão, e em 1925, era publicado um artigo na revista Jandaia com o título “Fortaleza civiliza-se”.

As duas cidades por terem climas quentes, também foram cenários para o desfile de trajes que foram criados para serem usados na Europa, mas mesmo tendo que encarar o calor, a elite o fazia com classe não importando o desconforto que sentiam.

Tanto Rio como Fortaleza possuíam Passeio Público, embora na fala de José Pereira, um dos personagens de A Normalista, o dos cariocas não se comparava ao da capital cearense em beleza, e afirmava: “O Passeio Público? dizia ele; o Passeio Público é um dos mais belos do Brasil e a coisa mais bem feita que o Ceará possui. Que vista, [..] Nem o Passeio Público do Rio de Janeiro!”.(CAMINHA, 1997, p.89).

Outro fato bem semelhante foi os surtos da epidemia de varíola que contaminaram as cidades, no Rio de Janeiro chegou-se ao impressionante índice de 52/1000 mortes enquanto que Fortaleza o surto gigantesco da doença chegou a enterrar mais de 1000 pessoas em um dia, ocorrência que ficou conhecida como o dia dos mil mortos.

O Dia dos Mil Mortos - Em 1877, em um intervalo de apenas dois meses, morreram, em Fortaleza, 23.378 pessoas e, no ano seguinte, 24.849, vítimas da varíola que atingia os habitantes da cidade e os retirantes da seca que ocorreu na época. A cidade estava lotada de retirantes. Em um só dia, chegaram a ser enterradas 1004 pessoas, vítimas da assombrosa doença; era o dia 10 de dezembro de 1878, que ficou conhecido como “o Dia dos Mil Mortos”. Foto: 1877 - Flagelados na Estação de Iguatu.


A semelhança entre as duas capitais é tanta que fica até difícil encontrar algo a que as diferencie, a não ser pelo fato de o Rio de Janeiro ser a capital do Brasil.

Mas, embora fosse capital, Fortaleza destacou-se por decretar a vacina obrigatória contra a varíola em 1892, fato que só ocorreria 12 anos depois no Rio de Janeiro e que provocou a Revolta da Vacina.

A conclusão que se chega é que tanto Rio de Janeiro quanto Fortaleza tiveram suas semelhanças e diferenças em relação ao período, mas fica claro que as semelhanças entre as duas cidades são bem maiores quando compara-se as capitais.


Parte II

Parte III


Crédito: Artigo 'As atividades de lazer na Fortaleza Belle Époque' de Kamylla Barboza Evaristo



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