Os famosos Borós que surgiram no comércio de Fortaleza no fim do século XIX.
Acervo Carlos Juaçaba
Há muito tempo surgiu no Ceará um dinheiro muito especial: o boró. A origem do nome não se sabe, mas no fim do século passado circularam em Fortaleza e logo em todo o Ceará os famosos borós. Eram espécies de vales. Inicialmente foram emitidos pela Câmara Municipal e pela Companhia de Bondes e eram impressos. Depois todo mundo passou a fazer os seus próprios borós, impressos, datilografados ou escritos à mão mesmo, até os bodegueiros. Chegou a um ponto que quase não se via mais o dinheiro propriamente dito. Quando o governo federal mandou acabar com a inovação monetária a coisa já assumia grandes proporções e muita gente que emitia borós sem ter dinheiro para resgatá-los acabou na falência.
O boró, criação genuína e fundamentalmente cearense, nasceu, nos tempos dantanho, quando havia, então, absoluta falta de troco.
Eram pequeninos vales, que circulavam atribuindo-se-lhes o mesmo valor das moedas, e que eram aceitos, como se fossem, na verdade, de feição legal. Encheram toda uma época e tiveram, assim, a sua história deveras interessante, dentro da vida comercial do Ceará. Foram emitidos a torto e a direito. Grassou como que uma verdadeira epidemia de borós. Qualquer um se achava com o direito de lançá-los. E surgiram "à bessa", pletoricamente, de todos os formatos, de todos os tamanhos, impressos e escritos a mão, bonitos e feios, coloridos e de uma só cor, todos valendo ora 100 ora 200 réis e ensaiaram resolver a difícil questão do troco.
Os borós que circularam com melhor aceitação foram os emitidos pela Câmara Municipal de Fortaleza, em 1896, sendo intendente Guilherme da Rocha, para custear por 360.000$000 a construção do Mercado de Ferro, o mesmo que há muito foi desmontado. Dentro de uma, quando da oposição da pedra fundamental, dizem os da época, Guilherme Rocha ajuntou um punhado desses vales, amarrou-os, e escreveu por fora a seguinte frase: "Com isto, fiz isto".
Havia borós muito curiosos, não só curiosos como também muito pitorescos. A propósito de tudo, e mesmo sem propósito algum, apareciam borós, cujos dizeres eram, mais ou menos, os seguintes, às vezes escritos pelo próprio punho do emissor:
"João Pinto deve ao portador por falta de troco quinhentos réis (a) João Pinto. Massapê. Estreito." Ou ainda: "A Comissão do Comércio abaixo assinada garante ao portador deste a quantia de 100 réis. Baturité, setembro de 1893. Bernardino Proença. Raimundo Maciel. Francisco Antônio. João Ramos da Silva. João de Pontes Medeiros. Marques d'Oliveira". E bem no alto a figura de uma gaiola do Amazanas.
Ou ainda com um simples carimbo, onde se lia:
"Fernandes do Amaral. Devo cem réis. Milagres-Ceará".
Acervo Carlos Juaçaba
O mais das vezes o vale era despido de qualquer prolixidade:"Vale um quilo de carne", e com estes simples dizeres corria a praça, tendo o seu valor.
Ainda emitiram borós as companhias de bondes de burro:Empresa Ferro Carril do Ceará, Empresa Ferro Carril do Outeiro e Companhia de Bondes de Parangaba.
Certa vez, - contou-me o prof. Dias da Rocha, - um vendedor ambulante da feira de Fortaleza inventou, como toda gente, borós de sua emissão, com a seguinte e pitoresca inscrição:"Vale este uma tigela de arroz-doce" e a coisa chegou aos ouvidos do intendente, que proibiu a circulação dos mesmos e determinou seu recolhimento pelo negociante, pois só os da Câmara tinham, então, valor circulatório. Aquele, porém, a proporção que os recebia, depositava-os na lata do lixo. A meninada esperta descobriu a mina e toca a comer arroz-doce, gratuitamente, com os vales, que, por inadvertência do pobre vendedor ambulante, voltavam a circular.
O ingênuo negociante bateu quase às portas da falência...
E por falar em bancarrota, muita gente boa chegou à mesma situação por emitir borós, sem possuir o necessário lastro e o resultado era fatal: o resgate não se dava.
Eusébio de Sousa narra-nos, a propósito, o seguinte caso: "Em Baturité, um proprietário de sítio, chamado Clementino Holanda, para facilitar o pagamento dos seus assalariados, emitiu boró a quando pôde. Em partidas mais que "dobradas": quadruplicadas. Mais tarde, ou porque não fosse oportuna a época da quitação, ou porque o "lastro"não fosse suficiente, tal resgate não se deu. Veio o descrédito. Ninguém queria aceitá-lo. E a mofina surgiu. Até um cego, pedinchão, que esmolava em Cangati, cantarolava ao pé da viola:
Eu peço por caridade Pelo seu Senhor Divino...
Eu só não quero boró Que seja do Clementino...
Os borós tiveram sua época de fastígio e, depois, com os anos, ficaram desacreditados. Tendo sua origem no Ceará, os borós, todavia, foram copiados, por alguns dos Estados brasileiros, entre os quais Rio Grande do Norte, Paraíba,Pernambuco, Alagoas, Bahia e Minas Gerais, que também os emitiram, larga e profusamente.
Boró - Dinheiro/salário - "Já saiu o boró deste mês!". Não se sabe ao certo a origem do nome, mas, no fim do século XIX circularam em Fortaleza e logo em todo o Ceará.
Mais recentemente, com o estado em uma crise financeira, o então governador, Gonzaga Mota (antecessor do Tasso Jereissati), andou reeditando o boró. Só mudou o nome. Os papéis ou "gonzaguetas", nome criado pelo povo, não passavam de "borós". Desta vez, emitidos pelo próprio Governo do Estado, para o pagamento do funcionalismo estadual. O comércio aceitou, foram todos depois resgatados e tudo acabou bem.
(Coisas que o Tempo Levou)
Em 1998, surgia a Palma, é uma moeda que só circula no Conjunto Palmeiras. Cada palma equivale a R$ 1,00.
"A grande pergunta que nós nos fazíamos na época era: por que somos pobres? Nós já construímos um bairro e fizemos mutirões. A resposta mais simples era: nós somos pobres, porque não temos dinheiro. Se não temos dinheiro, somos pobres. Parecia óbvio", lembra o coordenador do Banco Palmas, Joaquim Melo.
"O grande problema era que todos os produtos vinham de fora. Tudo se comprava, da coisa mais simples, como uma vassoura ou um sabão. Até mesmo um corte de cabelo era feito fora do bairro. Na verdade, as pessoas não eram pobres. Elas se empobreciam, porque perdiam as suas poupanças internas. Então, já tinha aqui uma base monetária que se esvaziava como um balde furado. Tudo ia para o ralo", conta seu Joaquim.
Então, como segurar esse dinheiro dentro do bairro? E como incentivar o comércio e a criação de pequenas empresas no local? A resposta veio com o banco e com a nova moeda.
Funciona assim: o Banco Palmas recebe reais do Banco do Brasil e paga 1% de juro ao mês. Aí, o Banco Palmas empresta para os moradores que querem montar um negócio com juros mensais que variam de 1,5% a 3%. Essa diferença é o que sustenta o banco.
Darcília de Lima e Silva foi uma das primeiras clientes. Hoje, ela toca uma confecção, mas faz questão de contar como era a vida na região, quando ela chegou, há mais de 30 anos.
"Era uma favela dentro do mato, onde não tinha água encanada, não tinha saneamento, nem energia. A gente vivia dentro do mato mesmo", lembra a microempresária.
Os moradores transformaram o que era uma grande favela em um bairro.
"Com a moeda palma, a gente põe combustível, paga água, luz, telefone e, se sobrar, a gente pode trocar por real. Não tem perda", garante o comerciante Sena Pereira de Souza.
Em uma década, o Banco Palmas ajudou a criar 50 pequenas empresas e a experiência se multiplicou. Hoje, há outros 40 bancos comunitários em sete estados. No Conjunto Palmeiras, essa ideia provocou mudanças no dia a dia das pessoas. Mais que isso: incentivou muita gente a se valorizar.
Reportagem de Hélter Duarte