Os programas
Musicais e a Proximidade com as Classes Populares
Aos domingos, ia ao ar das 19 horas até meia-noite, na Ceará RádioClube, o programa Bazar de Música, apresentado pelo locutor José Limaverde (Foto ao lado). “Em
cada domingo uma casa recebia os dançarinos para os passos do samba e marcha
brasileiros, ao bolero até a conga, uma dança gaiata, com três passos e um
levantamento de perna” (LIMAVERDE, 1999, p. 197). O Bazar da Música envolvia o
público por meio da conversa que o locutor mantinha com os ouvintes, de forma
íntima e coloquial, características do rádio. José Limaverde pedia licença para
entrar nas residências, convidava todos para dançar e fazia referência aos
dançarinos que se reuniam para ouvir e se divertir ao som do programa.
O caráter
destas relações era determinado por uma amabilidade, um refinamento, uma
cordialidade que se absorvia das conversas advindas dos conteúdos radiofônicos
que funcionavam como fonte de alimentação de desejo de inserção em um mundo que
se revelava bem maior do que as fronteiras da província e como fomentos de um
novo status social (ANDRADE E SILVA, 2007, p.11).
Dentro do programa Bazar da Música, o público conferia um
quadro chamado Passatempos E-9, no qual Limaverde elaborava perguntas para os
ouvintes responderem. Como premiação, a pessoa que enviasse mais rapidamente a
resposta ganhava: ingressos para os cinemas da Empresa Ribeiro (Diogo, Moderno,
e Majestic) ou frascos de um perfume fabricado no Joaquim Távora, pelo Benjamim
Torres. “Eram vidros bonitos, embalagens um tanto luxuosas, valorizando a
fragrância que, positivamente, não era nenhum perfume francês” (GIRÃO, 1998, p.
272).
A audiência do programa era tamanha, que as cartas enviadas com as
respostas enchiam a caixa de correio da emissora.
Além das cartas, o público também se evolvia em gincanas, participava
dos sorteios feitos pela emissora e oferecia músicas para homenagear uma pessoa
querida. Aqueles que conseguissem entrar no circuito midiático do rádio
adquiriam novo status, criando uma nova visibilidade social.
Tinha um
programa de contato com os ouvintes que era “Mensagens Sonoras”. Era quase uma
hora de rádio. As pessoas aniversariavam e os outros queriam homenagear através
de músicas no rádio. Aquilo ali dava status, faziam bem. Então saía música de
todo jeito, música erudita e música popular (PEIXOTO, entrevista, 2001).
João Ramos
Outro sucesso em audiência entre os rádio-ouvintes fortalezenses,
na década de 1940, era o programa Noturno Pajeú, apresentado pelo locutor João
Ramos, nas noites de terça-feira. O programa tinha patrocínio da fábrica de
cigarros Araken e incluía como atração máxima o quadro Clube das Gargalhadas.
Este último “funcionava a base de anedotas (piadas) que eram encaminhadas pelos
ouvintes. (...) As piadas eram vividas pelo famoso Cast Prenove, com Augusto
Borges, Maria José Braz, Ângela Maria, José Júlio Barbosa, Clóvis Matias e
Aderson Braz” (LIMAVERDE, s/d, p. 45).
Foto 1: Ângela Maria como professora e os alunos (da esquerda para a direita): Clóvis Matias, João Ramos, Augusto Borges e José Júlio.
Foto 2: Maria José Braz.
Os Programas
Humorísticos
Os programas humorísticos sempre foram presença constante dentro da
programação radiofônica cearense. Dentre os mais queridos pelo público
estiveram: A Carrocinha, A Escola da Fuzarca, o Restaurante Vuco-Vuco com seu
cozinheiro Beiçola, Dona Pinóia e Seus Brotinhos, este, escrito por Elano de
Paula, irmão de Chico Anísio e, segundo afirmam, teria sido o ‘piloto’ para a ‘Escolinha do
professor Raimundo” (LOPES, 1994, p. 187).
Clovis Matias atuava no Clube das Gargalhadas era um grande ator da
época, autodidata, humorista de skets, forjado entre o riso dos palhaços e a
emoção do melodrama circense que arrancava lágrimas das plateias dos circos
poeira, armados no areial da periferia de Fortaleza.
Em meados da década de 1940, as emissoras cearenses registraram o
aparecimento de grandes produtores e intérpretes humorísticos. Na Ceará Rádio
Clube, Augusto Borges despontava na pele do personagem “Oscarzinho”. No horário
de meio dia, Borges e seu personagem malandro atuavam no programa Pensão
Paraíso. Segundo Marciano Lopes (1994, p.186), “quando o comércio fechava para
o almoço, era notória a correria das pessoas na pressa de chegarem em casa a
tempo de assistirem às tiradas deliciosas dos personagens da ‘pensão’”. A verve
cearense foi sempre revelada, tanto na produção, como na interpretação e na
recepção ávida pelas piadas e molecagens. Esses programas embora planejados e roteirizados
em um script, na sua apresentação obedeciam muito mais à presença de espírito
dos atores e estavam recheados de “cacos”, acréscimos que os intérpretes
introduzem no ato da representação, de sua própria autoria.
O
Radiojornalismo e a sua Especialização
No início da década de 1950, a Ceará Rádio Clube aumentou seu
quadro de funcionários, com a contratação de artistas e profissionais do rádio.
Em 1954, a Emissora realizou um concurso para radialistas, dentre os três
primeiros colocados, especificamente em terceiro lugar, foi classificado
Narcélio Limaverde, filho de José Limaverde, um dos primeiros locutores da
PRE-9. O Rádio também trouxe ao cotidiano social um novo significado de
notícia, os acontecimentos ganharam maior velocidade perante o novo veículo.
Segundo Lia Calabre, “ao partilharem das mesmas fontes de notícias,
os indivíduos se sentiram mais integrados, possuindo um repertório de questões
comuns a serem discutidas” (2002, p. 09). Não eram só as notícias que possuíam
destaque no radialismo cearense, de
acordo com Narcélio a preferência dos ouvintes era pelos programas musicais:
Durante a
programação eram apresentados vários noticiosos de cinco minutos, de hora em
hora, durante o dia e à noite também. Mas o grande forte, o mais importante do
rádio era a música, principalmente, porque os ouvintes exigiam mais música. Entre
uma canção e outra havia somente a publicidade e os intervalos comerciais (NARCÉLIO,
entrevista, 2007).
A relação entre ouvintes e profissionais, segundo Narcélio, era permeada
por um vinculo que perdurava durante décadas. Porém, para se alcançar esta
fidelidade, por parte do público, os produtores de rádio deveriam obedecer a
“uma série de tabus e interditos sociais” (ANDRADE e SILVA, 2008, p. 07).
No rádio não
se podia dizer determinadas coisas. Um palavrão dito aqui, numa emissora de
rádio, palavrão que é típico do cearense que identifica um homossexual, chegou
a demitir um radialista por tê-lo pronunciado ao microfone, achando que este estava
desligado (NARCÉLIO, entrevista, 2007).
O Rádio, aos poucos, transformou-se em um equipamento marcante no
cotidiano da população fortalezense, e até à década de 1950, foi um “ícone da
modernidade”, assumindo o papel de mediador das interações sociais na vida
privada e pública. “Lançado como uma novidade maravilhosa, o rádio
transformou-se em parte integrante do cotidiano. Presença constante nos lares
converteu-se em um meio fundamental de informação e entretenimento” (Calabre,
2002, p. 7).
Os anos 50 do século XX, também ficaram marcados no radialismo
cearense, pela fundação de mais três emissoras: em 1956, a Rádio Uirapuru de Fortaleza;
em 1957, seria a vez da Rádio Verdes Mares, que assim como a PRE-9, também fazia
parte dos Diários e Emissoras Associados. A rádio Dragão do Mar foi a última
emissora de rádio fundada na “Década de Ouro” no Ceará, o início de suas
transmissões se deu no ano de 1958, e a emissora tinha, segundo Blanchard
Girão, “o objetivo primordial de levar a flamejante palavra de ordem das
oposições (políticas) aos mais recônditos pontos do território cearense” (2005,
p. 21). Segundo Dejane Lopes, essa foi à melhor época da radiofonia no Ceará.
“Foi uma época caracterizada pelo grande número de emissoras que se instalaram
em Fortaleza e no Estado durante toda a década, cada uma com seus estilos e
peculiaridades” (LOPES, 1997, p. 20).
Considerações
Finais
O rádio, gradativamente, ganhou a aceitação da sociedade que
passava por profundas transformações na sua malha urbana e nos seus costumes,
invadida que foi por 50 mil soldados norte-americanos, no período estudado. Com
eles veio a coca-cola, o chiklets, e a sedução das nossas mocinhas, umas
advindas da periferia, outras nem tanto. A cor da pele e os cabelos louros
encantavam e a música que tocava no rádio embalava o romance.
Infelizmente, desses fatos, poucos registros se encontram. A
memória em áudio não alcançou a atualidade. O rádio era sinal de status e
ocupava lugar de destaque nas amplas salas das mansões que se erguiam nas
dunas. No centro da cidade, ele estava nos cafés, nos estabelecimentos
comerciais e no abrigo central. Nos bairros periféricos ocupava, estrategicamente,
o canto mais vistoso da sala, sobre uma mesinha entoalhada. Ao girar o dial se
assistia de forma silenciosa e emocionada as dramáticas novelas, dançava-se aos
domingos ao som do Bazar Musical, mas também na hora do Angelus, compungida a
sociedade cearense rezava a Ave Maria, ao pé do rádio!
Fim
Leia também:
Crédito: Francisca Íkara Ferreira Rodrigues (Graduada do Curso de Comunicação Social – Jornalismo, pela Universidade de Fortaleza – UNIFOR) e Erotilde Honório Silva (Professora Doutora em Sociologia, pela Universidade Federal do Ceará – UFC. Coordenadora da Pesquisa História e Memória da Radiodifusão Cearense – UNIFOR). A popularização do Rádio no Ceará na década de 1940: Trabalho apresentado no 7º Encontro Nacional de História da Mídia realizado em Fortaleza – Ceará, de 19 a 21 de agosto de 2009.).
Fotos: Assis Lima e AOUVIR