Fortaleza afrancesada. Aspecto da Praça General Tibúrcio - Acervo MIS
Nos primeiros anos do século XX, a cidade de Fortaleza encontrava-se sob um processo de transformações, ganhando novos espaços, técnicas e habitantes. Devido aos problemas provocados pelas secas no interior do Estado do Ceará, muitos sujeitos migraram para Fortaleza, esperando que nesta as condições de vida fossem melhores, assim, os retirantes foram alocando-se em espaços ainda não habitados e dando novos aspectos à cidade. Além disso, Fortaleza adquiria novidades tecnológicas oriundas dos países europeus e Estados Unidos, como por exemplo, a arquitetura de ferro, os bondes, a iluminação a gás e o cinematógrafo, assim, novos prédios foram sendo construídos.
Jardins 7 de Setembro na Praça do Ferreira. (Cartão colorizado do início do Século XX)
Destes ressaltamos o Theatro José de Alencar, que foi edificado entre os anos de 1908 a
1910 para servir como teatro oficial ou público de Fortaleza, mas esta também possuía seus teatros particulares de iniciativa de empresários ou de companhias dramáticas.
Assim, Fortaleza vai modificando a sua forma, onde a prática teatral teria seu espaço. Nessas mudanças na morfologia da cidade de Fortaleza têm-se as disputas políticas entre os correligionários da oligarquia acciolina e os seus opositores, que são difundias nos periódicos A Republica, órgão oficial do governo acciolino e tendo como principal redator Antônio Arruda; O Unitário, jornal político e opositor a gestão de Nogueira Accioly e cita-se como redatores João Brígido, Rodolpho Ribas e Armando Monteiro e Jornal do Ceará, definido como órgão político de oposição e seu redator e proprietário foi Waldemiro Cavalcanti. Nesses periódicos também podemos perceber uma análise do cenário artístico da capital cearense, através de anúncios dos espetáculos, da descrição dos concertos, das peças e dos filmes exibidos, dos elogios ou desmerecimento dos artistas e ressaltando os cinemas e teatros existentes nas suas concorrências em busca de público. As conturbações políticas são refletidas na prática teatral em Fortaleza, onde os discursos são modificados, os espaços são diferenciados e assim por diante.
A opereta A Valsa Proibida do cearense Paurillo Barroso em 1964 mobilizou a cidade nos anos 40, quando da temporada de estréia no Theatro José de Alencar
A prática teatral vai ganhando significados diferentes ao longo dos anos, neste sentido, as atribuições dadas ao teatro em Fortaleza no início do século XX refletem seus valores, seus conflitos, suas relações sociais e assim por diante, que podem ser verificados nos discursos jornalísticos.
Os primeiros teatros da cidade de Fortaleza
O primeiro teatro, registrado pela história, existente em Fortaleza foi o Concórdia datado de 1830, também conhecido como “Casa da Ópera” e popularmente de “Teatrinho da Concórdia”, sendo um estabelecimento particular, obra de negociantes portugueses e de empregados dos comércios, sendo localizado em frente à Igreja Nossa Senhora do Rosário. Em 1842 o Teatro da Concórdia transferiu-se para a Rua Formosa, 72 (atual Barão do Rio Branco) com o nome de Teatro Taliense, funcionando, ali, até 1872. Neste, pela primeira vez, um grupo de fora se exibiu, os músicos italianos Ugaccioni, os quais acabaram se fixando em Fortaleza depois de muito sucesso. Os espectadores do Taliense eram membros da elite, cujo senhoras com seu figurino eram o ponto alto de elegância.
Prédio do Círculo de Operários Católicos, onde foi construído o Teatro e Cinema São José. Livro Fortaleza e a Era do Cinema
Em 1874, surge o Theatro São José na Rua Amélia (atual Senador Pompeu, entre
Guilherme Rocha e Liberato Barroso), onde se estabeleceu até 1884. Foi inaugurado em março pela Sociedade Dramática, de Antônio Joaquim de Siqueira Braga, permanecendo até hoje. O grupo amador Recreio Familiar ocupou o seu palco com animadas comédias, além dos incidentes engraçados:
A prática teatral em Fortaleza em meados do século XIX possuía certa informalidade, que anos mais tarde seria criticada pelos periódicos da capital. Tem-se também no Teatro São José apresentações das “Meninas Riosas”, dupla de mocinhas de muito sucesso e “Os Campanólogos”, estes grupo de cinco músicos que tocavam com cento e tantas campanhias e oitenta copos.
Localizado na esquina da Rua Formosa (atual Barão do Rio Branco) com a Rua Misericórdia (João Moreira), defronte ao Passeio Público, foi inaugurado a 21 de janeiro de 1977, o Theatro de Variedades, este não possuía teto e para sentar-se os espectadores levavam cadeiras.
Antiga Rua da Misericórdia em frente ao Passeio Público, onde em 1977 funcionou o Teatro de Variedades. Arquivo Nirez
Nos anos de 1880 a 1896, no mesmo local do Teatro Variedades, funcionou o Theatro São Luiz, considerado o mais importante anterior ao José de Alencar e de iniciativa do tabelião Joaquim Feijó de Melo. Muitas companhias que excursionavam em direção ao Norte passavam por Fortaleza e faziam apresentações de óperas, operetas, dramalhões, dramas e comédias no Teatro São Luiz:
Funcionou nos fins do século passado. Foi à fase retirante do Teatro em Fortaleza. No palco deste teatro contracenaram os mais célebres artistas brasileiros e portugueses daqueles tempos. Companhias que demandavam o Pará, então o foco de arte no Norte, faziam uma temporada no São Luiz para um público de gosto exigente, representado óperas, operetas, dramalhões e comédias, caprichosamente.
Na última década do século XIX, verificamos que a prática teatral em Fortaleza vai adquirindo um discurso de formalidade, onde o teatro deveria seguir uma estrutura específica conforme os grandes centros europeus e a capital federal, ou seja, o Rio de Janeiro, o público apresentaria um comportamento civilizado, os artistas teriam seus
reconhecimentos sejam locais ou nacionais, as peças encenadas seriam de prestígio e assim por diante. Mas o discurso não significa afirmar na existência de formalidade na prática teatral na capital cearense, pois essa vai ganhando formas diferentes conforme os sujeitos que a realizam, apesar de estarem nos palcos da cidade de Fortaleza.
“Com extraordinária concorrência”: os teatros particulares e as inovações tecnológicas
As transformações da cidade da cidade são responsáveis pela criação desse novo modo de exprimir os desejos, atingindo seu desenvolvimento em “Viação Urbana”. (RODRIGUES, 2000, p.66).
Livro Fortaleza e a Era do Cinema
No início do século XX foram aparecendo outros teatros e grupos dramáticos na capital cearense, como por exemplo, o Theatro João Caetano; o Theatro Iracema; o Theatro Rio Branco; o Theatro Art Nouveau e o Theatro Polytheama. Alguns desses teatros surgiram por investimentos de empresários, mas também por iniciativas de grupos dramáticos ou sociedades esportivas, como por exemplo, o Theatro João Caetano. Este foi oriundo do Clube Atlético, que era uma sociedade esportiva formada por jovens do comércio, onde além das práticas atléticas, também organizavam seus dramas, tragédias, etc. (COSTA, 1972, p. 25-26). Tais teatros e grupos dramáticos foram desenvolvendo práticas sociais e culturais na cidade de Fortaleza, nas quais foram ganhando contornos diversos, pois os teatros particulares não eram apenas investimentos de empresários, também eram espaços de diversões e sociabilidade de parte da sociedade fortalezense.
Os teatros particulares recebiam companhias dramáticas oriundas da capital federal e de Portugal, como por exemplo, a Companhia Alves da Silva, que encenou diferentes peças no palco do Theatro Iracema. Mas também recebiam as companhias dramáticas cearenses, que em sua maioria eram formadas por membros da elite, como no caso do Clube de Diversões Artísticas organizado por Papi Junior, onde agia diretor, autor, ator e ensaiador, tal grupo propôs organizar um teatro nos fundos do Clube Iracema. (GIRÃO, 1997, p. 144).
Alguns encontravam na ida ao teatro uma forma de divertimento, mas para outros a diversão estava nas encenações das peças, na escrita destas, na organização do cenário etc. Portanto, os teatros particulares também foram sendo construídos para colocar em seus palcos grupos cearenses de arte dramática, definidos como amadores por Raimundo Girão, mas que os periódicos davam os devidos valores, não apenas pelos seus redatores frequentarem os mesmos espaços desses artistas, mas também por estes incentivarem a prática teatral na cidade de Fortaleza, já que essa é proposta como uma atividade de país civilizado:
Judiciosos são, sem dúvida, os desejos expostos em favor dos artistas, elemento forte e poderoso, que em todo paiz civilisado concorre com seu prestígio para a formação e organização do Estado, constituindo uma classe nobre, digna e respeitada tal qual sonha o articulista d’A Republica. (Grafia da época)
Mas tais artistas não eram membros apenas da elite, pois muitos faziam do palco o seu ganha pão do dia-a-dia. Os periódicos anunciavam os espetáculos, que ocorriam nesses teatros particulares, convidando o público para prestigiar e contribuir financeiramente com esses artistas, ao mesmo tempo, incentivando o hábito de frequentar tais teatros. Os empresários encontravam nas páginas desses jornais a forma de propaganda das suas casas de espetáculos, assim, o Jornal do Ceará noticiava:
“sabbado, no Theatro
artista cantora Victorina Cezana, que o dedicou ás familias cearenses”.
As notícias dos espetáculos seguem com argumentos para incentivar a ida do público aos teatros, ao mesmo tempo em que ressaltam os valores defendidos pelos redatores dos periódicos, como por exemplo, a importância da família para o desenvolvimento social e cultural da cidade de Fortaleza. Portanto, a prática teatral em Fortaleza era uma diversão ou lazer, um negócio, uma atividade cultural, uma forma de sociabilidade e assim por diante.
Mas nos primeiros anos do século XX, o teatro encontrou no cinema uma concorrência. Com a chegada das maquinas de projeção de filmes na capital cearense, os teatros particulares abriram os seus espaços para essa novidade tecnológica, que segundo os jornais suas sessões eram bastante concorridas, onde “todas as noites, enchentes à cunha, todos devem aproveitar as boas noitadas, que está proporcionando o Rio Branco”.
Mas nos primeiros anos do século XX, o teatro encontrou no cinema uma concorrência. Com a chegada das maquinas de projeção de filmes na capital cearense, os teatros particulares abriram os seus espaços para essa novidade tecnológica, que segundo os jornais suas sessões eram bastante concorridas, onde “todas as noites, enchentes à cunha, todos devem aproveitar as boas noitadas, que está proporcionando o Rio Branco”.
Atrás da Maison Art Nouveau, ficava o Cinema Di Maio.
Este era mencionado pelos periódicos em alguns momentos como cinema e em outras ocasiões como teatro, mas percebemos como os espetáculos teatrais foram perdendo espaço para a exibição de filmes, onde tais sessões poderiam ser acompanhadas de orquestras, números de mágicas ou mesmo encenação de peças, mas estas tornavam secundária diante da novidade que atrai cada vez mais público. Este seria composto por empresários, políticos, militares, intelectuais, trabalhadores do comércio, funcionários públicos etc. Tal público vai encontrando divertimento nos cinemas que vão surgindo, como por exemplo, o Cinema Di Maio pertencente ao Vitor Di Maio e localizado na Rua Guilherme Rocha, atrás da Maison Art Nouveau e o Cinema Cassino Cearense de Julio Pinto e com sede na Rua Major Facundo no antigo Palhabote, bar que pertenceu a Antônio Dias Pinheiro.
Diante das novidades tecnológicas, que expressavam os desejos de civilidade dos discursos jornalísticos, onde a cidade é percebida como um “lugar da cultura”, ou melhor, “de produção cultural” (BARROS, 2007, p. 81-82), o comportamento do público era questionado nos discursos jornalísticos:
Hontem á noite ao theatrinho
Houve entre as três partes litigantes, murros, taponas e quedas, terminando o sarilho pela prisão, que effetuou o último, do moço Mesiano, a quem aplicou ainda alguns murros, quando o mettia no xadrez. (...) Deixemol-os a divertirem-se que tudo vem a ser progresso
da liberdade, costumes novos, decência e gravidade dos homens da situação e governança. Até pouco tempo tínhamos duellos em brigas de dois, já agora temos triellos ou brigas de três.
A desordem descrita pelo jornal O Unitário ocorrida no Theatro Rio Branco demonstra que novos valores chegavam à cidade de Fortaleza junto com as novidades tecnológicas oriundas dos grandes centros europeus e Estados Unidos, como por exemplo, o progresso. Nos discursos jornalísticos Fortaleza estava se desenvolvendo, ou seja, o progresso estava chegando não só com o cinema, mas com os bondes, a iluminação a gás, etc, e com ele também chegava à civilização, portanto, o comportamento de brigas entre os membros do público de uma casa de espetáculo foi ironizado e criticado pelo jornal O Unitário, já que “triellos” não é algo para se considera como civilizado. Neste sentido, Fortaleza com seus teatros particulares e cinemas, que podem ser considerados meios urbanos de concretização e circulação da produção cultural da cidade, pode ser percebida como o “lugar da civilização”? Afinal, “a associação entre cidade e civilização remonta aos primórdios do desenvolvimento urbano” (BARROS, 2007, p. 82). Tal questão nos remete ao que se propõe por civilização, no caso dos periódicos da capital cearense podemos percebê-la como valores de comportamento e desenvolvimento da cidade, neste sentido, os discursos jornalísticos pretendem Fortaleza como um lugar de civilização, isso não significa afirmar que ela era representada nas práticas sociais urbanas.
Os teatros particulares foram tornando-se pequenos para receber as grandes companhias dramáticas nacionais e estrangeiras, os cinemas foram adquirindo seus espaços, assim, as transformações que ocorriam na cidade de Fortaleza foram impulsionando novos desejos, dentre estes, citamos a construção do teatro público ou oficial defendida pelos intelectuais, artistas, políticos, jornalistas da capital cearense.
Primeira montagem do Auto da Compadecida no Teatro José de Alencar em 1960. Acervo Almir Terceiro Teles
Em 1981 juntaram-se Virgílio Augusto de Morais, João Brígido, João Joaquim Simões, Manuel Gomes Barbosa e Antônio Papi Junior para formar a Companhia Cearina com objetivo de construir um teatro na atual Praça José de Alencar (GIRÃO, 1997, p. 142).
Assim, no final do século XIX e início do século XX, as discussões em torno da edificação do teatro público ou oficial vão ganhando força e neste contexto têm-se as disputas políticas do governo acciolino.
Continua...
Camila Imaculada Silveira Lima
Mestranda em História pela Universidade Estadual do Ceará