Numa cidade que procurava agora orientar seu crescimento, os
progressistas anos 40 e a passagem das tropas americanas tiveram impacto decisivo para a
efervescência de sua vida social. Proliferavam então em Fortaleza os “clubes de luxo” —
tantos, que lhe trouxeram a alcunha de “Cidade dos Clubes”.
Caminho para o Clube Caça e Pesca-Praia do Futuro em 1972. Foto Nelson Bezerra
O Clube Caça e Pesca visto das dunas da Praia do Futuro na déc. de 70. Foto Nelson Bezerra
Ceará Country e Sociedade de Tiro, Caça e Pesca firmaram-se e
lembram agremiações importantes de sua história.
Foto do Clube do Médico em 28 de julho de 1976.
Outros clubes mais atraíam para o lazer social — como o Recreio (na
Lagoa Redonda) e os localizados na área costeira que absorveu a primeira grande
expansão da cidade, como o Náutico e o Ideal, e, mais recentemente, a AABB-Associação Atlética do Banco do Brasil, todos estes ao longo da Avenida Beira-Mar — e, já na Praia do Futuro, o clube dos empregados da Petrobras (Associação Desportiva Classista Petrobras
Ceará), a ASBAC Associação do Banco Central, a AABEC - Associação Atlética do Banco do Estado
do Ceará e a Sociedade
Beneficente Portuguesa Dous de Fevereiro, estes localizados após os clubes dos Advogados, dos
Médicos e a Praça 31 de Março.
Praça 31 de Março. Foto publicada no Jornal O Povo em 29/04/1991
Outro aspecto da Praça 31 de Março
Na Praia do Futuro, há ainda outras sedes sociais de vários
clubes e associações.
Na região do Caça e Pesca fica hoje o BNB Clube Praia (que sucedeu
o Caça e Pesca), e, nas dunas da Praia do Futuro ergue-se a nova sede do Clube dos
Diários, em terreno permutado com a Construtora Marquise
pelo de sua sede anterior na Beira-Mar. A mudança do clube deu-se após muita polêmica.
Atualmente, erguem-se dois sólidos blocos residenciais no local
onde antes ficava o Diários, uma área que tem o metro quadrado mais caro do Ceará, na
Praia do Meireles.
Foz do Rio Cocó/Caça e Pesca
Fortaleza volta-se para o mar e vai acomodar costumes de uma
certa elite no seu limite Leste, lugar desabitado a serviço do lazer dos menos abastados e
dos visitantes.
A história efetiva deste lugar tem início ao ser criada, ao final
dos anos 40, a
Sociedade Cearense de Tiro, Caça e Pesca, em uma construção localizada
na Praia do Futuro, no final da Av. Zezé Diogo. A agremiação inaugurou sua sede
definitiva em 1952 para a prática, exclusivamente, de caça, pesca e tiro, naquela praia então
deserta e isolada. Porém, a cidade foi se tornando metrópole e também ali surgiram muitas
construções, entre residências e o pioneiro na área (em seu porte
duas-estrelas) Fortaleza Praia Hotel, obrigando à redução progressiva da prática de tiro-ao-alvo e suas modalidades na
região.
Caça e Pesca em 1976 - Acervo pessoal de Hugo D'Leon M. Morais
Não demorou muito e aquela moda tornou-se vedada por lei “em lugar transitável, praias e estações balneárias, onde haja a possibilidade de acidentes, mesmo que o material utilizado no esporte não ocasione morte ou danos sérios” (DIÁRIO DO
NORDESTE, 1987).
Caça e Pesca em 1976 - Acervo pessoal de Hugo D'Leon M. Morais
Os hóspedes do hotel reclamavam do estampido das armas e as
atividades noturnas dos associados — em número que chegou ao milhar — incomodavam a já
consolidada vizinhança.
Postal Caça e Pesca
Glória e declínio
Vamos por mais um instante detalhar as características do Clube Caça
e Pesca.
Instalado numa área de 26 mil m², cuja área construída, à inauguração, era de 700
m².
Segundo a imprensa, o clube promovia em seus 40 boxes de tiro ativa programação, envolvendo atiradores, inclusive do sexo feminino (o que à época
parecia notável), de outras regiões do País, em torneios como o Campeonato Norte-Nordeste de
Caça e Pesca.
A tranquilidade da época era tanta que o clube não era murado... Foto dos anos 80
Acervo pessoal de Fátima Porto Belém
Foto dos anos 80. Acervo pessoal de Fátima Porto Belém
A imprensa reporta que uma equipe do clube chegou a viajar “para
Santarém (PA), para receber treinamento, mantendo contato com outras agremiações
do gênero” (O POVO, 1980).
Porém, depois deste ápice o clube atravessou um período de
inatividade que durou cerca de 20 anos e representou longa fase de depressão. Em 1980,
visando retomar as suas rotinas e atrair sócios, o Caça e Pesca, já com um notável volume
de barracas de praia nos seus arredores, se fazia divulgar como “o melhor clube da capital”,
por contar com “o privilégio de ter em suas dependências mar e rio ao mesmo tempo”
(Idem, ibidem).
Foto em frente a piscina adulto. Incrível observar que o clube só tinha a fachada, todo o resto era aberto e dava para a praia. Anos 80. Acervo pessoal de Fátima Porto Belém
Esta tentativa de promoção que apelava à paisagem ecoava uma
consciência da valorização dos recursos naturais que se difundia no Brasil e no
resto do mundo, como veremos. No entanto, não há registros dos impactos causados pelo
clube ao seu entorno — um complexo ecossistema que abrange praias, estuário, mata de
transição, dunas e manguezal. A sede do Caça e Pesca foi plena e finalmente
reformada em 1984, incorporando um parque aquático para o lazer das crianças e serviços de bar e restaurante.
“O governador Luiz Gonzaga Mota, o vice-governador Adauto Bezerra, o prefeito César Cals
Neto, o comandante da 10.ª Região Militar, Francisco Torres de Melo, o
capitão-de-fragata Francisco Nogueira de Oliveira Filho e a Cervejaria Astra receberam títulos de
sócios-beneméritos na cerimônia de (re)inauguração” (O POVO, 1984).
A piscina infantil e ao fundo, o mar. Foto dos anos 80.
Acervo pessoal de Fátima Porto Belém
Na oportunidade, foram entregues troféus aos vencedores de
competições como a prova de Tiro à Bala (troféu Brahma), prova de Skeet (tiro em
pratos voando, troféu Asa Branca, numa homenagem do clube à Primeira-Dama do Estado, D.
Mirian Mota) e, por último, uma homenagem de toda a diretoria ao então presidente do
Caça e Pesca Otoni Diniz, “dando o seu nome ao troféu da Competição Olímpica”
(Idem, ibidem).
A reforma foi orçada em Cr$ 30 milhões, conforme a mesma fonte.
Caça e Pesca nos anos 80. Acervo pessoal de Fátima Porto Belém
Foto anos 80
"Barracas de alvenaria que tinha uma mesa, tamboretes e armadores, quem chegasse primeiro, armava sua rede, e a barraca era sua!" Fátima Porto Belém
O Caça e Pesca constituía-se em entidade única no Estado, segundo
seu vice presidente em 1987, João Alencar Monteiro. Por algum tempo, atraiu os
holofotes. Porém, novamente a decadência e o endividamento avolumaram-se e os
próprios sócios da agremiação reclamavam, em 1989, da inexistência de maior qualidade
no atendimento. Por fim, foi decidida a inviabilidade daquele empreendimento.
Caça e Pesca nos anos 80. Acervo pessoal de Fátima Porto Belém
No salão de dança, parte da cobertura está quebrada e a chuva está prejudicando as paredes e as instalações elétricas. As duas piscinas, inauguradas
em 1983, estão abandonadas (DIÁRIO DO NORDESTE, 1989).
Encontro do Rio Cocó com a Praia do Futuro em 2004 - Pedro Itamar de Abreu Júnior
Ao final dos anos 80, o clube empregava 18 garçons e pessoal
acessório sem
especialização, que passaram a habitar aquela vizinhança, até que,
depois de declarada sua falência estrutural (quando foi posto à venda por NCz$ 300 mil) o
BNB Clube o adquiriu. O então gerente do Caça e Pesca, Francisco Hélio de Oliveira, com
salários há meses atrasados, sobrevivia “vendendo peixe assado e bebidas numa barraca instalada
na beira da praia” (Idem, ibidem). Atividade informal ligada ao usufruto da praia para
o lazer e o turismo, que se consolidou ao extremo e tornou-se “vocação”.
No antigo Clube Caça e Pesca, hoje encontra-se a sede praia do BNB Clube.
Hoje, a 30 anos daquela reinauguração, o Zoneamento sócio-ambiental
participativo do lugar denominado Caça e Pesca trata de focalizar a aglomeração,
de caráter excludente, que se originou nas cercanias daquele clube e terminou por assumir
o seu nome.
Tecnicamente, é um olhar transdisciplinar voltado a uma área da
periferia urbana da capital do Estado do Ceará, no Brasil de 2003-2004. A propósito, um país que
recebeu naquele ano US$ 2 bilhões em divisas originadas do turismo (36% a mais que em 2003,
conforme o site maxpressnet.com.br). Citamos o turismo por ser este também um fator
de impacto crescente no local.
O Caça e Pesca é hoje, portanto, um “lugar” sobre o qual a malha da
cidade avançou, sem que exista documentação organizada específica sobre o processo
de sua transformação. É importante que haja alguma providência, já que as decisões sobre o
futuro da área, implicam em impactos sobre o manguezal.
Crédito: Marco Antônio Krichanã da Silva